Nina Lopes em meio a brincadeiras com amigosLorena Salum

Rio - Com muitas cores e movimentos, as telas, sem dúvida, têm recursos que prendem a atenção das crianças e são aliados dos pais para distrai-las em momentos livres, mas o uso excessivo prejudica o desenvolvimento integral dos pequenos e traz impactos a curto e longo prazo na vida deles.
Um estudo publicado neste ano, no The Journal of Pediatrics, da Califórnia, nos Estados Unidos, após acompanhar 356 meninos e meninas de 2 anos de idade, apontou como o uso de telas no início do desenvolvimento infantil afetam os mais novos nas chamadas funções executivas. Segundo o artigo, as crianças apresentam déficits nas habilidades de lembrar, planejar, prestar atenção e regular pensamentos e comportamentos. Além disso, a piora da capacidade de regular comportamentos e emoções, e o aumento do risco de desenvolver doença cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e diabetes, na vida adulta, são alguns dos prejuízos vindos com a falta de controle e limite no acesso a dispositivos eletrônicos.

Para além de complicações na visão e uma capacidade reduzida de atenção, psicólogos alertam que os pequenos também podem acabar não desenvolvendo de forma efetiva suas habilidades sociais e apresentar distúrbios do sono e até mesmo depressão se estiverem expostas às telas de forma prolongada.
Isso porque, por meio de celular, televisão ou tablet, a criança está consumindo conteúdos passivamente e abrindo mão de oportunidades valiosas de praticar outras atividades importantes, como estar em contato com a natureza, ler ou praticar exercícios físicos.

"O celular e os dispositivos eletrônicos entram como obstáculo de desenvolvimento saudável. O veículo de aprendizado da criança é a interação face a face. Se o tempo de tela reduz a brincadeira, a interação com outros adultos, o crescimento será prejudicado. Quanto mais jovem a criança, mais ela é dependente do adulto para se desenvolver", explica a psicóloga infantil Thalita Martigneno. "A criança descobre o mundo, adquire socialização e aprende palavras com a interação real, pois são nesses momentos que ela une a linguagem verbal com a não verbal e constrói percepção e vocabulário. Criança se desenvolve imitando expressão facial”, acrescenta.
Uma das estratégias da professora Thais Lopes, mãe de Nina, de três anos, para passar tempo com a pequena e mantê-la longe das telas, é promover atividades com movimentos em espaços ao ar livre. Ela costuma explorar lugares públicos com a pequena, como praças, orla da praia e parques naturais da cidade, para que Nina brinque e corra livremente no gramado. Quando precisam passar o dia em casa, as atividades lúdicas também são o recurso de Thais para matar o tempo: "Fazemos pintura, brincamos de quebra-cabeça, de dançar e lemos livros. Ela prefere brincar com companhia, o que demanda atenção constante, e ela gosta de estar junto mesmo quando preciso fazer outras coisas. Então, também costumo envolvê-la nas atividades da casa, porque ela tem muito interesse. Ela colabora com algo que queira quando estou cozinhando, costumamos fazer bolinhos e lavamos as louças. E eventualmente assistimos a um filme ou episódio de algo que ela goste na televisão, ou vamos ao cinema. É esse o contato que ela costuma ter com telas, já que ela ainda não tem acesso a jogos em celular ou tablet", conta. Como passeios demandam um custo alto, a família tem o hábito de ir ao teatro ver alguma produção infantil.
Atividades culturais fora de casa também são as escolhas da jornalista Fabiana Freitas para entreter a filha Isabela, de 10 anos, durante as férias escolares. A menina já tem o seu próprio celular, que herdou do pai, e divide um tablet com ele. Mas utiliza os aparelhos em último caso. Neste ano, a jornalista planeja inscrevê-la em uma colônia de férias em um clube perto de casa, mas exposições são o forte da família para passar o tempo sem dispositivos eletrônicos: "Na semana passada, fomos ver a mostra do Pequeno Príncipe, no Shopping Rio Sul, e ela ficou um tempo enorme sem tocar no celular, mais de 4h. Na verdade, quando vamos a exposições, ela nem o celular leva. Costumamos ir nas gratuitas, vamos de ônibus, porque ela gosta, e depois fazemos algum lanche na rua. São ótimos momentos entre mãe e filha, em que a Isabela se diverte sem lembrar do celular. Quando ela acessa, é porque não tem outra atividade para fazer".
É preciso limitar tempo de acesso
Em um mundo cercado pela tecnologia, é difícil para os pais proibirem as crianças mais velhas de terem contato com telas. A saída é limitar o período de acesso. O tempo ideal para o uso das telas pelas crianças varia de acordo com a idade. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que, até os dois anos de idade, as crianças não devem ter nenhum acesso a telas, para evitar prejuízos no desenvolvimento de habilidades sociais e de linguagem. Já entre dois e cinco, a recomendação é de, no máximo, uma hora de uso por dia com a supervisão de um adulto. Dos seis aos dez anos, o limite é de duas horas por dia, sempre com supervisão. Entre 11 e 18 anos, máximo de duas a três horas por dia, considerando telas e videogames, e também sempre com supervisão. Os pais não devem permitir que o adolescente passe a madrugada jogando.
"A tela ocupa o espaço das brincadeiras, e a criança acaba perdendo a percepção do próprio corpo, e prejudica a capacidade motora dela. Já as crianças maiores, de seis a doze anos, têm prejuízos na sociabilidade e no controle do impulso. Isso acontece porque tudo no digital tem resposta rápida, livrando a criança de passar por frustrações e, assim, impedindo-a de construir paciência e persistência. No mundo digital, a velocidade é maior do que no mundo real e traz gratificação o tempo todo. Por isso, acarreta prejuízos no controle dos impulsos e dos desejos, e também na tolerância às frustrações", afirma Thalita.
O maior desafio dos pais é limitar o tempo de uso. A professora Marianna Alencar admite que é impossível fugir totalmente das telas com o seu filho Francisco, que está prestes a completar oito anos. Porém, ela conta que o segredo é participar do interesse do menino por jogos virtuais: "Jogos de celular e videogame fazem parte do cotidiano do Francisco, os amiguinhos na escola falam de jogos. Então o jogo acaba sendo uma forma de ele se conectar com o pai e comigo. Jogamos juntos, conversamos sobre jogos e ele nos mostra o interesse dele”, diz. "Sempre digo que combinados têm que ser seguidos, e mesmo que no início tenha sido complicado ele entender que tem hora para largar o celular, hoje nos damos melhor em relação a isso. No geral, acho que quanto mais tempo ele passa em frente às telas, mais difícil é regular o uso no dia seguinte".
A saída é oferecer aos filhos outras opções de brincadeiras, lazer e interação, diversificando os estímulos com os quais a criança tem contato.
As rotinas também ajudam a manter o controle no uso dos eletrônicos. Chiara, de três anos, vai todas as manhãs para a praça perto de casa, onde encontra os mesmos amiguinhos. Eles também fazem piquenique nos playgrounds dos prédios uns dos outros, uma maneira de passar o tempo. Em casa, a estratégica de sua mãe, a psicóloga Cláudia Puntel para entretê-la, é quebra-cabeça, brincadeira de esconde e esconde, cozinha e boneca, as preferidas da menina: "Eu gosto de brincar com ela. Comprei para ela um livro de atividades da Barbie, com mais de 300 propostas diferentes, então ela demora para enjoar. Eu também gosto de pintar e fazer essas atividades com ela. Cada página é uma atividade diferente, então são estímulos diferentes”, diz Cláudia.
A psicóloga reconhece que, mesmo com estas distrações, é difícil tirar Chiara de frente da televisão quando está assistindo a algum desenho: "É como abstinência de drogas pesadas", brinca. "Mas aí vou negociando, dando mais cinco minutos ou esperando o desenho acabar. E aí ela vaia para o play do prédio ou para pracinha. Ajuda quando falo que ela vai encontrar as amigas. O social dá uma ajudada, mas às vezes ela vai embora chorando”, conta. Como psicóloga, Cláudia explica que o engajamento social é uma estratégia para virar a chave da filha quando ela está muito chateada por não poder assistir à televisão: "Enquanto seres humanos, temos as ativações simpática e parassimpática do sistema nervoso. A simpática é a ativação da luta e da confusão, e o que diminui esta ativação é sempre algo ligado a relaxamento, como atividades de respiração, meditação ou um banho. Colo, carinho e coisas ligadas a vínculo também funcionam. Por isso, quando Chiara está muito agitada e estressada quando a tiro da frente da televisão, peço para fazer ligação de vídeo com as amigas para ajudá-la a se acalmar", diz Cláudia.
As interações reais com outras crianças também são a tática de Marianna Rodrigues para manter a filha Maria Luisa, de 10 anos, entretida. A enfermeira sempre busca ter alguma companhia em casa para a Malu, como primas e amigas: "Como ela é filha única, é ótimo ter uma amiga para brincar. Nós também passamos muito tempo juntas em parques e lugares abertos. Malu ama passear com a sua cachorra, então pelas manhãs saímos com ela, e Malu se diverte muito subindo em árvores, correndo e brincando com outros cachorros nas praças", diz Marianna. A família criou a gincana dos livros: a cada livro que Malu ler, ela escolhe algo, como, por exemplo, o que comer no jantar ou onde ir no fim de semana. "Claro que Malu acaba usando aparelhos eletrônicos, mas ela gosta mais de televisão do que de celulares e tablets. Então, procuro assistir a um filme em família, fazemos pipocas e transformamos em uma noite de cinema".
Da mesma maneira para criar vínculo e afetividade com a filha, a empresária Heloísa Pinzon passa as manhãs em interação com a menina de três anos em atividades lúdicas, sem nenhum uso de tecnologia. Nas palavras dela, Sofia acha que a televisão de casa só serve para transmitir os jogos do Flamengo, que é o único programa a que a família assiste perto da criança. E só começaram depois que Sofia já tinha completado dois anos. Em vez de oferecer televisão ou celular, Heloísa aproveita a curiosidade da infância e envolve a filha em tarefas como a preparação do café da manhã. A menina ajuda a colocar o jogo americano na mesa, a pegar as frutas e fazer as vitaminas. Sofia também auxilia nos cuidados com o irmão Mateo, de seis meses.
Assim como Cláudia, Heloísa comprou um livro de atividades para Sofia, mas com o tema de Natal, uma espécie de calendário do advento. Até 25 de dezembro, há projetos para serem feitos todos os dias, que demandam recortar, colar e recolher materiais na rua, como folhas e gravetos. A feira livre do bairro também é uma atividade que a menina gosta. A mãe aproveita para falar de verduras e legumes, e em casa preparam juntas alguma refeição, Sofia com uma faca sem ponta e utilizando uma torre de aprendizagem para ficar na altura da bancada da cozinha. Essa atividade ajuda a diminuir a seletividade alimentar da criança e faz com que ela não fique entediada.
Mas nem tudo é um mar de rosas. As mães reclamam da exaustão provocada pela dedicação de tempo e energia a entreter as crianças fora das telas, porém insistem na educação com atividades lúdicas e ao ar livre por entenderem que é o melhor para o desenvolvimento dos pequenos. "Toda essa rotina de atividades diárias demanda muita dedicação e energia, e nem sempre as coisas acontecem como idealizei, então preciso equilibrar muitos pratinhos, especialmente durante as férias", Thais gosta de frisar. "Procuro proporcionar essas atividades com a Nina no dia a dia para ter margem para os dias em que as coisas saem do planejado. Muitas vezes, eu brinco com a Nina cansada, com certo esforço, porque acredito que a relação com as telas deve ser de tranquilidade, como mais uma opção de coisas a serem feitas, e não como a primeira ou única opção. Assim, quando as coisas apertam e ver um filme parece ser algo que pode ajudar, conseguimos fazer sem culpa, sabendo que ela não está deixando de se movimentar e brincar. Eu estou tentando equilibrar os pratinhos e fazer o melhor que dá, me dedicando muito por acreditar na importância dos primeiros anos de vida, mas abraçando a imperfeição no dia a dia".
Heloísa confessa que em algumas situações gostaria que Sofia assistisse à televisão, como em viagens de avião, mas ela e o marido persistem em outras atividades para a menina ter uma educação menos tecnológica: "Como pais, dá muito trabalho entreter uma criança e propor atividades novas, pois o tempo de concentração deles é muito curto, então, ao começarem uma brincadeira, já querem outra. Porém, sabemos que faz mais sentido desta forma pelo tipo de educação que queremos dar Sofia, não privando-a de conversar, socializar ou falar sobre o que está comendo, quando fazemos as refeições juntos".

Equilíbrio
Para Thalita, um bom ponto de partida para os pais acompanharem o uso das telas pelos filhos, para que seja saudável e não excessivo, é assumir que é fundamental fazer este controle. As crianças e adolescentes ainda não têm o cérebro maduro e, por isso, não construíram a habilidade de autocontrole. Então, os pais precisam monitorar e orientar os filhos, na busca do equilíbrio: "Não precisamos tornar a tela um vilão, mas podemos controlar o conteúdo acessado, para que seja apropriado. Os pais precisam entender que não podem deixar esse uso consciente para as crianças e adolescentes, pois eles ainda não estão maduros para isso", afirma.
Segundo a psicóloga, é importante que os pais não se afastem durante o uso dos dispositivos pelas crianças, para que tenham conhecimento do ambiente em que os filhos se expõem. Eles também precisam limitar tempo: "A dica é criar horários e zonas da casa onde os dispositivos eletrônicos não são permitidos, como na mesa durante as refeições, por exemplo, para que se crie ali um espaço de diálogo e interação. Outra ideia é recolher os aparelhos em um momento da noite e, assim, a família se desconectar e passar um tempo de qualidade juntos", complementa.
"Os pais presenteiam a criança com um dispositivo eletrônico e ela usa como quiser porque é dela. Mas quando eles entregam um celular para uma criança, pré-adolescente ou adolescente, eles os deixam em risco de uma abordagem de pedofilia e de conteúdos impróprios ou não construtivos. Isso é uma forma de negligência. As famílias devem estabelecer regras de uso e devem supervisar. Existe uma linha muito tênue entre entregar autonomia para a criança e não ter uma supervisão responsável do conteúdo que ela consome", finaliza.

Dicas de brincadeiras divertidas
Para ajudar os pais e responsáveis a manterem as crianças longe das telas, a pedagoga Mariana Freitas sugere brincadeiras divertidas que podem ser feitas dentro de casa e entretêm dos pequenos aos mais velhos.
"É importante durante esse período mais ocioso de férias, as famílias aproveitarem o momento para estreitar os laços com seus filhos. Além disso, ofertar atividades que ajudam a estimular o desenvolvimento intelectual e cognitivo da criança, como brincadeiras lúcidas ao ar livre, jogos de tabuleiros que incentivam habilidades sociais, estratégia e resolução de problemas. Peças de teatro, dança, leitura, construção de blocos também são bem-vindos", afirma.
Ela esclarece que atividades lúdicas são aquelas que têm caráter recreativo, divertido e que estimulam a participação ativa, o aprendizado e o desenvolvimento. A interação com o outro traz aprendizados valiosos para os pequenos, pois, além de contribuir para a ampliação das habilidades socioemocionais, também ajuda a criar vínculos e afetividade.
Pintura, massinha caseira, amarelinha, esconde-esconde, canto, dança, contação de histórias, dramatizações, palavras-cruzadas, caça-palavras e jogos de tabuleiros são brincadeiras recomendadas ao ar livre ou em casa.
Com controle, a tela não precisa ser vilã
Para Thalita, um bom ponto de partida para os pais acompanharem o uso das telas pelos filhos, para que seja saudável e não excessivo, é assumir que é fundamental fazer controle de tempo e conteúdo. As crianças e adolescentes ainda não têm o cérebro maduro e, por isso, não construíram a habilidade de autocontrole. Então, os pais precisam monitorar e orientar os filhos na busca de equilíbrio: "Não precisamos tornar a tela um vilão, mas podemos controlar o conteúdo acessado, para que seja apropriado. Os pais precisam entender que não podem deixar esse uso consciente para as crianças e adolescentes", afirma.
Segundo a psicóloga, é importante que os pais não se afastem durante o uso dos dispositivos pelas crianças, para que tenham conhecimento do ambiente em que os filhos se expõem. Eles também precisam limitar tempo: "A dica é criar horários e zonas da casa onde os dispositivos eletrônicos não são permitidos, como na mesa durante as refeições, por exemplo, para que se crie ali um espaço de diálogo e interação. Outra ideia é recolher os aparelhos em um momento da noite e, assim, a família se desconectar e passar um tempo de qualidade juntos", complementa.
Dicas de entretenimento para estreitar os laços
Para ajudar os pais e responsáveis a manterem as crianças longe das telas, a pedagoga Mariana Freitas sugere brincadeiras divertidas que entretêm dos pequenos aos mais velhos.
"É importante durante esse período ocioso de férias, as famílias aproveitarem para estreitar os laços com seus filhos, com atividades que ajudam a estimular o desenvolvimento intelectual e cognitivo da criança, como brincadeiras lúdicas ao ar livre, jogos de tabuleiros que incentivam habilidades sociais, estratégia e resolução de problemas. Peças de teatro, dança, leitura e construção de blocos também são bem-vindos", afirma.
Ela esclarece que atividades lúdicas são aquelas que têm caráter recreativo, divertido e que estimulam a participação ativa. A interação com o outro traz aprendizados valiosos, pois, além de contribuir para a ampliação das habilidades socioemocionais, também ajuda a criar vínculos e afetividade.
Pintura, massinha caseira, amarelinha, esconde-esconde, canto, dança, contação de histórias, dramatizações, palavras-cruzadas e caça-palavras são brincadeiras recomendadas ao ar livre ou em casa.