Denise Taynáh, de 74 anos é uma mulher trans negra e cariocaGab Meinberg

Orgulho, existência e resistência são palavras que ganham força neste mês de janeiro, no que diz respeito à visibilidade e aos direitos das pessoas transgênero. O Dia da Visibilidade Trans, celebrado nesta data, é um marco para a promoção da conscientização, respeito e igualdade. Há 20 anos, em 29 de janeiro, ganhou destaque histórico durante a mobilização de ativistas transgêneros com a campanha "Travesti e Respeito" no Congresso Nacional.

O psicólogo e terapeuta sexual, Carlos José Telles, explica que uma pessoa transgênero é aquela cuja identidade de gênero difere daquela que lhe foi atribuída ao nascer com base em características biológicas, como genitália, e não é uma escolha ou algo que possa ser mudado por vontade própria.

“Por exemplo, se uma pessoa foi designada como do sexo masculino ao nascer, mas identifica-se como uma mulher, ela é considerada uma mulher transgênero. Da mesma forma, se alguém foi designado como do sexo feminino ao nascer, mas identifica-se como um homem, é um homem trans.”

Sendo assim, o especialista ainda ressalta que as pessoas transgênero não se tornam transgênero; elas nascem trans e têm uma profunda convicção de que seu gênero é diferente daquele que lhes foi atribuído.

Na contramão da discriminação, Maria Eduarda Aguiar tornou-se a primeira advogada trans a conquistar o direito de ter seu nome social reconhecido na carteira da OAB do Rio de Janeiro. Ela descobriu-se uma pessoa trans aos 13 anos e apenas na fase adulta passou pela transição.

"Eu me sentia como uma pessoa que não era real. Hoje, a real sou eu, Maria Eduarda. Era uma pessoa que não se entendia daquela forma, que apenas passava pela vida daquela forma, como se estivesse em modo automático, mas não vivenciando com prazer."

O desconhecimento do processo que estava vivendo, a falta de apoio psicológico e o medo de sofrer uma rejeição dentro da família fizeram com que ela demorasse a realizar a transição para o gênero feminino.

"Ser mulher trans ainda é muito complicado porque, além da problemática da vulnerabilidade social, ainda há o sofrimento, a discriminação e o estigma social de ser uma pessoa trans no Brasil, um país que nega políticas de população trans, que faz pautas anti-trans, que comete violência contra pessoas trans, que impede pessoas trans, mulheres trans de utilizar banheiros públicos, que comete violência, nos trata como se fosse um problema.”

Para ela, a data é um dia de luta e busca por cidadania plena. Ela ainda ressalta que a mudança começa pela educação, na promoção do estudo de gênero nas escolas e no respeito ao próximo.

“Ninguém aqui, em termos de movimento LGBT, quer transformar uma criança em LGBT. Nós não precisamos disso. O que nós queremos é que as nossas adolescentes, que já são LGBTs, possam ter um ambiente seguro dentro de suas escolas. Isso sem influência de ninguém, porque não se pode influenciar a homossexualidade como identidade de gênero. Para que essas pessoas possam ter direito a um ambiente seguro dentro de suas escolas. Que essas pessoas possam ter um ambiente seguro nos seus locais de trabalho, na vivência e na sociedade. E para isso acontecer, a educação é primordial.”

Denise Taynáh Leite, de 74 anos, é uma mulher trans, negra, carioca e que atualmente trabalha como secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTI+, na Secretaria de Estado Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Ao longo dos anos, vivia com muitas dúvidas sobre quem era e se questionava o motivo de ter nascido assim. Foi após os 50 anos que começou a se entender como uma pessoa trans: “cheguei ao ponto de querer morrer do que ficar nessa incógnita de não saber quem eu era", lembrou.

“Eu vivi no armário por muitos anos, né? Nessa vida, com o lado masculino, tive sete filhos e jogava pelada de futebol, mas sentia que não era isso o que as pessoas viam. Mas o meu masculino não aceitava o feminino que tinha dentro de mim. Percebi que vivia como se estivesse enganando as pessoas e que eu não era aquilo que estavam vendo.”

O divisor de águas para Denise foi em 2008 em uma Conferência LGBT, em Brasília; a partir deste momento, começou a procurar resolver e assumir a feminilidade que existia dentro dela. Após anos de repressão, conheceu uma associação de crossdressers e começou a se entender como uma pessoa trans. Nessa época, ela também se envolveu com o carnaval, foi passista de escola de samba, e começou a atuar como drag queen imitando Elza Soares na Turma OK!. Ela também tem sua trajetória contada na websérie “LGBT+60: Corpos que Resistem”, contando as histórias de superação de pessoas LGBT+ na terceira idade. 

“Eu me montava à noite para fazer performance, eu ia com roupa masculina, chegava no camarim, fazia o show, me trocava e voltava para casa, mas a vivência de 24 horas como Denise começou dentro do Grupo pela Vidda, quando fui convidada a participar de uma Campanha contra a Dengue e tinha que estar lá como Denise. Eu achei que não conseguia, mas fui à luta.”

Segundo o especialista em sexualidade, Carlos José Telles, o processo de aceitação da identidade de gênero é altamente pessoal e individual, variando de pessoa para pessoa. A autorreflexão e a exploração das identidades e expressões de gênero são abordagens comuns para enfrentar dúvidas nesse sentido. Telles destaca que esse processo é desafiador, demanda tempo e não ocorre instantaneamente. A continuidade da aceitação, paciência e compreensão do ambiente são cruciais nesse percurso, destacando a importância do respeito aos ritmos individuais e do apoio incondicional para criar um ambiente positivo e inclusivo.

Não existe um caminho único, prescrito ou “receita de bolo” para explorar a identidade de gênero, sendo cada jornada única e moldada por circunstâncias, experiências, história e necessidades individuais. O apoio e compreensão da família e amigos desempenham um papel fundamental nesse processo, permitindo que as pessoas vivam autenticamente de acordo com sua identidade.

Entretanto, a falta de permissão para a expressão da verdadeira identidade de gênero tem impactos significativos no bem-estar mental e emocional. A ausência de aceitação e apoio pode resultar em problemas psíquicos e emocionais, isolamento social e negligência das necessidades de saúde. O tabu religioso, desinformação e preconceito na sociedade exacerbam esses desafios, afetando a saúde física e emocional das pessoas trans.
Ainda de acordo com o psicólogo, o acesso e a promoção saúde mental são importantes também devido aos desafios próprios às experiências de discriminação que enfrentam contribuindo para casos de depressão, ansiedade e suicídio entre pessoas trans, por isso, a conscientização e a educação são meios para mitigar os impactos negativos.

No contexto brasileiro e global, persistem desafios relacionados ao desconhecimento sobre questões de gênero e orientação sexual, manifestados em preconceitos, discriminação e obstáculos à inclusão de transgêneros na sociedade. O Brasil, enfrenta altos índices de violência contra travestis e transexuais, como indicado por uma pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que registrou 131 mortes em 2022.

Portanto, ele acredita que a mudança cultural é um processo contínuo que requer colaboração entre diversos setores do governo e da sociedade. Essa colaboração é fundamental para criar um ambiente mais inclusivo e respeitoso para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.