Em setembro, 49 suspeitos foram levados para a delegacia de Copacabana em um ônibusReprodução / Redes sociais

Rio - A Justiça do Rio proibiu a apreensão de adolescentes durante a "Operação Verão", a menos que seja em flagrante ou que haja mandado. A decisão atendeu uma ação civil pública do Ministério Público do Rio (MPRJ). O Governo do Estado, no entanto, já anunciou que irá recorrer. As ações nas orlas começaram em setembro deste ano. Desde então, o policiamento está reforçado e suspeitos são abordados e levados para a delegacia.
Assinada pela juíza Lysia Maria Mesquita, titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital, na última segunda-feira (11), a decisão diz que a "Operação Verão, em que pese ter por fim garantir a todos, cariocas ou não, segurança no local de maior lazer, acabou por violar direitos individuais e coletivos de crianças e adolescentes de uma camada específica de nossa sociedade."
“Verifica-se pelos relatórios encaminhados pelas centrais de recepção de adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade, que adolescentes foram impedidos de ir à praia ao serem interceptados antes da chegada; outros foram recolhidos ao chegar na praia levados para identificação e sarqueamento, e lá permaneceram até a chegada do responsável; em alguns casos a criança estava acompanhada do responsável e ainda assim foi recolhida. (...) Os adolescentes e crianças não estavam em flagrante delito, não possuíam mandado de busca e apreensão em seu desfavor, muito menos estavam em situação de abandono, ou risco social”, apontou.
A magistrada ainda determinou que prefeitura e estado "se abstenham de apreender e conduzir adolescentes a delegacias ou a serviços de acolhimento, senão em hipótese de flagrante de ato infracional, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária." Lysia Mesquita impôs multa de R$ 5 mil por criança ou adolescente recolhido de forma ilegal.
 
Para Mesquita, não é correto combater a violência urbana violando direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“O Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro ao realizar recolhimento, sem flagrante, sem ordem judicial, divulgar imagens, nomes de crianças e adolescentes violam direitos fundamentais daqueles que devem, por imposição constitucional, proteger. Importante que o Estado e o Município do Rio de Janeiro se mobilizem para garantir a segurança de todos na praia e no acesso a ela, mas sem violar, direitos sem incentivar mais violência. Os moradores das periferias pardos e negros, crianças e adolescentes, devem ter garantido o seu direito de desfrutar das praias como todos os outros, cabendo ao Estado e Município assegurar o ir e vir seguro a todos”, declarou.

Em sua decisão, a juíza também determinou que Estado e Município do Rio não poderão apreender e conduzir crianças e adolescentes a serviços de acolhimentos, CRAS, CREAS e Conselhos Tutelares, sem que seja aplicável, no caso, medida protetiva de urgência prevista no ECA.
Em 52 páginas, a ação civil pública do MPRJ elencou diversos episódios, onde dezenas de adolescentes foram levados para a delegacia. No documento, fala-se sobre "desrespeito do direito de ir e vir dos adolescentes"; "abordagens indiscriminadas aos ônibus" e "absurdas abordagens". De acordo com a Justiça, Estado e Município terão o prazo de 10 dias para apresentarem, respectivamente, o Plano de Segurança Pública para repressão de adolescentes em conflito com a lei, e o Plano de Abordagem Social para o período do verão, que não violem os direitos de crianças e adolescentes.
Nas redes sociais, o governador Cláudio Castro comentou sobre a decisão. "Acato e respeito a decisão da Justiça que proibiu as polícias de trabalharem de forma preventiva na orla das praias. Vamos recorrer, porque a decisão está errada! O princípio fundamental da segurança pública é a prevenção, que foi sequestrada nesta decisão", afirmou.
O deputado Márcio Gualberto, presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) também se manifestou. "Pode ser até politicamente correta, ideologicamente perfeita e juridicamente possível, mas a decisão está afastada dos justíssimos anseios por segurança da população."
Ao DIA, Horácio Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana e vice-presidente do Conselho de Segurança de Copacabana e Leme, criticou a decisão da Justiça. "Agora, os policiais devem aguardar que haja um crime para que eles tomem alguma providência. Estamos neste limbo com esta decisão judicial, dizendo que a polícia não pode mais deter nenhum menor, se não em flagrante delito. Os batalhões têm que ficar escoltando os ônibus. Isso beira o ridículo", comentou Horácio.
Defensoria Pública e MPF pedem proteção à integridade de crianças e adolescentes
A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) enviaram, nesta sexta-feira (15), ofício ao secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, encaminhando a decisão da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, pedindo providências e manifestação no prazo de 10 dias.
"A busca pessoal apenas pode se dar com a fundada suspeita. Não é raro que a busca pessoal, a famosa ‘dura’, se dê sem qualquer respaldo fático e com viés racista. Mais ainda, a prisão de qualquer pessoa apenas deve ocorrer por ordem judicial ou flagrante de delito", destaca o defensor regional de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger, que assina o ofício pela DPU.
O que dizem especialistas?
Em conversa com O DIA, Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), destacou que a decisão da Justiça tem fundamento, porque práticas de forças policiais, como abordagens a ônibus, estariam influenciando no direito de ir e vir da população.
"Essa decisão de impedir apreensões sem um flagrante é perfeitamente razoável porque é uma violação do direito democrático de ir e vir, de apreender adolescentes sem que eles tenham feito nada. Essa já é uma prática comum normalmente nessa Operação Verão: interromper a passagem dos ônibus que estão em direção à praias com moradores do subúrbio, que tentam acessar democraticamente a praia, que é um espaço público e acessível a todos. Esses ônibus são parados e durante essas abordagens é comum que adolescentes sejam encaminhados para delegacia sem motivo algum, sem que eles tenham praticado qualquer irregularidade, às vezes sob o argumento de estarem sem documento. O que não é um argumento decente porque os menores de idade não são obrigados a portar documentos de identidade enquanto estão transitando pela cidade", explicou.
Grillo ainda completou que tais ações das forças policiais são arbitrárias e violam os direitos garantidos das pessoas pela Constituição.

"Vale lembrar que a maioria das pessoas que estão nos ônibus, que estão procurando acessar a praia, elas não estão indo para praticar crimes. São alguns grupos específicos de jovens que acabam, por um efeito de grupo, praticando arrastões e essas situações que a gente viu que são muito graves. É claro que a gente precisa achar uma política para lidar com essa questão, identificar esses jovens, compreender o que está acontecendo e evitar que aconteça. Agora, abordar os ônibus, cercear o direito de ir e vir dos moradores das periferias do Rio, cercear a possibilidade deles irem à praia, isso é uma violação do direito de ir e vir", completou.
Para o consultor em Segurança Pública, Vinicius Cavalcante, a determinação da Justiça atrapalha o trabalho de agentes de segurança que combatem e previnem crimes. O especialista afirmou que organizações criminosas costumam utilizar adolescentes e crianças, pois estes querem provar que podem fazer coisas importantes e querem ser respeitados. A decisão de ter apenas prisão em flagrante ou com mandado iria contra trabalhos de inteligência das polícias.
"Eu não acho que seja melhor. Muitas das vezes você consegue a fisionomia, a identificação positiva, por um dado de inteligência e um trabalho de investigação. Você obtém essa identificação a partir de uma ação de inteligência. Se você puder prender só quando o cara tiver agindo, e se não tiver ninguém na hora para prender? Como é que fica? A nossa sociedade precisa saber o que ela quer e o que é melhor para ela. Ficamos divagando em termos humanísticos, em termos pseudo-democráticos, só estamos construindo o pior para nós. Não queremos ser assaltados no final de semana", destacou.
Segundo Cavalcante, o direito de ir e vir de pessoas que estariam envolvidas em crimes não devem ser respeitados. "Se eu tenho informação que fulano de tal está perpetrando crimes, a qualquer tempo que eu ver ele na rua tenho que botar a mão nele. Eu tenho que respeitar o direito dele de perpetrar isso? Nós não vamos construir uma segurança melhor para nós e nossos familiares fazendo essas coisas. Se a gente tivesse um dado de inteligência e nós pudéssemos identificar aquele cara, ele ia ficar guardado. Nós estamos pensando e respeitando supostamente o direito do predador, que não respeita o direito das supostas presas. Eu não concordo com isso", finalizou.
Episódios de assaltos em Copacabana
No último dia 2, o empresário Marcelo Rubim Benchimol, de 67 anos, foi agredido e roubado por um grupo em Copacabana. Na ocasião, os menores iniciaram os roubos no Arpoador e foram até Copacabana. A vítima foi agredida ao tentar defender uma mulher de um ataque dos criminosos. Após levar o soco, Benchimol caiu desmaiado e teve os pertences roubados. Ao todo, o bando tinha, pelo menos, 11 pessoas. 
Já no último dia 8, um suspeito foi preso após assaltar um turista estrangeiro também na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. De acordo com a Polícia Militar, agentes do 19º BPM (Copacabana) foram acionados e montaram um cerco para localizar e prender o homem. Com ele, os policiais recuperaram um telefone celular, R$ 900 e um cartão de crédito.
O que diz os órgãos
Em nota, a Polícia Militar informou que Operação Verão teve início em setembro e acontece em todo o estado, empenhando equipes policiais de unidades operacionais. As orlas das praias estão sendo monitoradas por helicópteros e drones do Grupamento Aeromóvel (GAM), cujas imagens são transmitidas em tempo real para o carro-comando da corporação que fica baseado no Arpoador, na Zona Sul. 

Além disso, segundo a PM, no último dia 6 foi realizada uma reunião com representantes de todas as unidades operacionais do Centro e Zona Sul do 1º CPA (Comando de Policiamento de Área), integrantes da Secretaria de Governo do Estado e da Secretaria de Ordem Pública, da Prefeitura do Rio. Ao final da reunião, ficou estabelecido que, além da melhor distribuição do policiamento, haveria intensificação das abordagens.
A Prefeitura do Rio, por meio da Procuradoria do Município, disse que, após análise da decisão, vai apresentar recurso.
Procurado, o MPRJ destacou que a ACP ajuizada não tem por finalidade impedir a polícia de exercer seu papel, mas garantir que a atuação se dê de acordo com as normas convencionais, constitucionais e legais vigentes no Brasil.
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Raphael Perucci