Vila do Abraão é o maior centro da Ilha Grande, na Costa Verde do RioArquivo /Agência O Dia
O efeito da instabilidade é o desconforto, diante das recentes ondas de calor, prejuízo com perda de mantimentos e de clientes no período de alta temporada e até mesmo a contaminação das águas. Isso porque as bombas que operam o sistema de esgoto param de funcionar com a falta de luz, fazendo com que os dejetos transbordem para os córregos, rios e praias da Vila do Abraão.
Os moradores fizeram um protesto na tarde da última terça-feira (23) na Praça do Abraão e uma reunião foi marcada para a tarde desta quinta-feira (25). O encontro com o secretário de Governo e Relações Institucionais de Angra dos Reis, no entanto, foi cancelado de última hora sem ser reagendado.
"Nós sempre sofremos com problemas de fornecimento elétrico na Ilha Grande. A maioria dos comércios, pousadas, restaurantes têm gerador. Isso vem se arrastando a anos. Nos últimos meses, as interrupções são diárias e prolongadas. Temos períodos de 12h, 24h até 36h sem energia. Por vezes, tem energia, mas com a voltagem baixa: 96 ou 100 V. Alguns equipamentos, como ar-condicionado, não tem nem força para armar", exemplifica Fábio.
Biomédica e moradora da Ilha Grande, Aline Lisboa, 38 anos, é gerente de uma agência de turismo na Vila do Abraão. Ela ressalta que a situação causa prejuízo em uma comunidade que já tem um custo alto de vida. No momento em que conversou com O DIA, na manhã desta quinta-feira, o centro mais urbanizado da ilha estava sem energia.
"Não é só quem vive do turismo que está tendo prejuízo. Quem trabalha com hospedagem, tem restaurante está tendo muito prejuízo, mas muitas vezes o morador assalariado também. O pessoal trabalha o mês inteiro, faz a compra de mês para sustentar até cinco pessoas numa casa e tá perdendo os alimentos na geladeira. É surreal demais", critica Aline.
Aqueles que têm gerador, também precisam gastar para mantê-los funcionando. "Pros que têm gerador, é um custo absurdo de manutenção e combustível. Hoje mesmo gastei R$ 1.500 em combustível e R$ 800 para fazer a manutenção do gerador", conta Fábio, que também é comerciante na Ilha Grande.
Aline acrescenta que a temporada é uma oportunidade de os moradores obterem uma renda extra em meio a um lugar de alto custo. "A energia também é muito cara. O custo de vida de um modo geral é muito alto: aluguel, a energia, a alimentação. Se a pessoa optar por ir pro continente fazer compras, tem o custo com transporte com a barca, com o Flex. No verão que se pode fazer um extra, ganhar um dinheirinho a mais, acaba tendo esse prejuízo por conta da energia", analisa.
Saneamento precário
Segundo a Associação dos Meios de Hospedagem, o sistema de saneamento na Ilha Grande é precário e piora com a interrupção do fornecimento de energia. "A gente vem lutando para tentar melhorar o sistema de esgotamento sanitário do Abraão. As bombas simplesmente param de funcionar sem energia. Nesses períodos de falta de luz, a gente tem uma quantidade grande de esgoto sendo lançado nas praias", lamenta Fábio Nunes.
Ofícios foram enviados para a Prefeitura de Angra e para a empresa de saneamento de Angra, Saae, com imagens e análise comprovando que os rios estão contaminados. "Com todas as nossas cobranças estamos sendo ignorados e o problema só aumenta", desabafa o vice-presidente da associação.
Para o representante, a concessionária Enel tenta associar a falta de energia a eventos climáticos. Ele, no entanto, acredita que os investimentos não acompanharam o crescimento da população e dos serviços da Vila de Abraão. "A rede não suporta mais. Começam os curtos-circuitos com transformador pegando fogo. Há simplesmente uma sobrecarga. Não é nenhum evento climático", avalia.
A Enel Distribuição Rio afirmou que técnicos da companhia trabalham para normalizar o fornecimento de energia para a Vila do Abraão, após um desarme no circuito que alimenta a localidade, causado pela queda de uma árvore sobre a rede no continente. A companhia ressalta que possui equipes destacadas exclusivamente para a ilha e atribui a demora na normalização à complexidade topográfica e a dificuldade de acesso. A Enel disse ainda que investiu R$ 58 milhões nos últimos cinco anos na Ilha Grande.
"Aliada às manutenções, a empresa tem investido fortemente na instalação de tecnologias de ponta na rede elétrica, como equipamentos comandados remotamente. Os aparelhos permitem a operação do sistema elétrico de forma mais ágil e eficiente em casos de falhas. Também são realizadas ações de combate às ligações clandestinas de energia, que prejudicam significativamente o fornecimento", afirmou em nota. "A companhia acrescenta que mantém um grupo de trabalho atualmente com representantes da prefeitura e uma relação de respeito e transparência com seus públicos", finaliza a Enel.
Sobre saneamento na Ilha Grande, o SAAE informa que possui geradores instalados em suas bombas de tratamento de água e esgoto na Vila do Abraão, no Provetá e em Araçatiba. Os equipamentos funcionam mesmo em situações de falha ou interrupção no fornecimento de energia elétrica. Como resultado, não acontece vazamento de esgoto das estações de tratamento nos córregos, rios e praias dessas localidades da Ilha Grande.
"O vazamento de esgoto na Vila do Abraão tem como principal causa a conexão inadequada das redes de águas pluviais das residências diretamente à rede de esgoto. Para resolver este problema, o SAAE necessita implantar novas redes de esgotamento sanitário, as quais permitirão a separação efetiva da água da chuva da rede de esgoto", diz a nota.
Os investimentos necessários para a realização dessas obras serão viabilizados, segundo a prefeitura, somente a partir da concessão da autarquia: "um passo crucial para melhorar a infraestrutura do saneamento da localidade e de toda a cidade". O processo de concessão iniciou-se com o lançamento do edital em dezembro de 2023, e a licitação está agendada para o dia 20 de fevereiro de 2024.
O Inea informou que não foi acionado sobre as ocorrências.
O DIA procurou o Governo do Estado a respeito das críticas sobre o fornecimento de energia e saneamento básico na Vila do Abraão, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
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