PAR Carioca servirá como ponto de apoio para pessoas em situação de rua conseguirem cuidados de saúde, futura moradia e empregoPedro Ivo / Agência O Dia

Rio - A Prefeitura do Rio inaugurou, na tarde desta quinta-feira (21), o Ponto de Apoio na Rua (PAR) Carioca, espaço para atender a população em situação de rua, oferecendo serviços de integração e acolhimento com atividades de geração de renda. A área, localizada na Avenida Henrique Valadares, próximo à Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio, tem como objetivo ser o primeiro passo para a reinserção das pessoas na sociedade e no mercado de trabalho. A inauguração faz parte do programa 'Seguir em Frente', que também aborda a internação involuntária.
Para o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, a principal ideia do projeto é criar vínculos com as pessoas para tirá-las da situação de rua. Ele explicou ainda que o programa é dividido em cinco fases não lineares, que são elas: retirá-las das ruas, cuidar de sua saúde, conduzir para um emprego, conseguir uma moradia definitiva e combater a discriminação.
"Hoje a gente lança um programa que vai passar invisível para a maioria das pessoas. Muitas pessoas que olham pessoas em situação de rua e não conseguem ter empatia, não conseguem se identificar e se acham acima, achando que nunca ficarão naquela situação. Todos nós aqui tivemos histórias de vida dolorosas e imprevisíveis. Essa pessoa que está em situação de rua, na maioria das vezes, está por situações imprevisíveis, sem que tivesse outro caminho. A gente precisa ajudá-la a reconstruir o seu futuro, construir a sua história. Aqui é o espaço de criação de vínculo. Temos dez locais para a pessoa poder ficar esperando seu serviço. Para que (aqui) seja um ponto de apoio para as equipes de acolhimento, que nem sempre conseguem deixar nos abrigos. Aqui é para facilitar a nossa vida e para criar vínculos com a pessoa", destacou.
Soranz ainda mencionou a questão da internação involuntária em casos especiais, citando o exemplo de uma pessoa que estava caída no chão sem se mexer, que foi diagnosticada com trombose multirresistente.
"Existem pessoas em situação de risco extremo que a gente precisa cuidar. A gente teve um paciente que pra mim é muito emblemático. Ele estava colado no chão e as pessoas ignoravam. Ninguém encostava a mão, não paravam para ver se estava viva. Simplesmente, as pessoas transitavam na rua e ignoravam. Ela não tinha a menor condição de se manter naquela situação. Se a gente não estruturasse o cuidado, aquela pessoa ia morrer. Hoje, esse paciente está lá na Fiocruz tratando a trombose multiresistente e pode tomar a decisão se quer continuar o tratamento com a dependência química. Eu não posso ignorar a pessoa que está em uma situação crítica", complementou.
O PAR Carioca vai funcionar 24 horas de portas abertas, contando com consultórios médicos e atendimento na assistência social. As pessoas também vão ter acesso a banheiros com chuveiros para banho, barbeiro, lavanderia, armários com cadeado, barbeiro, distribuição de kits de higiene e vestuário, ações de prevenção em saúde e de saúde mental, auxílio para emissão de documentos, atendimento veterinário para os animais com microchipagem e vacinação.
Segundo o subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde do Rio, Renato Cony, a ideia do espaço é que as pessoas em situação de rua aproveitem os serviços para, em seguida, receber abrigo em unidades do município.
"A ideia é que aqui vai ser 24h de portas abertas. Eles podem vir e a gente vai ter várias equipes na cidade trazendo o pessoal para cá o dia inteiro. Além disso, tem lugar para beber água, para fazer refeição, para cortar o cabelo, para guardar os pertences. A nossa ideia não é que a pessoa fique aqui por muito tempo. A gente quer que ela fique abrigada. Toda ciência em cima da população em situação de rua leva em conta 'housing first'. Primeiro, a gente coloca a pessoa dentro de uma casa, dentro de um abrigo, e depois a gente resolve sobre emprego. Ela tem que ter onde morar. Aqui, é o primeiro ponto de contato para a gente acolher essa pessoa e ela se sentir bem quista, estando com a gente da prefeitura, e daqui a gente leva para um abrigamento", contou.
Ainda segundo o subsecretário, após receber abrigo, elas poderão ter acesso a cursos profissionalizantes para voltar ao mercado de trabalho. "Se ela não tiver nenhum tipo de qualificação, ela vai fazer trabalhos de baixa exigência, se ela quiser. Ela vai receber uma diária por isso. Se ela tiver vontade de aprender, nós vamos pagar uma bolsa para um curso profissionalizante. E se ela fizer, será reinserida no mercado de trabalho", complementou.
A prefeitura informou que em um primeiro momento, as pessoas em situação de rua serão ocupadas em trabalhos de interesse público oferecidos, pelo qual receberão uma remuneração proporcional às horas de execução das atividades. A proposta é que, com a documentação em dia, o cuidado de saúde e saúde mental e as novas ocupações aprendidas elas possam posteriormente ser encaminhadas para o trabalho formal, para a inserção produtiva por meio do empreendedorismo ou integradas em programas estaduais ou federais de emprego, criando assim condições para se manterem com autonomia e reintegradas à sociedade.
Alberto Szafran, subprefeito do Centro, destacou a importância da implementação do projeto ser no centro da cidade. "A gente está no centro da cidade do Rio de Janeiro interconectado com todos os modais de transportes que a gente tem no estado, com facilidade de equipamentos de saúde, de cultura, com a possibilidade de reinserir essas pessoas no convívio social. É muito importante que essas pessoas tenham a luz que a gente joga no centro da cidade. Não queremos escantear essas pessoas e marginalizar mais do que elas já são. A gente quer colocar como um problema de saúde pública e ter o tratamento das políticas públicas. O que acontece no centro da cidade do Rio repercute no Brasil inteiro desde 1565. O que a gente quer é que esse programa seja replicado no Brasil inteiro. Eu não tenho dúvida da importância da implementação dessa política pública a partir do centro do Rio", ressaltou.
Ana Lúcia, que já morou na rua, relembrou como foi difícil esse período em sua vida. "Era muito ruim por passar muito frio e muitas vezes não ter o comer. Era difícil passar pessoas oferecendo comida". Há quatro meses ela alugou um quartinho no Centro do Rio após conseguir o Bolsa Família.
Mais dois equipamentos
Os outros dois equipamentos ainda a serem inaugurados serão em Cascadura, na Zona Norte do Rio. A Residência e Unidade de Acolhimento (RUA) Sonho Meu fica em um complexo de oito prédios com dormitórios, banheiros, lavanderia, armários com cadeados e refeitório e será a primeira unidade de acolhimento de um cronograma de outras que a SMS planeja abrir. As pessoas que foram atendidas no PAR serão encaminhadas para o espaço. 
De acordo com a prefeitura, o local será um centro médico com equipes multiprofissionais e oferta de cuidados, atividades físicas, de lazer e culturais, programas de capacitação ocupacional e geração de trabalho e renda, apoio para inclusão em programas de educação para adultos, distribuição de kits de higiene e vestuário. O complexo terá horta comunitária e áreas abertas de convivência, sala de informática, serviço para emissão de documentos, atendimento veterinário para os animais de estimação.
Integrado à RUA Sonho Meu funcionará o Centro de Atenção Psicossocial - álcool e outras drogas (CAPSad) Dona Ivone Lara, com funcionamento 24 horas e especializado no atendimento de transtornos psíquicos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. Esse será o 36º CAPS da cidade, oitavo voltado especialmente ao tratamento de pessoas com dependência química. A unidade dará assistência prioritariamente às pessoas acolhidas na RUA Sonho Meu, mas poderá também atender outros pacientes da região. O CAPSad III Dona Ivone Lara terá 10 leitos para acolhimento noturno dos pacientes que precisam de um tratamento mais próximo e intensivo.
Números da população de rua
Segundo o censo da população em situação de rua, realizado em 2022 pela Secretaria Municipal de Assistência Social, o Rio tem 7,8 mil pessoas vivendo nas ruas da cidade, em mais de 1,6 mil pontos mapeados, sendo 109 cenas de uso de drogas. A grande maioria, 82%, era de homens. Quase 40% eram originários de outros municípios ou estados. Mais de 75% revelaram ter dormido nas ruas todos os dias no mês anterior e apenas 19% já haviam dormido em um abrigo público. Mais da metade já havia dormido em abrigos, mas voltou para as ruas. Perguntados sobre o que precisavam para sair da situação de rua, 41,2% responderam 'emprego'.