Bairro em que o ex-vereador Zico Bacana foi assassinado vive com confrontos entre facções
Complexo do Chapadão, dominado pelo Comando Vermelho, fica em Guadalupe, que sofre com disputa territorial contra o Complexo da Pedreira, liderado pelo Terceiro Comando Puro
Zico Bacana foi assassinado na esquina da Rua Eneas Martins esquina com a Rua Francisco Portela, em Guadalupe - Google Street View
Zico Bacana foi assassinado na esquina da Rua Eneas Martins esquina com a Rua Francisco Portela, em GuadalupeGoogle Street View
Rio - Guadalupe, onde o ex-vereador Jair Barbosa Tavares, o Zico Bacana, foi assassinado nesta segunda-feira (7), é um dos bairros onde fica localizado o Complexo do Chapadão. A comunidade é palco de conflitos entre traficantes do Comando Vermelho (CV) e do Terceiro Comando Puro (TCP) pelo controle territorial da região. Integrantes do tráfico de drogas foram acusados pela família de Zico de terem realizado o ataque que terminou na sua morte e na de Jorge Tavares, irmão do ex-político, e de Marlon Correia dos Santos.
O Chapadão atualmente é dominado pelo CV e está localizado, além de Guadalupe, nos bairros de Anchieta, Costa Barros, Pavuna e Ricardo de Albuquerque. Traficantes da facção já entraram em confronto, em diversas ocasiões, com criminosos do TCP que dominam o Complexo da Pedreira, que abrange os bairros de Barros Filho, Coelho Neto, Parque Colúmbia, Costa Barros e Pavuna.
Em maio deste ano, um confronto entre ambas as facções assustou moradores da região. De acordo com relatos, criminosos da Pedreira e traficantes de Acari, comunidades dominadas TCP, se juntaram para invadir o Chapadão, dominado pelo CV. Em vídeos publicados na internet na época, balas traçantes aparecem cruzando o céu.
Já em outubro de 2022, uma invasão de traficantes do Complexo do Chapadão na Pedreira resultou em duas mortes e três pessoas feridas. Taylane de Souza Fernandes, 22 anos, e Alexandre Guedes Monteiro, 21, foram socorridos e encaminhados à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Costa Barros, mas, segundo a direção da unidade, já chegaram em óbito.
Segundo testemunhas, a jovem estava no baile no Morro do Pedreira (TCP), quando os bandidos do Chapadão (CV), teriam chegado na favela atirando. Taylane havia acabado de abrir uma barbearia na comunidade. Alexandre estava desempregado e moradores afirmam que o jovem não era envolvido com o crime.
A região do Chapadão é alvo de operações da Polícia Militar constantemente. Na última quarta-feira (2), um criminoso de Minas Gerais, identificado como Kelver Souza Neves, foi preso por agentes do 41º BPM (Irajá) com apoio de policiais da 39ª DP (Pavuna). O homem tinha um mandado de prisão em aberto pelo crime de homicídio.
Comunidades de Guadalupe
As principais comunidades que estão localizadas em Guadalupe são a Palmeirinha e o Muquiço, dominadas pelo CV e TCP, respectivamente. Tais comunidades já tiveram diferentes confrontos por controle territorial, já que ambas são vizinhas e de facções rivais.
Os locais também são escolhidos por criminosos como esconderijos. Em junho deste ano, Ronaldo Magalhães Rezende, conhecido como Ronaldinho, 30 anos, foi preso por policiais penais depois de se esconder no Muquiço. Ele é apontado como integrante do tráfico de drogas da região. Ronaldinho foi condenado por roubo, furto, dano ao patrimônio, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo, em 2019. Em 2022, ele recebeu benefício de saída temporária, mas não retornou à Penitenciária Esmeraldino Bandeira, no Complexo de Gericinó, onde cumpria sua pena.
No ano passado, o criminoso Diego de Souza Almeida, o DG, apontado como o gerente-geral do tráfico da época na comunidade da Palmeirinha, foi preso. De acordo com as investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), DG tem ligação direta com André Luiz Cabral dos Santos, o 'Lacraia', chefe do tráfico da região, que estaria escondido no Complexo da Penha. Diego ainda seria suspeito de praticar diversos roubos na Zona Norte e de tentar matar um policial militar durante uma tentativa de assalto.
Tráfico teria matado Zico Bacana
Familiares dos irmãos Jair e Jorge Tavares estiveram, na manhã desta terça-feira (8), no Instituto Médico Legal (IML) Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, para reconhecimento e liberação dos corpos. De acordo com Joyce Tavares, filha de Jorge e sobrinha do ex-vereador, a família e o tio sofriam ameaças "todos os dias".
Em meio a muitas lágrimas, a familiar contou que seu tio se recusava a sair do bairro e o deixar entregue à criminalidade, mesmo correndo risco de vida e sob ameaças de criminosos.
"Eles foram mortos ontem covardemente numa padaria. Eles foram nascidos e criados ali [no bairro], se recusavam sair do bairro. Ele [Zico] falava: 'Minha sobrinha, se eu sair daqui, Guadalupe acaba. Vai ter que todo mundo ir embora porque os bandidos querem tomar conta disso aqui. Enquanto eu estiver vivo, vou lutar porque eu, como policial, ainda tenho voz'. Ele chamava a polícia porque a gente estava vivendo coagido. Eu tive que sair da minha casa, porque os bandidos foram na minha porta", expôs.
A mulher ainda relatou que seu tio sofria ameaças diárias, com requintes de crueldade, dos traficantes da região e que, mesmo assim, não sentia medo de continuar no local.
"Meu tio sofria ameaça todo dia, a gente sofria ameaça, eles falavam que iam arrancar a cabeça do meu tio que iam matar, iam fazer acontecer e ele lutava em prol do bairro. Ele estava aí, tem nas redes sociais, lutando para ter esgoto, saneamento, ajudava a população. Podem ir lá em Guadalupe e perguntar aos moradores o que que ele fazia”, disse.
Em seu relato, Joyce assumiu que a família tem certeza que o crime foi orquestrado pelo tráfico local, já que, após o anúncio da morte dos três, os criminosos realizaram um baile com música alta e até mesmo soltaram fogos.
"Tenho certeza que foi o tráfico de drogas. Eles fizeram baile ontem, tocaram músicas altas, soltaram fogos. Eles comemoraram. Eles são lá de trás, do gogó [os traficantes que atuam na região], todo mundo sabe, só que tem medo. Agora como vão ficar meus parentes lá? Eu tenho os tios, tenho os primos, primas... Está todo mundo com medo, todo mundo silenciado", comentou.
O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Questionada sobre as acusações da familiar, a Polícia Civil destacou apenas que os agentes da especializada realizam diligências para apurar a autoria e a motivação do crime.
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