Rio - Caio Silva de Souza, réu por homicídio doloso qualificado, alegou que não tinha ciência que o rojão acendido por ele poderia atingir e matar o cinegrafista Santiago Andrade. "Eu carrego o peso do meu trabalho, o peso da minha mochila e o peso de matar um trabalhador", disse o acusado durante o julgamento nesta terça-feira (12).
Santiago morreu após ser atingido pelo explosivo na cabeça durante uma manifestação no Centro do Rio, em fevereiro de 2014. Além de Caio, Fábio Raposo Barbosa, que entregou o material para o acusado, também é réu pelo homicídio do cinegrafista.
No julgamento, Caio confessou que acendeu e disparou o rojão, mas alegou não ter noção do que sua atitude poderia causar. "Naquele momento, tinham várias pessoas soltando um rojão lá. Eu não tinha ciência que era aquilo, isso é fato. Se eu tivesse consciência que ia causar o que causou, eu jamais ia soltar", afirmou.
O réu disse que não tinha intenção de participar da manifestação, mas teve que passar pela praça porque não conseguiu pegar um trem para voltar para casa. Caio relatou que, nesse momento, Fábio perguntou se ele tinha um isqueiro, que seria utilizado para acender o explosivo. Essa versão contradiz o depoimento de Fábio, que disse que Caio apareceu e pediu pelo rojão.
"Eu acendo e coloco no chão. Não consigo ficar ali por causa do gás. Mais à frente, um ônibus pega um vendedor de bala, um acidente. Eu fico com o vendedor de balas atropelado e chega uma pessoa. Ela pergunta se fui eu que acendi [o rojão] e diz que acertou alguém. Eu digo que não sei se fui eu", disse o réu.
Durante a fala final, Caio pediu desculpas aos familiares de Santiago, fazendo com que a família se exaltasse e iniciando uma confusão. Com isso, a juíza Tula Corrêa interrompeu para entender o que havia acontecido.
"É difícil carregar a dor de estar num acidente e ser acusado de matar um trabalhador. Queria pedir desculpas para os familiares do senhor Santiago. Não consigo entender os sentimentos dele, mas eu jamais tive a intenção de matar alguém. Qualquer pessoa que estava ali. Podem falar o que for, mas jamais vão provar que eu tive a intenção de matar alguém. Eu acendi algo que eu achei que ia explodir cores", disse.
Audiência
Antes de Caio e Fábio, cinco testemunhas depuseram nesta terça-feira, sendo as três primeiras de acusação e as outras duas de defesa. O delegado Maurício Luciano, responsável pelo inquérito inicial do caso, foi o primeiro a falar no julgamento. Ele relatou que, durante as investigações, chegou a encontrar símbolos na casa de Caio que indicavam uma suposta ligação com "Black Blocks".
A defesa do acusado tentou desqualificar o depoimento, afirmando que o policial civil apresentou diversas contradições na sua fala. Em certo momento, o advogado Antônio Pedro Melchior chegou a acusar Maurício de falso testemunho.
Em seguida, foi a vez de Eduardo Fazulo, agente do Esquadrão Antibombas que realizou perícia no local do crime. A defesa dos acusados alegou que não era possível que os dois tivessem ciência da trajetória do artefato, versão que foi corroborada pela resposta do policial.
A terceira testemunha foi o fotógrafo Domingos Peixoto, que cobria a manifestação e tirou uma foto do momento do incidente. Ele relatou que a pessoa que acendeu o explosivo não prestou socorro à vítima.
"Quando levantei a câmera para fazer as imagens, ele já estava correndo de costas para o artefato. Quando eu faço a sequência, o rojão sai e atinge o companheiro Santiago", disse Domingos.
Na sequência, foram ouvidas duas pessoas ligadas à comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil (OAB). O membro Luiz Rodolfo falou sobre a evolução das manifestações e a atuação da comissão. Ele foi questionado se a organização teria procurado a família de Santiago, mas não soube dizer. Familiares do cinegrafista que estavam presentes na audiência negaram: "Nunca. Nunca fomos procurados", disse Vanessa Andrade, filha da vítima.
Marcelo Chalel, que presidia a comissão na época do caso, depôs e questionou o fato de profissionais da imprensa não utilizarem Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
"Perguntei se ele estava usando EPI, porque muitos estavam acompanhando sem qualquer equipamento e, inclusive, sem a identificação. Isso foi até pontuado em uma das reuniões que tivemos com a PM. Perguntei e a pessoa disse que não. Depois cheguei até a comentar com o pessoal da imprensa que estava lá : 'Está vendo, a manifestação esta acontecendo e vocês estão aqui sem equipamento de proteção'", relatou.
A juíza, então, questionou se ele também utilizava EPIs enquanto acompanhava os atos.
"Nosso uniforme é o terno. Também ficávamos em uma posição mais distante", justificou o ex-presidente da comissão.
Relembre o caso
O cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, morreu depois de ser atingido na cabeça por um rojão enquanto cobria manifestação no Centro do Rio, em fevereiro de 2014. Caio Silva de Souza e Fábio Raposo foram acusados de soltar o explosivo e denunciados pelo MP por homicídio doloso triplamente qualificado (motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e uso de explosivo). A juíza retirou duas qualificações mantendo somente o uso de explosivos.
Após ser atingido pelo rojão, Santiago ficou internado no Hospital Souza Aguiar por quatro dias e morreu em decorrência dos ferimentos. A explosão lhe causou afundamento no crânio.
Segundo a denúncia do MP, Fábio teria entregado o rojão para Caio "com a finalidade, previamente, de direcioná-lo ao local onde havia uma multidão, inclusive composta por policiais militares". Na época, os dois afirmaram que já se conheciam de outras manifestações e agiam juntos.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.