Moto destruída após ser incendiada por torcedores do PeñarolPedro Teixeira/Agência O DIA

Rio - "Lutamos o ano inteiro para ter um bem, para ele ser retirado da gente em uma hora". O desabafo é de Peterson Ribeiro, 33 anos, que teve a moto queimada por torcedores do Peñarol durante confusão generalizada no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, na tarde desta quarta-feira (23). Equipes do DIA estiveram na mesma região onde o tumulto teve início na manhã desta quinta (24). No local, motoboys revelaram os momentos de terror, além do sentimento de revolta.

"Tiraram nossos bens, que lutamos muito para conquistar. Só nós que somos trabalhadores sabemos como é duro conquistar algo, seja casa, moto, carro, e quando vem um de fora e faz isso com a gente ficamos indignados, sem reação", disse Peterson.


O motociclista contou que ainda estava pagando o veículo e que não sabe o que fazer, já que trabalhava como motorista de aplicativo para complementar a renda.

"Minha moto foi totalmente queimada, eu não ganhei moto zero, estou correndo atrás, vou terminar de fazer o boletim de ocorrência na 42ªDP (Recreio) para tentar recorrer ao seguro, eles estão alegando incêndio e não querem pagar, só que é incêndio criminoso, todo mundo viu. Estamos muito tristes com essa situação, o amigo ali pagou a 1º parcela, o outro a 2º, eu estou na minha 8º, mas ainda estou pagando", reforçou.

Mediante a todo prejuízo, o motoboy frisou precisar trabalhar para sustentar a família. "Eu tenho uma filha, família, eu preciso me alimentar, as contas vão continuar chegando, então o que fica é a indignação, porque sem a moto eu não consigo trabalhar. Eu estava no meu lazer ontem na parte da manhã e a noite ia trabalhar. Foram queimadas três motos, duas foram ao total e a outra a frente todinha e as outras danificadas, quebraram tudo, retrovisor e farol", contou.

Ofensas racistas

De acordo com Peterson, os uruguaios começaram a causar uma baderna do nada. "Eles vieram depredando tudo. O caos foi causado por eles mesmo, estava todo mundo em paz, do nada eles começaram. Eles roubaram mercadorias de camelôs, proferiram ofensas racistas, chamaram a gente de macaco, e não deixaram ninguém retirar as motos do local", contou.

Sobre os atos racista, ele esclareceu que os torcedores o ofenderam através de gestos. “Somos pretos, mas somos seres humanos, somos trabalhadores, temos sangue igual a qualquer um, não roubamos nada de ninguém, acordamos cedo, trabalhamos de manhã, descansamos à tarde, para a noite trabalhar de novo”, frisou.

Roubo a ambulantes e confusão em quiosque

Além do tumulto no quiosque, os torcedores teriam roubado ambulantes, o que provocou ainda mais confusão no local.

"Eu estava lá na praia curtindo, no meu momento de lazer, quando começamos a ver o alvoroço e vimos que estava tendo confusão no quiosque, mas não podíamos fazer nada. Como tinha duas viaturas, a gente pensou que eles iam resolver o problema, mas eles não deram conta, então nós subimos e viemos tentar retirar as motos, só que os torcedores estavam achando éramos camelôs, acharam que estávamos contra eles", disse.

O motoboy esclareceu ainda que ele e os amigos não queriam confusão e decidiram voltar para a areia a fim de esperar que a polícia retomasse o controle da situação, no entanto, eles começaram a ser seguidos pelos uruguaios, momento em que decidiram permanecer na orla.

"Pensamos que a polícia ia apartar e depois a gente ia conseguir retirar a motos, só que não deu, começou a guerra toda. Depois chegaram mais dois carros de polícia, mas achei pouco pra situação, os policiais tentaram, deram tiro de borracha, mas não deu. Os amigos tentaram de novo retirar as motos e eu vim logo depois, só que não deu tempo de pegar minha moto, uns foram lesados, tiveram a carenagem toda quebrada, nós estamos na pendência do seguro", lamentou.

Ainda na praia, o motociclista Jakson Britto, 22 anos, que também teve a moto queimada contou que percebeu a dimensão do tumulto ao assistir televisão pelo celular.

"Quando a gente chegou ainda estava um clima razoável porque fomos para praia, não ficamos no quiosque onde a confusão começou, ficamos lá perto do posto 11. Só que do nada começou uma barulheira, confusão, e a gente ligou a televisão pelo celular para ver e vimos nossas motos sendo queimadas, então viemos no desespero tentar tirar. A gente falava que só queria tirar a moto, eles falavam que podia e depois tacaram mais coisas na gente. Só viemos para curtir, a gente não estava envolvido com nada. Foi surreal".

Apesar do prejuízo, Jakson teve sorte e ganhou um veículo novo do influenciador Caique Marques Silva, conhecido como Caik Miséria.

"O que fica é um sentimento de revolta, eu fui lesado, mas graças a Deus me ajudaram, mas meus amigos estão no prejuízo. A lateral da minha moto ficou destruída, quebraram minha moto toda. A maioria aqui é tudo motoboy, compramos a moto esse ano, tudo financiada, 48 vezes, pagamos poucas parcelas", explicou.

Segundo o influenciador, ele já foi motoboy e por isso se sensibilizou com o caso. “Me senti na mesma situação que eles porque quando eu estava começando fui para o Maracanã e roubaram um iPhone de R$ 3 mil que eu comprei na época, parcelado em 12 vezes, então eu me vi sem meu instrumento de trabalho e vi neles o que eu passei. Se hoje eu tenho condição, eu quero fazer por eles o que ninguém pode fazer por mim”, explicou.

Caik presenteou dois dos motoboys. "Infelizmente, eu não consigo abraçar todo mundo, mas com a o alcance que teve minhas publicações ontem, muita gente vai ajudar eles também, inclusive teve outros influenciadores que já vieram aqui, conversaram com eles também e provavelmente eles vão obter ajuda também", disse.
Torcedores presos e deportados
A Polícia Civil do Rio identificou e individualizou as condutas dos torcedores do Peñarol envolvidos em uma confusão generalizada no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, na tarde desta quarta-feira (23). No total, 22 homens foram presos em flagrante e um adolescente foi apreendido. Outros 330 uruguaios também vão responder por crimes contra a paz no esporte.
Já na madrugada desta quinta-feira (24), cerca de 20 ônibus com torcedores do Peñarol envolvidos na confusão generalizada no Recreio dos Bandeirante, na Zona Oeste, deixaram o estado do Rio. Os uruguaios foram escoltados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) até a cidade de Queluz, no estado de São Paulo.

Segundo a PRF, a escolta durou de 2h até 5h40, momento em que a equipe entregou os ônibus para o Núcleo de Operações Especiais de SP (NOE). O intuito é que eles sejam escoltados até deixarem o país.