Rio - É o abacaxi que tem a fama de ser o rei das frutas. Mas a G.R.E.S Mocidade Independente de Padre Miguel fez o caju ser hit. Com o título "Pede caju que dou... Pé de caju que dá!", a escola apresenta o samba-enredo 2024 com o fruto sendo protagonista de brasilidade, tropicalismo e suculência e, durante o Réveillon, ficou no topo da playlist "Viral Rio de Janeiro BR", do Spotify, maior plataforma de música do mundo, ficando à frente de nomes do funk, como MC Cabelinho e DJ Allan Fialho.
A fruta nativa do Brasil cumpre a função do desejo da escola de resgatar os carnavais dos anos 1980 e 90, cujos enredos eram leves, irreverentes e mais fáceis que os atuais. Ela é a dona da narrativa, lambuzando com o seu puro suco de Brasil todos os detalhes do samba-enredo e do desfile da Mocidade.
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"Hoje, o brasileiro está reconhecendo o caju como nosso, como uma fruta tão saborosa e instigante, e que a Mocidade agora vai revelar, com a sua batida mais quente, com a sua alegria e seu sabor genuíno, o que é ser brasileiro através dessa apoteose brasileira. É até um pouco de ufanismo naquilo que a gente precisa ser e enxergar o que somos e o que faz parte da história do Brasil", conta Marcus Ferreira, o carnavalesco da Mocidade de Padre Miguel.
A ideia de contar sobre o caju surgiu em um dia de praia, enquanto Marcus lia, na areia, sobre o tema que a Mocidade havia escolhido para 2024. Ao passar um vendedor de castanha-de-caju vestido de branco e verde, como um árabe, o carnavalesco ficou curioso e parou o rapaz, que lhe contou de onde a castanha vinha e qual era o processo para chegar até ali. No mesmo instante, ainda nas areias da Praia de Copacabana, Marcus pesquisou sobre a iguaria nacional e lhe veio o estalo do tema para o samba:
"É uma fruta nossa e uma fruta controversa, não é? Subversiva. Ela nasce de cabeça para baixo e a fruta, em si, não é a polpa, é a castanha. Nem todo mundo gosta do caju enquanto doçura, enquanto cica, mas ele é o sabor que simboliza o Brasil e é também a fruta que está representando este verão", conta Marcus.
O carnavalesco conversou com a diretoria da Mocidade e, juntos, decidiram trocar o enredo do samba. Contar a história da fruta era também uma maneira de reapresentar a Tropicália, movimento artístico da segunda metade da década de 1960, uma das vertentes dos carnavais da história da Mocidade (chegou a ser tema do samba-enredo da escola, em 1980). Neste ano de 2024, a agremiação retrata a Tropicália através da música Cajuína, escrita por Caetano Veloso inspirada no seu amigo Torquato Neto, poeta piauiense e um dos fundadores da Tropicália, que morreu cedo, aos 28 anos. Caetano conhecia bem o valor sentimental que a fruta tinha para Torquato.
"A música Cajuína inventa esse início de nos perguntarmos o que, genuinamente, nós somos enquanto brasileiros, o que pode nos representar. E então, no desfile, colocamos esculturas dos tropicalistas experimentando o sabor do caju, com o colorido pertinente da Tropicália", revela.
Fábio Fabato, enredista historiador da Mocidade, responsável por construir a sinopse que conta a história do enredo, conta que fez uma investigação profunda a partir do caju: "Quisemos fazer uma declaração de amor ao caju, que envolveu pesquisa cultural, modernista e antropofágica. O fruto foi escolhido para homenagear o Brasil pois, além de nativo, é muito sensual, tropical e abstrato".
O enredo é dividido em cinco momentos em que a Mocidade prova que é verdade que o caju é exuberante e merecedor de todo o frisson.
No primeiro momento, vem a representação da Tropicália através da música Cajuína. O momento seguinte é dedicado a contar a história do caju. "Oficial ou não, porque ele está presente desde que o Brasil não existia", diz Marcus. "Os indígenas tinham uma apropriação muito grande sobre o cajueiro, uma espécie de baobá brasileiro. Então fala de como os cajueiros se espalharam pelo território brasileiro, a se iniciar pelo Nordeste", completa.
O terceiro momento refere-se à disputa dos dois maiores cajueiros do mundo, que são o cajueiro do Delta do Parnaíba, no Piauí, e o de Pirangi, na Praia de Pirangi do Norte, a 12 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte.
"Árvore é resiliente. É muito parecida com a história do brasileiro, porque ela reside em areia e brota de maneiras imaginárias. Então, um dos apelidos desses dois maiores cajueiros do mundo é polvo. Primeiro porque está na beira mar e porque os caules tocam a areia e brotam novamente. As colheitas desses dois cajueiros são numerosas a cada ano. Fazemos esse duelo, essa batalha entre esses dois maiores cajueiros, mas a Mocidade mostra que não importa, ele é brasileiro", diz o carnavalesco.
O quarto momento é uma referência às artes brasileiras que foram impregnadas pela cultura do caju, mostrando os artistas Tarsila do Amaral e o movimento modernista, que emplaca o caju como uma fruta subversiva, o xilogravador J. Borges, outro apaixonado pela fruta. O último setor é o caju no cotidiano do brasileiro.
O caju é pop
Muito em parte por conta de uma relação política complicada com a Prefeitura do Rio, as escolas de samba vinham se dedicando a temas sociais, mas com o alívio de tensões entre as partes, a Mocidade pôde se debruçar sob um assunto mais leve.
"Estamos muito animados, a Avenida veio abaixo, caiu com o ensaio técnico, todo mundo cantando junto. Então, a expectativa para o desfile é grande! Nos últimos 30 anos, sente-se um certo divórcio do Rio em relação ao samba. No final dos anos 80, era um fenômeno popular, as pessoas se presenteavam no Natal com LPs dos sambas-enredo do ano seguinte. Com o tempo, as escolas perderam a capacidade de atingir os mais novos. E agora, no atual contexto das plataformas de música, um samba-enredo ser a música mais ouvida na cidade do Rio é a prova de que o gênero segue vivo", afirma Fábio. Este é o quarto enredo que ele faz para a Mocidade.
Desde 2016, um samba não fazia tanto barulho junto ao povo, com a "A Ópera dos Malandros", da G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e de autoria de Francisco Aquino, Fred Camacho, Getúlio Coelho, Guinga, Marcelo Motta e Ricardo Fernandes. Antes deste, foi "A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo", do G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel de 2013, com Arlindo Cruz e Martinho da Vila entre os compositores. A viralização do samba-enredo é uma conquista do gênero e do Carnaval.
"Tínhamos um desejo de o 'Pede caju' ser popular. O Carnaval não pode deixar de tocar o povo. Nós podemos ter um samba-enredo fácil, entendível, inteligente, no sentido de ter conteúdo, e ainda ser simples. Não podemos perder o aspecto de que as escolas de samba são um veículo principalmente para a alegria. Eu acho que as escolas, ultimamente, têm se desprendido muito dessa alegria que o povo tanto precisa. A popularidade que as escolas tinham nas décadas de 1980 e 90 se perdeu um pouco. E esse ano a gente fez uma retomada por essa popularidade, essa simplicidade sofisticada. Eu vi um movimento muito feliz no Réveillon, as pessoas postando nas redes sociais o samba da Mocidade, pulando em casa, isso viralizou de uma maneira muito importante para todas as escolas de samba. Que a gente consiga atingir o novo público! Estamos bem felizes e empolgados por levar essa alegria, esse sabor possível que o caju está nos fornecendo o ano inteiro", diz Marcus.
O ator e humorista Marcelo Adnet, um dos compositores do samba-enredo, fez versões de funk e forró que estouraram a bolha do Carnaval e atingiram públicos diferentes, o que também é possível com uma letra fácil. Adnet irá desfilar de Jean Baptiste Debret, pintor francês que retratou caju em alguns de suas obras.
No último domingo (7), no ensaio técnico no Sambódromo, Zé Paulo Sierra, intérprete da Mocidade, percebeu o impacto do 'Pede caju' na Avenida: "As pessoas, super curiosas, olharam o samba, e as crianças cantaram junto, uma coisa linda! Isso é um termômetro que mostra que é de fácil acesso, que tem um vocabulário simples que conversa com todas as idades, tem um refrão principal que também é simples e cantado de forma natural, como se fosse parabéns. É a simplicidade do samba que leva a isso, e ainda é um samba inteligente, com palavras que não estão sempre no samba-enredo".
Zé conta que, desde o início, a ideia era fazer do enredo um hit, ter rebuliço em torno do samba. Com a meta atingida, as expectativas para o desfile são as melhores possíveis: "Sabemos da nossa responsabilidade, pois sabemos que é muito difícil chegar onde chegamos e nos manter neste padrão. O público do desfile é diferente, é um público, que muitas vezes não conhece a escola. Então, ela precisa ouvir o samba para cantar e chegar junto", afirma, destacando que o público dos ensaios técnicos, por serem de graça, é a comunidade, enquanto o público do desfile, por conta dos camarotes, é um povo mais distante do Carnaval.
"São públicos distintos, então temos que pensar em ações para o que estará no desfile, para atingirmos essa fatia. Uma das coisas mais legais de estar no viral é que esse público se interessa", afirmou.
"Infelizmente, o último Carnaval não foi um bom momento para a escola, mas agora estamos na expectativa de ganhar. O enredo do samba tem essa coisa de retrô, de voltar aos bons momentos vitoriosos da Mocidade. Imprimimos nossa identidade no samba, pois está no tempo de mostrarmos quem somos", diz Diego Nicolau, um dos compositores do 'Pede caju'.
A Mocidade Independente de Padre Miguel vai abrir os desfiles na segunda-feira do Grupo Especial, dia 12 de fevereiro.
Tema leve e popular
Muito em parte por conta de uma relação política complicada com a Prefeitura do Rio, as escolas de samba vinham se dedicando a temas sociais, mas com o alívio de tensões entre as partes, a Mocidade pôde se debruçar sob um assunto mais leve.
"Estamos muito animados, a Avenida veio abaixo, caiu com o ensaio técnico, todo mundo cantando junto. Então, a expectativa para o desfile é grande! Nos últimos 30 anos, sente-se um certo divórcio do Rio em relação ao samba. No final dos anos 80, era um fenômeno popular, as pessoas se presenteavam no Natal com LPs dos sambas-enredo do ano seguinte. Com o tempo, as escolas perderam a capacidade de atingir os mais novos. E agora, no atual contexto das plataformas de música, um samba-enredo ser a música mais ouvida na cidade do Rio é a prova de que o gênero segue vivo", afirma Fábio.
A viralização foi uma conquista para o gênero e para o Carnaval.
"Tínhamos um desejo de o 'Pede caju' ser popular. O Carnaval não pode deixar de tocar o povo. Nós podemos ter um samba-enredo fácil, entendível, inteligente, no sentido de ter conteúdo, e ainda ser simples. Não podemos perder o aspecto de que as escolas de samba são um veículo principalmente para a alegria. Eu acho que as escolas, ultimamente, têm se desprendido muito dessa alegria que o povo tanto precisa. A popularidade que as escolas tinham nas décadas de 1980 se perdeu. E esse ano a gente fez uma retomada por essa popularidade, essa simplicidade sofisticada".
Eu vi um movimento muito feliz no Réveillon, as pessoas postando nas redes sociais o samba da Mocidade, pulando em casa, isso viralizou de uma maneira muito importante para todas as escolas de samba. Que a gente consiga atingir o novo público! Estamos bem felizes e empolgados por levar essa alegria, esse sabor possível que o caju está nos fornecendo o ano inteiro", diz Marcus.
O ator e humorista Marcelo Adnet, um dos compositores do samba-enredo, fez versões de funk e forró que estouraram a bolha do Carnaval e atingiram públicos diferentes, o que também é possível com uma letra fácil. Adnet irá desfilar de Jean Baptiste Debret, pintor francês que retratou caju em alguns de suas obras.
No último domingo (7), no ensaio técnico no Sambódromo, Zé Paulo Sierra, intérprete da Mocidade, percebeu o impacto do 'Pede caju' na Avenida: "As pessoas, super curiosas, olharam o samba, e as crianças cantaram junto, uma coisa linda! Isso é um termômetro que mostra que é de fácil acesso, que tem um vocabulário simples que conversa com todas as idades, tem um refrão principal que também é simples e cantado de forma natural, como se fosse parabéns. É a simplicidade do samba que leva a isso, e ainda é um samba inteligente, com palavras que não estão sempre no samba-enredo".
Zé conta que, desde o início, a ideia era fazer do enredo um hit, ter rebuliço em torno do samba. Com a meta atingida, as expectativas para o desfile são as melhores possíveis: "Sabemos da nossa responsabilidade, pois sabemos que é muito difícil chegar onde chegamos e nos manter neste padrão. O público do desfile é diferente, é um público, que muitas vezes não conhece a escola. Então, ela precisa ouvir o samba para cantar e chegar junto", afirma, destacando que o público dos ensaios técnicos, por serem de graça, é a comunidade, enquanto o público do desfile, por conta dos camarotes, é um povo mais distante do Carnaval.
"São públicos distintos, então temos que pensar em ações para o que estará no desfile, para atingirmos essa fatia. Uma das coisas mais legais de estar no viral é que esse público se interessa", afirmou.
"Infelizmente, o último Carnaval não foi um bom momento para a escola, mas agora estamos na expectativa de ganhar. O enredo do samba tem essa coisa de retrô, de voltar aos bons momentos vitoriosos da Mocidade. Imprimimos nossa identidade no samba, pois está no tempo de mostrarmos quem somos", diz Diego Nicolau, um dos compositores do 'Pede caju'.
A Mocidade Independente de Padre Miguel vai abrir os desfiles na segunda-feira do Grupo Especial, dia 12 de fevereiro.
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