Motoristas afirmam que estão sendo rendidos, sequestrados e extorquidos por traficantes da Ilha do GovernadorDivulgação

Rio - Diante de episódios de extorsão e sequestros sofridos por motoristas de aplicativo, moradores da Ilha do Governador, na Zona Norte, relatam dificuldades para conseguir uma corrida. Nas últimas semanas, profissionais afirmaram que estão sendo rendidos por traficantes e obrigados a pagar uma 'taxa' para circular na região. Nesta terça (4) e quarta-feira (5), a Polícia Militar, inclusive, fez duas operações consecutivas no Complexo do Dendê contra o crime organizado.
Ao DIA, um morador, que preferiu não ser identificado, explicou sobre a situação. "De fato, tem-se noticiado que o poder paralelo passou a 'tributar' os motoristas de aplicativo. Os profissionais, então, têm criado uma resistência para aceitar o pedido de corrida quando o destino inicial ou final é a Ilha do Governador. Alguns, inclusive, comentam de forma constrangida e temerária sobre o assunto ao passageiro. No fim das contas, o serviço prestado pelos aplicativos não está atendendo a demanda, seja pela demorada no aceite da corrida ou mesmo pela ausência de veículos. O sintoma de medo atinge o fornecedor e o consumidor", disse o homem.
Em um grupo nas redes sociais, motoristas relataram como é o modus operandi dos criminosos na região. Segundo eles, os bandidos fazem a abordagem e os obrigam a subir a comunidade escoltados pelo tráfico. Em seguida, recebem ordens para desbloquear o celular e fazer o pagamento de uma taxa ilegal.
Ainda segundo mensagens, na última quinta-feira (30), pelo menos seis motoristas foram abordados na Ilha do Governador. "Pessoal, para aqueles que não sabem, está proibido a entrada na Ilha do Governador. Ontem, teve gente que foi levado às 18h e só foi liberado 1h", escreveu um integrante do grupo.
Uma outra moradora, que manteve a identidade preservada, contou que também passa por dificuldades. "Eu cheguei no Rio e fui pega de surpresa. Estava na rodoviária e solicitei um carro, mas ninguém aceitava. Até que um aceitou, mas me perguntou o local exato que eu iria na Ilha do Governador. Eu expliquei, sem saber do que estava ocorrendo, e ele respondeu: 'Não vou para lá. Os caras do movimento proibiram'", relatou a mulher.
Em entrevista ao DIA, a moradora ainda compartilhou um caso semelhante que aconteceu com seu amigo. "Ele estava indo me encontrar e recebeu a seguinte mensagem do motorista de aplicativo: 'Estão sequestrando Uber na Ilha e tu pede corrida para lá? Pega a visão, rapaz. Acorda!'". 
Outra residente da Ilha relatou que essa 'taxa' do tráfico não é nova. "Esse 'pedágio' pro tráfico já acontece desde o início do ano, mas ninguém levava a sério. A partir de abril, isso tem se intensificado. Às vezes, minha mãe, que tem uma certa idade, precisa ir para o Centro e pede Uber por uma questão de comodidade. Mas tem sido muito complicado. Já vi alguns carros que estão com adesivos de coqueiro, que é a 'licença' do tráfico", afirmou.
Um morador também explicou os impactos que sofre com esta questão. "Tem dois dias que chego atrasado no trabalho. Todos estamos inseguros e com medo. Soube que os motoristas estão recusando as corridas". 
Em nota, a Polícia Militar informou que a participação da população é determinante no combate a esses tipos de crimes, como extorsão e exploração clandestina de serviços. A corporação ainda disse que há uma parceria com as empresas de aplicativos de transporte, com o botão "Ligar para a polícia", que atende tanto passageiros como motoristas.
A reportagem também procurou a Polícia Civil. "De acordo com a 37ª DP (Ilha do Governador), as investigações estão em andamento para apurar os fatos. Os agentes já identificaram sete criminosos e realizam diligências para localizar os demais envolvidos no delito. Além disso, a unidade está em contato com as empresas responsáveis pelos aplicativos de transporte para colher mais informações sobre os casos", informou o comunicado.

Em maio, a 37ª DP, em conjunto com policiais militares, prendeu em flagrante um homem acusado de integrar a narcomilícia que atua na extorsão de motoristas da região. Já em março deste ano, os agentes prenderam um mototaxista também envolvido no esquema.
Procurada, a Amobitec, associação que representa o setor de mobilidade por aplicativos, disse que "vê com preocupação os relatos de extorsão a motoristas de aplicativo e restrições ao acesso de veículos na Ilha do Governador". A entidade afirmou que as plataformas associadas contribuem com investimentos e ferramentas tecnológicas direcionadas à segurança e estão continuamente à disposição das autoridades oficiais para discutir alternativas e soluções.
MPRJ denuncia traficantes que cobram taxas a motoristas de aplicativo
No dia 28 de maio, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou traficantes ligados à facção Terceiro Comando Puro (TCP) por extorsão a motoristas de aplicativos, mototáxis e táxis na Ilha do Governador. As denúncias, apresentadas pelo promotor de Justiça Sauvei Lai, da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial, foram encaminhadas em 1º de abril às 5ª e 35ª Varas Criminais da Comarca da Capital. A Promotoria também solicitou a prisão preventiva dos acusados.
Segundo as duas denúncias apresentadas, os criminosos controlam o comércio ilegal de tráfico de drogas na Comunidade do Dendê, da Pixunas e na maioria das demais comunidades da Ilha do Governador. De acordo com a denúncia, eles expandiram os seus negócios ilegais, organizando-se como uma narcomilícia e passando a cobrar taxas, por meio de extorsões contra motoristas de aplicativos.

Os criminosos exigiam pagamentos semanais de R$ 150 dos motoristas sob ameaças de morte, utilizando armas de fogo. Para operar na área, os motoristas precisavam se cadastrar em cooperativas controladas pelos traficantes, denominadas 'Cooperativa do Crime' e 'Cooperativa da Extorsão', com sede na comunidade do Dendê. Além do pagamento, os motoristas eram obrigados a exibir adesivos fornecidos pelos criminosos para identificar os que cumpriam as exigências impostas.
O promotor Sauvei Lai destacou que o modus operandi dos denunciados é uma continuidade das práticas adotadas por antigos líderes da facção TCP, como Fernando Gomes de Freitas, vulgo Fernandinho Guarabu, e Gilberto Coelho de Oliveira, vulgo Gil. Esses líderes, junto com o miliciano Antônio Eugênio de Souza Freitas (Batoré), dominaram o tráfico de drogas e a exploração do transporte alternativo na região até serem mortos em uma operação policial em 2019.
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Iuri Corsini