'PEC das Praias' e impactos ambientais: o que está em jogo?
Especialistas explicam como a proposta, que ganhou destaque entre políticos, ambientalistas e nas redes sociais, pode agravar problemas ambientais já existentes
Proposta visa transferir a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro para estados, municípios e proprietários privados - Armando Paiva/Agência O Dia
Proposta visa transferir a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro para estados, municípios e proprietários privadosArmando Paiva/Agência O Dia
A "PEC das Praias", como ficou conhecida popularmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, gerou intenso debate sobre a possível privatização das praias brasileiras. O debate ganhou ainda mais visibilidade nas redes sociais com a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar trocando farpas. A PEC, que já foi aprovada na Câmara dos Deputados, busca regularizar as propriedades em terrenos de Marinha, cedendo essas áreas a municípios e estados, além de permitir a venda para ocupantes e empresas. Em tramitação desde 2011, a proposta agora avança no Senado sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
No último dia 27 de maio, uma audiência pública destacou as controvérsias em torno do PEC, evidenciando a preocupação de ambientalistas, ecologistas e biólogos com os impactos ambientais e sociais da possível transferência de terrenos da União para a iniciativa privada.
Segundo o advogado Daniel Blanck, "o objetivo principal do PEC é transferir a propriedade desses terrenos, atualmente sob domínio da União, para estados e municípios. A discussão em torno dessa PEC envolve questões de gestão e preservação ambiental, direitos de uso e ocupação dos terrenos, e potenciais impactos econômicos e sociais para as comunidades costeiras."
"A PEC, por si só, não privatiza as praias e não estabelece a necessidade de pagamento para frequentar as praias. No entanto, ao transferir a propriedade dos terrenos de Marinha para estados e municípios, abre-se a possibilidade de que esses entes federativos adotem diferentes políticas de gestão. Teoricamente, eles poderiam decidir implementar alguma forma de cobrança ou concessão privada, mas isso dependeria de legislações específicas de cada estado ou município", acrescenta.
Blanck também enfatiza as possíveis consequências da mudança: "Pode haver uma diversificação de políticas em que diferentes regiões podem adotar políticas variadas, afetando de maneira distinta as comunidades locais, também pode haver disputas sobre a ocupação e uso de terrenos, especialmente se houver interesse em privatizações ou concessões. Além disso, dependendo da gestão local, a proteção ambiental pode ser fortalecida ou comprometida".
Ambientalistas alertam para os riscos ambientais da 'PEC das Praias' Segundo o geólogo e especialista em mudanças climáticas e degradação ambiental Marco Moraes, a PEC surge num momento particularmente inoportuno, dado que "a gente já está vendo com a legislação atual uma degradação acentuada das zonas costeiras de todo o país, com empreendimentos imobiliários, crescimento da agricultura, essas fazendas de criação de peixes, camarões e uma série de outras agressões ali, uns ambientes que são muito críticos e delicados.
Para Moraes, a medida pode resultar em "um aumento do risco de descontrole e degradação ambiental ainda maior das regiões costeiras", enfatizando que a fiscalização atual já é insuficiente para proteger as áreas de preservação.
"Se a gente está vendo hoje que a fiscalização não é eficiente, a gente já está vendo que áreas de preservação estão sendo degradadas e os limites dessas áreas não estão sendo preservados, eu acho que a gente não pode ter muita expectativa de que a fiscalização vai evitar que as mudanças trazidas por essa PEC venham a produzir uma situação ainda pior do que aquela que nós encontramos atualmente", salienta Moraes, autor do livro Planeta Hostil.
Moraes defende que, ao invés de enfraquecer a legislação, a sociedade e os governos devem procurar "formas de dar melhores condições ao governo federal" para coordenar um plano emergencial ou de preservação das zonas costeiras. Ele destaca a importância dos manguezais, que estão sendo destruídos por empreendimentos imobiliários, pesca não regulamentada e a expansão da carcinicultura, ou criação de camarões.
"Então, os manguezais, de todos é o ambiente que mais preocupa e que pode ser muito, já está acontecendo e pode ser ainda mais afetado se a gente afrouxar mais a legislação, que é basicamente isso que a PEC está querendo, com todas as justificativas que a PEC, na verdade, está querendo implementar a especulação imobiliária e exploração econômica mais descontrolada dessas áreas", explica o especialista em mudanças climáticas.
Ele explica que "os manguezais não são importantes apenas no ciclo, porque têm uma enorme biodiversidade, mas são perseverantes para a vida marinha", afetando tanto a biodiversidade quanto a sustentabilidade econômica das comunidades. O ecólogo Mario Moscatelli ressalta a vulnerabilidade crítica da faixa litorânea brasileira, uma das áreas mais suscetíveis às mudanças climáticas em implementação no planeta. Segundo ele, "essas alterações foram feitas e vem muita mudança ainda prevista por aí", enfatizando a perda de biodiversidade e a iminente perda de investimentos nas ocupações costeiras devido às projeções climáticas para as próximas duas décadas.
Moscatelli critica a construção de loteamentos e resorts de forma agressiva e predatória, observando que isso geralmente ocorre no Brasil sem respeito pelas características naturais dos ecossistemas locais, resultando na completa supressão da biodiversidade nativa, não respeitando as características naturais dos ecossistemas locais, que vão supressão da biodiversidade nativa e impactos indiretos como a favelização dos arredores. Ele observa que "essa foi a regra que pude observar, por exemplo, nos municípios de Angra dos Reis e Paraty, e suposto controle do governo federal. Imagina sem ter controle?", observa.
O especialista destaca a importância das praias, dunas e restingas como a primeira e única barreira eficaz contra a fúria erosiva do mar. Ele compara a situação ao litoral do estado da Flórida, onde a supressão dos manguezais nas décadas de 1950 a 1970, verificada em marinas e loteamentos que atualmente são devastados por furacões. Embora o Brasil ainda não enfrente furacões, ele alerta que sem proteção natural das praias, dunas e restingas, o litoral brasileiro está exposto ao poder destrutivo do mar exacerbado pelas mudanças climáticas.
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