Exames de sangue nos doadores foram realizados no PCS Lab Saleme, em Nova IguaçuRenan Areias/Agência O Dia

Rio - A Polícia Federal vai investigar a contaminação de seis pacientes por HIV após transplantes de órgãos no estado do Rio de Janeiro. Outras instituições, como Polícia Civil, Ministério da Saúde, Ministério Público do Rio, Secretaria de Saúde do Rio (SES) e Cremerj também investigam o caso, considerado sem precedentes. 
A PF passou a acompanhar o caso, pois o ocorrido afeta o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Nacional de Transplantes. Segundo apuração inicial da SES, nenhum dos pacientes estava infectado antes e o primeiro caso foi descoberto há um mês, quando um dos pacientes testou positivo para o vírus. Todos os exames de sangue dos doadores foram realizados pelo PCS Lab Saleme, contratado por licitação, e apresentaram falso negativo. 
O laboratório privado responsável por fazer os exames de sangue nos doadores fica em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e foi contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes. O estabelecimento teve o serviço suspenso logo após o caso ser descoberto e foi interditado cautelarmente. Com isso, os testes passaram a ser realizados pelo Hemorio.
Sócios são parentes de ex-secretário de Saúde
Parentes do deputado federal e ex-secretário de Saúde do estado do Rio Dr. Luizinho são sócios do PCS LAB. A empresa foi contratada pela Fundação Saúde no mesmo período da gestão do parlamentar. O sócio Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira é primo de Luizinho. O outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia do político. O mesmo é médico ginecologista concursado do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e foi afastado do cargo público nesta sexta-feira (11).
Segundo a prefeitura da cidade, ele exercia o cargo não remunerado como presidente do Comitê Gestor de Vigilância e Análise do Óbito Materno Infantil e Fetal do município.
Força-tarefa para investigar caso
A Secretaria de Estado de Saúde do Rio (SES) foi a primeira a entrar nas investigações sobre a contaminação de seis pessoas por HIV. A pasta considerou o caso "inadmissível" e "uma situação sem precedentes". Em seguida, o secretário de estado de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, determinou a instauração de inquérito na Delegacia do Consumidor (Decon), que também apura casos de saúde pública, e a investigação está em andamento.
O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) abriu uma sindicância para apurar o caso. "A falha teria acontecido na realização de exames de detecção do vírus HIV por um laboratório credenciado pela SES", diz a nota. O procedimento corre em sigilo. "A situação é gravíssima e o Cremerj reafirma seu compromisso de apurar os fatos com todo o rigor. A segurança dos pacientes é fundamental para garantir o bom exercício da medicina no estado do Rio e supostas falhas desse tipo são inaceitáveis", afirmou o presidente, Walter Palis.
O Ministério da Saúde, no período da tarde desta sexta-feira, informou que além dos seis pacientes que receberam os órgãos, foi confirmada também a infecção por HIV de dois doadores. A pasta ordenou a retestagem do material de todos os doadores de órgãos feitas pelo PCS Lab, para identificar possíveis novos casos de falso-positivos. Também foi determinada que a testagem de todos os doadores de órgãos do Rio voltasse a ser feita exclusivamente pelo Hemorio, usando o teste NAT, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A pasta informou também que estabeleceu a "instalação de auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS)" no sistema de transplante do Rio e a "apuração de eventuais irregularidades na contratação do referido laboratório, dentre outras providencias".
O Ministério Público do Rio, por meio da 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, instaurou um inquérito civil para apurar as irregularidades noticiadas no programa de transplantes do Rio de Janeiro.

O órgão deu o prazo de 15 dias para que a SES envie a cópia do laudo de inspeção da Vigilância Estadual de Saúde no Laboratório de Patologia Clínica Doutor Saleme - PCS, bem como das sindicâncias instauradas a partir das notificações dos eventos adversos de contaminação dos transplantados. Também solicitou que a Anvise forneça, no prazo de 15 dias, a cópia do laudo de vistoria no laboratório.

O MPRJ ressaltaou que o procedimento está sob sigilo, em razão do envolvimento de dados sensíveis dos pacientes. E que está à disposição para ouvir as famílias afetadas, receber denúncias de quem se sentir lesado e prestar atendimento individualizado às partes envolvidas. As denúncias podem ser encaminhadas à Ouvidoria por Formulário ou pelo telefone 127.

A respeito das notícias de que o Laboratório de Patologia Clínica Doutor Saleme - PCS é do primo do ex-secretário de Saúde do Estado, doutor Luizinho, o MPRJ informa que irá investigar a contratação em questão, encaminhando o caso para os promotores de Justiça de Cidadania. "A investigação abarcará a análise do dano pelo serviço não prestado adequadamente e possíveis irregularidades na licitação, em decorrência dos vínculos mencionados."
O que diz o PCS Lab
O laboratório PCS Lab disse que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados ocorridos no estado do Rio de Janeiro. "Trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969", iniciou a nota.
Segundo a empresa, o laboratório informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado.
"Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso", garantiu a empresa.
O que dizem os citados
Em nota, Dr. Luizinho afirmou que conhece o laboratório há mais de 30 anos e que ela foi dirigida, inicialmente, pelo pai de Walter Vieira. Ele também lamentou o ocorrido e desejou ao fim das investigações "punição exemplar para os responsáveis por esses gravíssimos casos de contaminação".
Sobre o laboratório prestar serviços durante a sua gestão, o ex-secretário de Saúde garantiu que manteve a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e que nunca participou da contratação deste ou de qualquer outro Laboratório.

A reportagem de O DIA tenta contato com Matheus Sales e Walter Vieira. O espaço está aberto para eventuais manifestações.