Rio - O caso da mãe e filha que estão 'morando' há três meses no McDonald's do Leblon, na Zona Sul do Rio, tem repercutido bastante nas redes sociais. Além da curiosidade à respeito da vida das duas mulheres, que estão sempre com roupas em boas condições e arrumadas, contexto que foge do estereótipo de pessoas que vivem em situação de rua, internautas têm discutido sobre a proporção que o caso tomou, e indagam se o rumo seria diferente caso os protagonistas dessa história fossem negros e pobres.
Confira alguns comentários:
Queria ver se as 2 mulheres que estão morando no mc donalds do Leblon fossem pretas se esse caso ia ser tratado com essa benevolência toda.
Em entrevista exclusiva ao DIA, na última quinta-feira (25), uma das envolvidas na história questionou a repercussão e fez menção a sua cor da pele e status social. "Se fosse uma pessoa de pele morena, se fosse uma pessoa de pouca roupa, com pouca mala, não teria despertado curiosidade. Se eu não fosse loira e atraente não teria despertado curiosidade", disse Bruna Muratori Geremia, de 31 anos, filha de Susane Paula Muratoni Geremia, de 64 anos, que também está 'morando' no McDonalds.
O DIA pediu ajuda de um psicanalista para analisar o motivo dessa história despertar tanta curiosidade nas pessoas. Para Artur Costa, psicanalista e professor da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC), essa história ganhou notoriedade por dois motivos principais: o fato de mãe e filha estarem morando em uma grande rede de fast food internacional e também pela questão das cinco malas grandes e de ser uma habitação em família.
O psicanalista também analisa que se elas fossem de outra cor ou região, por exemplo, a repercussão poderia estar sendo outra. "Uma questão social importante a se pensar sobre esse tema é porque tanto tempo elas estão morando nessa loja de fast food tão conhecida? Por que esta situação tem sido tolerada? Será que em virtude das cores, da raça, da região, do país, da forma como elas se apresentam ali é possível sim que nesse racismo estrutural que hoje temos se elas fossem de uma outra região do país ou até mesmo fossem de uma outra cor ou se apresentassem de uma outra forma", detalha o presidente da ABPC.
Artur Costa também menciona a importância de se falar sobre a saúde emocional de Bruna e Suzane. Segundo ele, a saúde emocional de pessoas em situação de rua, que é o que parece, é algo que o poder público precisa realmente orientar, já que é oferecido vários programas sociais como foram oferecidos a elas alguns alguns abrigos e elas rejeitaram, o que prova de que a saúde emocional delas está amplamente afetada.
A advogada Cátia Vita, especialista no Direito do Consumidor, esteve na quinta-feira (25) no McDonald's onde Susane e Bruna estão morando há três meses. Ela conta que recebeu uma onda de ataques nas redes sociais após um vídeo onde ela aparece tentando falar com as mulheres viralizar. Nos comentários, as pessoas a indagavam se ela estaria ali se as mulheres fossem negras.
Cátia Vita explica que esteve no estabelecimento a convite de uma emissora de televisão para conceder uma entrevista sobre o caso, mas que ao entrar na unidade um dos policiais militares que acompanhava a movimentação perguntou se ela não poderia oferecer algum tipo de ajuda às mulheres.
Cátia Vita se aproximou da Bruna, que a recebeu de forma ríspida. "Ela pediu para que eu me retirasse, começou a gritar, chamou a polícia. Ela [Bruna] é bem rude, ríspida e nitidamente não quer nenhum tipo de contato. Mandou eu sair do local como se o estabelecimento fosse dela. Mas em nenhum momento a Bruna usou palavras de baixo calão, ela tem um vasto vocabulário, inclusive", analisou Cátia.
Mãe e filha têm conhecimento dos seus direitos, afirmam especialistas
Para Cátia Vita, Bruna e Susane sabem muito bem quais são os seus direitos. "Elas sabem todos os direitos delas e negam qualquer tipo de ajuda. Elas compram diariamente, portanto, são consumidoras do local. Na lei não existe essa regra de permanência dentro do estabelecimento. Como é uma empresa privada, ela pode definir regras, só que não tem nada fixado, por isso perdurou até hoje e chegou onde chegou, nesse caso inusitado", explica a especialista.
A advogada Giovanna Maia, especialista em Defesa do Consumidor, também ressalta que, nesse caso, as duas mulheres arcam com o pagamento dos valores de forma devida. A especialista também observa que ao menor sinal de possível "tumulto" no local, mãe e filha tentam dispersar a população.
"Não há, sequer, relato de qualquer incentivo a tumulto ou aglomeração de pessoas/curiosos praticado pelas mulheres. Inclusive, em entrevistas, é possível constatar que elas rapidamente dispensam qualquer pessoa que tente contato ou ofereça ajuda. Logo, tampouco o estabelecimento poderia afirmar que a presença de delas acarreta grande tumulto e inviabiliza a sua atividade comercial rotineira, ou oferece qualquer prejuízo para a sua marca", observa Giovanna Maia.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, proibir a entrada de alguém em um estabelecimento é prática abusiva, passível de diversas sanções, tanto na esfera administrativa, civil e até mesmo penal. A advogada Giovanna lembra que a Constituição preconiza o princípio da dignidade da pessoa humana e da não discriminação. "Os estabelecimentos comerciais não podem impedir a entrada ou permanência de consumidores que não estejam desvirtuando a finalidade do local, sob pena de incorrerem em crime de discriminação e ainda responderem civilmente pela prática, havendo a obrigação de indenizarem o cliente lesado", diz.
Para resolver a situação, ambas as especialistas afirmam que a empresa poderia alterar a política de permanência do local. "A política de limite de tempo de mesa é amplamente utilizada por bares e restaurantes que possuem uma grande fila de espera ou interessados, mas não há limitador na aplicação da política em uma franquia de fast food", diz Giovanna Maia.
A especialista Cátia Vita também faz um alerta para um possível "efeito manada". "Pode acontecer um efeito manada, sim, afinal de contas, muitas pessoas ficam na rua, que traz um desconforto muito maior. Isso pode despertar que outras pessoas iniciem esse processo, sabendo que não existe uma legislação específica", finaliza Cátia.
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