Instituído em 2012, o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM) do Instituto Nacional de Câncer, INCA, é responsável por implementar ações nacionais para o aprimoramento na qualidade das mamografias, no contexto de ações de detecção precoce do câncer de mama. Apesar de existir há 12 anos, nem sempre as pacientes podem ter total confiança nos laboratórios que fazem os exames. Agora, com o problema dos transplantados infectados com o vírus HIV, a desconfiança tomou proporções ainda maiores e os cuidados de onde se deve fazer os exames também.
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O Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM) é uma iniciativa do Ministério da Saúde, com a participação do INCA (Instituto Nacional de Câncer), da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de vigilâncias sanitárias locais e do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR). O objetivo do programa é noticiar e certificar os serviços de mamografia do país, garantindo a qualidade no atendimento.
De acordo com Sonia Maria da Silva, tecnologista da Coordenação de Prevenção e Vigilância do INCA, a qualidade do exame de mamografia é essencial para a sua precisão e acurácia (termo que define o grau de exatidão de um resultado). "Não podemos esquecer, no entanto, que cerca de 90% das mamografias realizadas entre as mulheres possuem como indicação rastreamento, ou seja, é realizada em uma população sem sinais ou sintomas de doença, onde se procura sinais radiológicos sugestivos de câncer de mama, que quando presentes, devem ser encaminhados para a confirmação diagnóstica", orienta.
Segundo a profissional, uma mamografia com critérios rigorosos de qualidade possui entre 84 e 90% de chance de detectar uma lesão incipiente, enquanto em um exame sem qualidade essa chance cai para cerca de 66%. Dessa forma, mesmo em um serviço com todos os cuidados adequados, não há como garantir 100% de acurácia.
"A qualidade da mamografia pode ser afetada tanto por parâmetros de desempenho do mamógrafo quanto por parâmetros de desempenho dos profissionais envolvidos (técnicos, físicos e médicos). O PNQM é obrigatório a todos os serviços de mamografia do país, público ou privado. Participar do programa é uma medida para garantir a qualidade da mamografia ofertada à população", disse Sonia, afirmando que não existe um local onde a população possa consultar quais serviços estão aprovados no PNQM, mas a própria mulher/paciente pode questionar diretamente o serviço de saúde acerca de sua participação no PNQM".
Importância de exames de qualidade
Preocupada com a qualidade dos exames de imagens, a mastologista Juliana Pegas Cavalcanti, formada há 16 anos, acredita que, com uma mamografia realizada de forma correta e clara, a paciente pode ter uma segurança melhor caso seja detectada com câncer de mama. Em entrevista ao jornal O DIA, a profissional fala da importância de exames de imagens e dos laudos de boa qualidade.
O DIA: A senhora trabalha com pessoas com câncer de mama há anos, como é possível fazer a fiscalização no que tange à qualidade das mamografias?
JULIANA CAVALCANTI: Essa sua pergunta eu tenho feito ao longo desses anos e ainda não tenho a resposta. Mas acho que um caminho seria informar a população sobre essa realidade de baixa qualidade dos exames de mama e orientar para que elas se informem se o local onde elas realizam o exame tem certificação do Programa Nacional de Qualidade de Mamografia (PNQM) e/ou certificado fornecido pelo Colégio Brasileiro de Radiologia. Se não tiver certificado não deve realizar o exame no referido local. Para se ter uma idéia esses são dados divulgados pelo próprio INCA. Mesmo essa auditoria sendo gratuita no período de 07/2022 a 07/2023 havia 6334 mamógrafos em uso no Brasil e apenas 367 serviços inscritos para participar desse programa. Será que se a população começar a exigir as certificações não teremos mais laboratórios inscritos no programa?
O DIA: Quais são os critérios para que se tenha, de fato, uma mamografia de excelência?
JULIANA CAVALCANTI: Antes de falarmos do critério de qualidade precisamos entender como funciona a mamografia: um exame que utiliza raio x em baixa dose para produzir a imagem. As imagens são criadas em tons de cinza de acordo com as características dos tecidos. Por exemplo nódulos e calcificações se aproximam do branco e a gordura presente na mama se apresenta escura. Essa variação de tons é importante para a visualização das alterações. Dessa forma para a mamografia cumprir sua função é necessário o controle da dose de radiação, qualidade da imagem, posicionamento correto das mamas no aparelho e uma interpretação correta das imagens produzidas.
O DIA: Como os médicos sabem quais laboratórios são melhores do que outros para a realização dos exames?
JULIANA CAVALCANTI: Os mastologistas em geral sabem os locais que possuem as certificações de qualidade e também se profissionais que laudam os exames são especializados em exame de mama. Os mastologistas costumam indicar o paciente para fazer exame com o radiologista de nossa confiança que possui especialização em exames mamários.
O DIA: É comum a senhora pedir para que seja realizada mamografia em outro laboratório porque a imagem não ficou a contento?
JULIANA CAVALCANTI: É absurdamente comum eu solicitar que as pacientes repitam o exame. E isso acontece por diversas situações ou a qualidade da imagem não está a contento ou o laudo não ficou claro ou por discordância do laudo. Isso representa também um desperdício de recursos. Foi por essa baixa qualidade da maioria dos exames disponíveis que o INCA criou o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia.
O DIA: Acontece de alguns laboratórios serem ‘multados’ porque os exames não são bem-feitos ou isso é raro ou impossível?
JULIANA CAVALCANTI: Eu nunca soube que um laboratório havia sido punido por causa de exame de qualidade ruim. Inclusive o próprio PNQM informa que a natureza do programa é educativa e não punitiva.
Um alerta muito importante
Nem todo mundo tem a sorte de fazer exames que detectem a doença logo no início, o que pode causar um problema ainda maior no futuro. A arquiteta Maria Cristina Vereza Lodi, de 65 anos, sempre fazia mamografia em um hospital na Zona Sul do Rio até que sua mastologista sugeriu que ela fizesse numa máquina mais moderna.
"Fez toda a diferença. Há dois anos e meio, comecei a perceber por autoexame que tinha alguma coisa errada no meu seio esquerdo. Procurei minha médica ginecologista, que falou: olha, eu não estou vendo nada de diferente aqui. Mas você já está perto de fazer seus exames anuais, então vamos fazer os exames. Há um mês, eu fiz os exames e apareceu, então, um câncer de mama já avançado, com 3 a 4 centímetros e meio escondido por trás da glândula mamária".
Maria Cristina conta que estava sentindo embaixo do braço também um desconforto. "Nesse mesmo dia eu procurei a mastologista com o resultado. Ela verificou realmente que mandou fazer a biópsia e tudo deu como se eu já tivesse. No meu caso os exames anuais não acusaram a doença anteriormente. Quando foi acusado o tumor já estava no grau 3. A mastologista pediu para eu refazer o exame num outro laboratório porque realmente as máquinas do hospital estavam antigas'', diz a arquiteta que optou por não processar o laboratório. "É difícil detectar para ver de quem era o erro, né? O que eu acho é que reportagens assim são muito importantes para alertar não só as mulheres, mas as médicas, e as clínicas que têm essas máquinas antigas. Os donos de hospitais e clínicas precisam se conscientizar de que o câncer pode ser detectado anteriormente se você fizer com máquinas mais modernas. Isso é muito importante para a gente. Acho que esses problemas de imagem deveriam ter uma vistoria anual para que pudesse ser detectado máquinas ruins e exames ruins'', alerta.
‘Brincando com a vida dos outros’
A autônoma Cristiane Régia do Nascimento Costa, de 43 anos, marcou dois exames num mesmo laboratório para o mesmo dia em horários seguidos: Mamografia e Ultra da Mama. "Primeiro eu entrei na mamografia. Já havia começado o exame, e, quando estava na mama direita, eu ouvi um burburinho das moças dizendo: "bate novamente pois está atrás do mamilo".Ali eu senti que elas haviam visto algo, mas não perguntei, pois sei que elas não dão informações antes do médico prescrever o laudo".
Ela ficou bem preocupada com a situação. "Saí da sala de mamografia e fui diretamente para a de ultrassonografia. No momento do exame eu expliquei detalhadamente o que havia acontecido na sala anterior da mamografia para a médica que estava realizando a ultra da mama. A mesma ouviu e falou que não havia absolutamente nada. Que a minha mama era apenas fibrosa. E que não havia nada para me preocupar. E foi exatamente isso que ela prescreveu no laudo final", explica Cristina.
Para a tristeza de Cristiane, a displicência da médica acabou por causar mais dor. "Após o resultado final, do laudo da mamografia constatar o tumor, foi preciso realizar a biópsia por mamografia. Pois não pude fazer por ultrassom, já que o exame não constatou nada. Isso acarretou numa demora e me fez realizar uma biópsia bem mais dolorida, pois é um processo com pistola, mais aplicações de anestesias e agulha grossa. É realmente um exame muito doloroso. Por fim, a biópsia confirmou o carcinoma. Após algumas consultas e por já decidir a cirurgia, a mastologista pediu que eu repetisse a ultrassonografia da mama com uma médica de sua confiança".
Cris faz uma indagação, que com certeza é a mesma de muitas mulheres com situações semelhantes: "Quando eu paro para pensar em tudo que aconteceu, eu fico triste. Como podem existir profissionais tão negligentes e dispersos com a vida alheia? Em momento algum eu pensei em processar o laboratório. Eu estava tão focada em me curar que não pensei e nem penso nisso. É muito triste e extremamente preocupante pensar que profissionais assim ainda estejam na ativa, prescrevendo diagnósticos errados diariamente. Brincando com a vida das pessoas. Esses exames são tão importantes, pois através deles, após os diagnósticos as perspectivas de vida podem mudar completamente".
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