Jurema Batista faz explanação da respeito do assuntoArquivo pessoal

Neste ano, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, será feriado em todo o território nacional. A lei que instituiu a data (Lei 14.759/2023) teve como origem uma proposta do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), relatada pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro do ano passado. Paulo Paim destaca que o feriado deve ser encarado como um dia de reflexão contra o racismo e o preconceito.Transformar a data num feriado nacional é uma conquista para muitas ativistas que lutaram pela causa como a especialista em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e primeira deputada negra eleita pelo Rio, Jurema Batista. "Na minha concepção é uma conquista da comunidade negra que tirou o personagem Zumbi dos Palmares dos porões da nossa história. Me lembro da minha infância, que eu me sentia muito envergonhada sobre 13 de maio, porque eu não tinha muita consciência, mas eu entendi assim: Se um povo não conseguiu a sua autolibertação, se precisou de uma princesa acordar um dia de bom humor e com uma pena de ouro, por isso é chamada Lei Áurea, muito romântico isso, ela assinou a escravidão, assim como se fosse uma coisa muito fácil, quando não foi" diz Jurema.
Para a especialista, que foi três vezes vereadora, no Rio de Janeiro, esse feriado não é à tôa. Ela fala um pouco sobre a história de resistência. "Os negros lutaram muito. E a luta se deu em diversas fontes. E um dos lugares onde os negros organizavam essa luta pela libertação eram os quilombos, principalmente o quilombo de Palmares, que foi 100 anos de resistência. Então a gente conseguiu. Durante muitos anos, a gente foi fazendo eventos nos estados, nos municípios. O Rio de Janeiro foi o primeiro município a ter a lei de feriado de Zumbi. Depois foi o Estado do Rio de Janeiro com uma lei da deputada Cida Diogo, diz ela, acrescentando que houve uma negativa para que houvesse o feriado estadual.
"A Associação do Comércio entrou com uma ação contra, e ganhamos na justiça o direito. Então, no Rio, o Estado do Rio de Janeiro já era, no 20 de novembro, também considerado feriado. E agora a gente ganha o feriado nacional. Lutamos todo esse tempo por isso porque é uma questão de identidade do país. Nosso país tem uma população negra que não veio por aqui a passeio, que não veio porque quis, foi sequestro da população negra. Então, a gente tinha que ter um dia também nosso, enquanto comunidade negra", desabafa Jurema.
O ator Deo Garcez, que interpreta Luiz Gama, fala sobre o Dia da Consciência Negra. "É muito importante que o dia 20 de novembro, Dia da Consciência, seja agora um feriado nacional porque celebra numa proporção integral para o Brasil a contribuição fundamental de um dos nossos heróis abolicionistas, Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e luta contra a escravidão, assassinado injustamente nessa data. Sobretudo também porque, além de relembrar a importância dele, não deixar cair no esquecimento a contribuição de nossos irmãos afrodescendentes para a formação da identidade brasileira, assim como ajuda a reforçar a luta antirracista de todos nós que queremos um Brasil mais justo e igualitário. Afinal o Brasil tem uma dívida histórica e impagável para com nossos irmãos escravizados e que tanto construíram para este país, às custas de suas próprias vidas, tragicamente perdidas por conta da cruel escravidão".
Editora do Blog Pimenta Rosa, Elen Genuncio, fala inclusive a respeito de as pessoas serem chamadas de negras ou pretas. "Acho que as pessoas ficam tão preocupadas com a termologia que não se chega à questão fundamental. A importância desse feriado ser nacional é para marcar a posição. No Brasil, o racismo é extremamente velado. O brasileiro tem muita vergonha de assumir o seu racismo, chegando ao ponto de responsabilizar o próprio negro por sua condição na sociedade. Esse racismo é expressado de diversas formas. Uma dessas é impedindo uma homenagem ao Zumbi. Você já viu alguém reclamar de feriado pelo Dia de Tiradentes? Não, não existe essa reclamação. Mas com relação ao Zumbi, as pessoas se incomodam porque o comércio vai falir. Me lembrei do feriado de São Jorge (23) que é colado no de Tiradentes (21). A alegação é de que tem o feriado do dia 15 de novembro e depois dia 20, e que aí o comércio fecha e tem prejuízo. E o dia 21 e 23 de abril não dá prejuízo?", indaga a profissional.
Apesar da vitória do feriado nacional, os crimes de racismo têm crescido no país e na prática não há muito para comemorar pois as oportunidades não são as mesmas ofertadas aos brancos. Exemplos de racismo não faltam para explicitar a falta de respeito com os pretos, mesmo quando bem-sucedidos como é o caso do jogador Vini Júnior que vive sendo agredido nos campos e fora deles na Espanha. Em março, ele foi chamado de chipanzé pela torcida do Atlético Madrid.
Se pessoas públicas passam por esse constrangimento, o que dirá as comuns que quando entram em farmácias, supermercados e lojas de roupa são seguidos por seguranças, na maioria das vezes também pretos. E ainda tem muitos casos de pessoas que são presas injustamente apenas pela cor de sua pele. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve aumento significativo de casos de racismo no país em 2023: 127% em relação ao ano anterior, totalizando 11.610 boletins de ocorrência de racismo no último ano, em comparação com os 5.100 registrados em 2022.
Já segundo a a pesquisa da Brand Inclusion Index 2024, da empresa global de dados e análise de marketing Kantar Insights, de 1.012 brasileiros entrevistados, foi constatado que 61% dos pretos e pardos sofreram discriminação no último ano, no trabalho (31%), locais públicos (26%) e enquanto faziam compras (24%).
Apesar do avanço de casos ruins, para a especialista Jurema Batista, também houve melhorias. "Isso é bem explícito hoje nos meios de comunicação. Tem praticamente cota de negro em todas as novelas. Também as cotas universitárias, é uma grande conquista, a quantidade de negros na universidade. as cotas no mercado de trabalho, principalmente no serviço público. É uma grande conquista para nós. Agora, ainda não é paritária, não tem uma sociedade paritária. Então, ainda vamos ter que brigar muito para sermos respeitados. Quase toda semana tem crimes de racismo sendo divulgados pelas  redes sociais, pela TV aberta, pelos jornais comuns. Então, a gente vai ter ainda muita luta pela frente. É só o começo, mas estamos chegando", finaliza.

Celebrações e debates

Apesar da situação preocupante, todos querem festejar os avanços. E durante este mês e no dia 20 haverá muitas ações como lançamento de livros, peças, shows, rodas de samba, entre outras atividades por toda a cidade. De acordo com o coordenador de Promoção da Igualdade Racial, Yago Feitosa, o Novembro Negro Rio que está no calendário oficial da cidade do Rio é quando os cariocas colocam a questão racial no debate público, com celebrações, reflexões e, sobretudo, propostas para o aprimoramento de implementações de políticas que promovam a igualdade.
Na segunda-feira (18), às 19h,  haverá no Theatro Municipal do Rio um ato de reconhecimento e valorização da grande contribuição da cultura negra para a formação da identidade musical brasileira. Assim será o espetáculo 'Raça – Homenagem a Milton Nascimento', protagonizado por 35 integrantes da Orquestra Sinfônica Juvenil Carioca (OSJC), com participação especial de Isabel Fillardis. O público vai cantar e se emocionar com a releitura de clássicos do grande cantor e compositor homenageado, como Fé cega, faca amolada, Canção da América, Travessia, Amor de índio, Caçador de mim, Nos bailes da vida, entre outras. Os ingressos serão vendidos a preços populares.
"O repertório explorará canções fundamentais que marcam nossas raízes culturais e sociais. A homenagem a Milton Nascimento, um ícone da música brasileira, trará ao palco interpretações poderosas de suas canções, que há décadas inspiram gerações com suas letras e melodias repletas de alma e significado", ressalta a diretora da orquestra, Moana Martins.
Na quarta-feira (20), às 10h, no Centro de Artes Calouste Kulbekian, haverá o Cortejo da Ciata, uma celebração, uma homenagem a grande Tia Ciata, das primeiras rodas de samba, dos ritos e dos doces, das baianas, da Praça Onze, do quintal com Pixinguinha, Donga, João da Baiana, matriarca negra, figura fundamental para a manutenção e enriquecimento da nossa cultura. No mesmo dia, das 10h às 21h, o Muhcab ((Museu da História e Cultura Afro-Brasileira) será palco da Roda de Samba com a Feijoada da Dida, um evento que une tradição, sabor e música. 
Também na quarta-feira (20), às 18h, o ator Samuel de Assis sobe ao palco do Teatro Rival, na Cinelândia, com a sua peça E Vocês, Quem São?, que propõe uma releitura da história brasileira e discute a responsabilidade pela realidade brutal e violenta vivida pelas pessoas pretas. Com direção e atuação do próprio ator e dramaturgia de Jonathan Raymundo, o solo parte de alguns questionamentos recorrentes e debates bem atuais sobre raça, gênero, classe e outros temas fundamentais, como O que é lugar de fala?, Quem detém o direito de construir a narrativa verdadeira sobre a realidade? entre outras.
Na terça-feira (26), às 17h, o Instituto Pretos Novos, na Gamboa, lança o livro Pretos Novos no Valongo - escravidão e herança africana no Rio de Janeiro” com curadoria da jornalista Mônica Sanches*. A obra reúne análises de especialistas renomados como Ynaê Lopes dos Santos, Mônica Lima e Laurentino Gomes, trazendo à tona as vozes e memórias que moldaram a história de resistência afro-brasileira. Este evento acontece em um ano simbólico para o IPN, que celebra 25 anos de atuação e marca os 250 anos do Cemitério dos Pretos Novos, localizado na região do Valongo.
Também na quinta, alunos da Ação Social pela Música do Brasil (ASMB) estarão assistindo palestra sobre racismo ambiental, no Núcleo de Aprendizado na Tijuca.

Justiça Temática racial

Uma nova ferramenta permitirá o acompanhamento da atuação da Justiça na temática racial. Trata-se do painel de Business Intelligence de Justiça Racial: uma funcionalidade digital de transparência que oferece uma visão abrangente da atuação do Poder Judiciário brasileiro sob a perspectiva racial. O lançamento do painel foi oficializado no dia 5 de novembro pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso.
A iniciativa é fruto da parceria do órgão com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), por meio dos programas Justiça 4.0 e Justiça Plural. Ela tem origem no Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial e visa aperfeiçoar a gestão de dados raciais, subsidiando a implementação de políticas públicas judiciárias baseadas em evidências para a promoção da equidade racial.