Rio - O velório da carnavalesca Rosa Magalhães reuniu familiares, amigos, fãs e personalidades do samba na tarde desta sexta-feira (26), no Palácio da Cidade, em Botafogo, Zona Sul do Rio. A cerimônia, aberta ao público, aconteceu até as 16h. A despedida foi marcada por homenagens de escolas de samba e uma longa salva de palmas. Integrantes das agremiações também tocaram surdo, em uma espécie de marcha fúnebre para dar início ao cortejo até o Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, onde o corpo será sepultado.
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Maior campeã da Marquês de Sapucaí, a "Professora" como era carinhosamente chamada no mundo do samba, morreu em casa após sofrer um infarto na noite desta quinta-feira (25). Dona de oito títulos no Carnaval carioca, a carnavalesca que também é figurinista, cenógrafa e artista plástica tem inúmeros trabalhos reconhecidos. Em 2016, por exemplo, foi diretora artística da cerimônia de encerramento da Olimpíada do Rio de Janeiro.
Durante sua trajetória, Rosa atuou nas escolas de samba Beija-Flor, Império Serrano, Tradição, Estácio de Sá, Salgueiro, Imperatriz Leopoldinense, União da Ilha, Vila Isabel, Mangueira, São Clemente, Portela e Paraíso do Tuiuti. Ela teve passagem, também, pelos desfiles de São Paulo.
Presente no velório, Leandro Vieira, carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense, lamentou a perda e lembrou que Rosa era como uma 'mãe' para a geração atual que trabalha no Carnaval. "O sentimento de todos os carnavalescos da minha geração é um pouco de ter ficado órfão. A Rosa era a mãe dessa geração. Na verdade, ela também é um verbete do que é ser um carnavalesco. Quando as pessoas perguntarem para a gente, o que faz um carnavalesco, a maneira mais prática de responder isso é fazer o que Rosa Magalhães fez a vida toda", disse.
Leandro também contou sobre o legado que a mesma deixou. "Para minha geração, que descobriu o carnaval nos anos 90, a Rosa é a grande arquiteta desse pensamento do que é vestir a fantasia do carnaval, do que é produzir alegoria, do que é contar histórias de brasilidade para o público, para as massas. A Rosa é a régua, com a justa medida do que é ser bom na contação de história, na produção de fantasia, na farra carnavalesca que pode alegrar, ensinar e denunciar", disse.
Mauro Leite, atual carnavalesco da São Clemente, amigo e assistente de longa data de Rosa, contou durante o velório que ela já apresentava sinais de cansaço, mas por evitar ir a médicos, não sabe exatamente quando a saúde dele piorou.
"Ela estava sempre com projetos. Ela queria fazer um livro sobre enredos, já tinha começado a pesquisar e juntar material, mas ela também estava um pouco desanimada. Acho que pelo cansaço do carnaval, que é um trabalho muito desgastante. Nos últimos carnavais ela já dava sinais de que estava cansada. Inclusive, ela falava que não queria mais fazer isso, que queria trabalhar, mas agora queria coisas mais leves", contou Mauro Leite, que trabalhou há pelo menos 40 anos com Rosa.
Mauro compartilhou que a última vez que conversou com a amiga foi na segunda-feira (22). "Ela me ligou para perguntar como tinha sido a conversa com o presidente da São Clemente, onde agora assumi como carnavalesco. Ela só queria saber se tinha sido tudo bem. Ela era uma pessoa caseira e que gostava muito de bichos. Deixou três cachorros", disse. Ainda segundo ele, Rosa estava produzindo um espetáculo musical sobre a própria vida.
O diretor de cinema, Libário Nogueira, um dos diretores que dirigiu o documentário "Rosa a Narradora de outros Brasis", obra retrata a trajetória da carnavelesca, se referiu à Rosa como sendo uma pessoa carinhosa, maternal e com muito cuidado na fala. "Rosa tem uma história fantástica e inspiradora. Ela traz identificação direta com o empoderamento da mulher que assume o seu lugar. Fazer esse filme foi uma experiência incrível e sensorial", conta Libário. O longa foi produzido em 2023 e atualmente é exibido em festivais de cinema. A próxima divulgação do documentário será no Festival Internacional de Cinema de Paraty.
Além das vitóras na Sapucaí e de muitos troféus no Carnaval, seus principais prêmios foram o Emmy de Melhor Figurino, pela abertura Jogos Pan-Americanos de 2007; dois prêmios MinC; prêmios Carlos Gomes; Ordem do Mérito Cultural; e Medalha de Prata, oferecida pelo governo da Áustria.
Formada pela Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ, também foi professora da instituição. Assinou figurinos e cenários para dezenas de espetáculos teatrais.
Em 2019, teve sua história transformada em biografia. "Rosa Magalhães — A moça prosa da avenida", de Luiz Ricardo Leitão, foi lançada pela Uerj, mesma instituição que, em 2002, concedeu-lhe o título de doutora "honoris causa". Em 2023, foi tema do documentário "Rosa – A narradora de outros Brasis", de Valmir Moratelli e Libário Nogueira.
Ao final do velório, o escritor Luiz Ricardo Leitão, autor da biografia "Rosa Magalhães- a moça prosa da Avenida", prestou as últimas homenagens antes do corpo seguir para o cortejo. Ele falou sobre os feitos da carnavalesca, como o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O amigo também falou sobre a importância de Rosa para a cultura popular.
"Rosa é a última modernista do carnaval brasileiro que soube manter a brasilidade viva com sentido crítico, jocoso e, sobretudo engenhoso. Ela nos mostrou que devemos preservar a nossa cultura popular, amar a arte popular e que ela é superior aquilo que se importa de maneira inepta, incompetente", disse durante o discurso no Palácio da Cidade.
Ele também exaltou a personalidade da carnavalesca: "Ela nos ajudou a traçar uma identidade brasileira inovadora e criativa. Nós precisamos disso, de uma pessoa crítica e com bom humor. Quem convivia com Rosa sabia do se humor insuperável, sua presença de espírito maravilhosa. Foi um deleite para todos nós", finalizou.
Às 16h, o corpo de Rosa Magalhães foi levado em comboio ao cemitério. Viaturas da Guarda Municipal acompanharam o cortejo ao corpo e também auxiliaram no transporte das coroas de flores.
Autoridades lamentam a morte
Para o prefeito Eduardo Paes, a artista é uma das mentes mais brilhantes do Carnaval, uma verdadeira Imperatriz do samba.
"Perdemos uma das mentes mais brilhantes da nossa maior manifestação cultural. A história de Rosa Magalhães se confunde com a do próprio carnaval. De um jeito único, ela encantou a todos nós com sua capacidade de materializar sonhos na avenida, de contar histórias de um jeito único e emocionar quem assistia. Uma verdadeira Imperatriz do samba, que deu a Leopoldinense inúmeras alegrias e títulos. Também deixou sua marca na Vila e na Império Serrano", disse o prefeito.
Paes relembrou ainda feitos marcantes da artista. "Como pensar carnaval sem Rosa? Como esquecer bum bum paticumbum prugurundum? Como não cantarolar “que ti-ti-ti é esse” e não completar com “que vem da Sapucaí”? Tudo com a marca sem igual dessa mulher que dedicou sua vida ao Carnaval e tanto contribuiu para o Rio, incluindo a cerimônia de encerramento das Olimpíadas em 2016. Inesquecível, única e incomparável. Faça festa no céu, Rosa, porque aqui você será sempre lembrada!", acrescentou.
O governador Cláudio Castro também homenageou a carnavalesca reforçando que o Rio sempre será grato por todas as histórias contadas por ela.
"Carnavalesca com o maior número de títulos já conquistados na história do Sambódromo, sete no total, a professora Rosa Magalhães - com mais de 50 anos dedicados à arte e à cultura popular - deixa como legado os inesquecíveis desfiles, que sempre valorizaram a brasilidade e engrandeceram a Sapucaí, emocionando o público e encantando até a crítica. É e sempre será referência para todos os amantes do samba, com seus enredos marcados por suntuosidade, cores e muita alegria. Manifesto meus sentimentos aos familiares, amigos e a todos os companheiros de Carnaval", disse.
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