Casa na Baixada Fluminense ficaram destruídas por causa da forte chuva que atingiu o estado do RioArmando Paiva/Agência O Dia
'Racismo ambiental': entenda o termo usado por ministra para se referir às tragédias das chuvas no Rio
Especialistas explicam o conceito e analisam que os grupos mais afetados pela tragédia são de baixa renda e negros
Rio - As fortes chuvas que atingiram o estado do Rio de Janeiro no último fim de semana levou destruição a municípios da Baixada Fluminense e na Zona Norte da capital, além de deixar 12 mortos. A tragédia atingiu, principalmente, famílias de baixa renda, negras e que moram próximas a locais sem infraestrutura adequada, como rios e lixões. Ao comentar sobre o ocorrido, a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, atribuiu o cenário desastroso aos 'efeitos do racismo ambiental'.
Assim que a publicação foi feita, na noite de domingo (14), comentários dizendo que os fenômenos naturais estariam sendo colocados como racistas reverberaram nas redes sociais, como forma de ironizar o termo. Em resposta, a ministra explicou que a expressão se refere às vulnerabilidades nos territórios onde residem determinados grupos, em sua maioria negros e pessoas de baixa renda.
"Quando a gente olha os bairros e municípios que foram mais atingidos, a gente vê algo que eles todos têm em comum, que são áreas mais vulneráveis. Qual é a cor da maioria das pessoas que vivem nesses lugares?", indagou a ministra em suas redes sociais. "Isso acontece porque uma parte da cidade, do estado, não tem a mesma condição de moradia, de saneamento, de estrutura urbana do que a outra. Também não é natural que esses lugares tenham ali a maioria da sua população negra. Isso faz parte do que a gente chama e define de racismo ambiental e os seus efeitos nas grandes cidades", disse.
Especialistas entrevistados pelo DIA explicam que o racismo ambiental acontece com pessoas que têm menos condições financeiras e expõe desproporcionalmente aos impactos ambientais. No entanto, ressaltam que apesar da relevância do termo para os pesquisadores e das discussões em torno dele, o conceito de racismo ambiental ainda ainda não é reconhecido.
Myanna Lahsen, antropóloga e pesquisadora da Divisão de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica o conceito de racismo ambiental e aponta que a falta de leis, ou a não fiscalização das leis já existentes, contribuem para o avanço da discriminação.
"Estamos falando de pessoas que não têm condições de estar em lugares seguros por falta de leis, ou a fiscalização das leis que existem. Esse grupo é forçado a morar em lugares inseguros, onde entra corrupção, onde há falta de envolvimento e planejamento do governo. Além disso, as milícias negociam com poderes locais, vendem terras que estão sujeitas a deslizamentos e enchentes", diz.
A doutora em Geografia Física na Universidade de São Paulo (USP), Laís Coêlho, reforça que as comunidades mais afetadas pelos desastres climáticos enfrentam não apenas a carga desproporcional de danos ambientais, mas também a falta de acesso equitativo aos benefícios ambientais. "Frequentemente essas comunidades encontram-se em moradias localizadas em regiões inadequadas, como às margens de rios ou encostas, expondo-se a diversos riscos ambientais associados a essas condições. Além disso, enfrentam outros desafios significativos, como a carência de saneamento básico, o que contribui para agravar os impactos dessas situações adversas. Essas áreas periféricas também estão propensas à exposição a fatores de contaminação do solo e da água, agravando ainda mais as condições de vida dessas populações vulneráveis", afirma Laís.
O maior número de mortes foi registrado em municípios da Baixada Fluminense, com oito óbitos. As cidades em questão estão próximas dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí, que cortam as cidades de São João de Meriti, Belford Roxo, Nova Iguaçu, Mesquita e Duque de Caxias. "A população que reside em áreas de risco ambiental, em sua maioria, pertence a grupos de menor renda. Isso os coloca em uma posição vulnerável, onde enfrentam as injustiças ambientais de forma mais acentuada, suportando apenas as consequências negativas da situação. Além disso, muitas vezes, essas comunidades são excluídas dos processos de participação política, intensificando ainda mais a desigualdade", analisa a especialista da USP.
Combate ao racismo ambiental
A pesquisadora do Inpe diz que o Rio de Janeiro, assim como outras partes do Brasil, sofrem com a ausência de regularização, drenagem e contenção de deslizamentos. A solução, segundo ela, não será colocada em prática de um dia para o outro. "É preciso ter envolvimento público nas tomadas de decisões, tem que estar muito por dentro das realidades. A participação de pessoas que moram nesses lugares é fundamental. Além disso, é preciso estudo para saber onde colocar o lixo perigoso, tóxico".
Laís Coêlho também ressalta que para combater o racismo ambiental é necessário adotar uma abordagem abrangente, incluindo iniciativas educacionais nas comunidades: "A promoção da educação ambiental surge como uma ferramenta essencial, capacitando as pessoas a enfrentarem práticas discriminatórias e a compreenderem a importância da equidade ambiental. Além disso, o governo desempenha um papel central na mitigação dessas disparidades".
Coêlho fala, ainda, sobre a necessidade de implementação de políticas públicas eficazes para garantir, no mínimo, a redução e proteção contra danos em áreas já impactadas. "Essas políticas devem visar não apenas a distribuição equitativa de recursos e benefícios ambientais, mas também a prevenção de práticas que contribuem para o racismo ambiental", finaliza.
Em setembro do ano passado, o Governo Federal informou a disponibilidade de R$ 14,9 bilhões do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destinados à prevenção de desastres, em todo o Brasil.
Dados
Segundo o Mapa da Desigualdade 2023, elaborado pela ONG Casa Fluminense, 2,2 milhões de pessoas foram afetadas pelas enchentes no estado do Rio em 2021 e 2022. Nesse período, 16,2 mil casas foram danificadas ou completamente destruídas por eventos climáticos, sendo a maior parte delas concentrada na Baixada Fluminense.
De acordo com o levantamento da ONG, dados da Defesa Civil, analisados pela Casa Fluminense, totalizaram R$ 487 milhões em danos à infraestrutura pública no estado do Rio.
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