Fiéis se reúnem na Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, no Dia de São SebastiãoRenan Areias/ Agência O Dia

Rio - Aqueles que saíram de casa na manhã desta segunda-feira (20) para celebrar São Sebastião, padroeiro do Rio, ou Oxóssi, orixá correspondente nas religiões de matriz africana, não se limitaram a carregar apenas fé e agradecimentos — leques, sombrinhas, lenços e demais aparatos tiveram a mesma finalidade: minimizar o calor. Afinal, a sensação térmica na cidade já era de 33º C por volta de 9h, o que não impediu os devotos de professar a fé.


Na Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, Zona Norte, o cardeal arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, celebrou uma missa para aproximadamente 2 mil pessoas. Marli Ramos, de 72 anos, moradora de Rio Comprido, foi agradecer pela saúde da filha e da neta após uma gravidez de risco.

"Minha filha teve uma gravidez de risco, e eu vim pedir pela saúde dela e da minha neta. Graças a Deus e a São Sebastião, ela veio com saúde, hoje está com 7 anos, e eu venho todo ano agradecer", contou.

Verônica Benjamin, de 75 anos, relatou ter virado devota de São Sebastião há mais de 20 anos ao ser atropelada por um carro. Para ela, sua vida foi salva após pedir ao santo por saúde.

"Sou devota de São Sebastião desde que sofri um acidente. Foi no dia dele, há mais de 20 anos, e até hoje sofro as consequências. Eu estava na calçada e o carro me pegou. Prometi que, enquanto eu estivesse com vida, viria todos os anos, mesmo que fosse em outra cidade. E estou cada vez melhor", contou.

Para outros, a relação com o padroeiro se estreitou após promessas feitas e pedidos atendidos. É o caso de José Benício, de 59 anos, que neste ano acompanhou a mulher até a igreja para agradecer.

"Minha esposa sempre veio. E eu, que estou mais apegado também, vim hoje para cumprir uma promessa. Passo por um problema nas pernas, já tive um processo de varize, mas hoje estou em recuperação, e vim agradecer a São Sebastião", disse.

Vilma Bonfim, de 81 anos, fez questão de levar as muletas de sua filha para serem abençoadas neste dia especial. "Ela fraturou a fíbula em abril do ano passado, passou por cirurgia, e hoje está melhor. E é um dos milagres que São Sebastião fez pela minha família".

Moradora de Rocha Miranda, Lucimar Bastos, de 62 anos, narrou que a história com o santo foi herança de sua mãe, que sempre a levava às missas. Agora, ela o tem como protetor.

"A devoção começou com minha mãe. Eu, de tanto acompanhar nas missas, fiquei devota também e nesse tempo recebemos muitas graças. Há dois anos, meu filho capotou o carro três vezes e só quebrou uma unha. Ele é motorista de aplicativo, e os passageiros também não sofreram nada. Foi um livramento. Até hoje coloco um terço no carro dele. Temos que agradecer", destacou.
Culto a Oxóssi
Já no Museu da República, na Rua do Catete, o Afrikerança — coletivo de matriarcas de religiões de matriz africana — promoveu a segunda edição do Festival Àgbàdo, uma homenagem a Oxóssi pelo sincretismo que coloca o orixá como entidade relacionada a São Sebastião. Na área externa, líderes de cerca de 200 terreiros de todo o estado participaram de atividades como procissão, roda de candomblé, feira de artesanato e banquete com comidas ancestrais, parte delas ofertada durante o dia a moradores em situação de rua, já que Oxóssi é o orixá da fartura e prosperidade.
Por lá, também não faltaram relatos de quem teve a trajetória modificada pela fé, como o da Ekedi Simone de Ode, de 52 anos, do Centro Cultural Oju Omi, de Maricá.
"Eu tive um linfoma de Hodgkin e precisei passar por quimioterapia, radioterapia e, por fim, um transplante. Meu pai de santo me disse que eu precisava me confirmar para Oxóssi para renascer. Assim foi feito, e hoje estou curada. São 20 anos que estou transplantada".
Jaci de Oyá, 41 anos, do Quilombo Social Casa Vovó Deusa Ogunjá, de Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste, também veio agradecer ao orixá. Ela recorda que sua filha, Kassandra de Oxóssi, de 14 anos, teve um sério problema ainda na infância.
"Quando ela tinha um ano e cinco meses ficou muito doente. Os médicos já não sabiam mais o que era. Eu vim de Fortaleza para o Rio, já era da umbanda, mas meu caboclo me indicou o candomblé. Pedi para uma mãe de santo jogar, e Oxóssi respondeu dizendo que Kassandra é filha dele e que precisava de um bori (ritual de iniciação). Ela vomitava até a água que bebia. Vinte anos depois da iniciação, ela não teve mais nada".  
Já Douglas Jorge, de 36 anos, morador de Cascadura, atribuiu a Oxóssi uma reviravolta em sua vida profissional.
"Minha família sempre foi ligada ao candomblé, mas eu era do samba e queria viver só isso. Oxóssi avisava que eu ia perder coisas, que eu precisava me confirmar filho dele, mas eu nada. Viajava muito, para fora do país, sou diretor de bateria da Portela. Foi quando tudo na minha parou e comecei a perder viagens. Eu não entendia o que estava acontecendo. Mas depois que me confirmei a Oxóssi, tudo voltou ao normal, 17 anos atrás".
A expectativa no Festival Àgbàdo era reunir representantes de mais de 230 terreiros. O forte calor, porém, pode ter reduzido o número de participantes.
"Nosso grupo reúne terreiros de municípios como Maricá, Magé, Mangaratiba, além do Rio. Mas com essa onda de calor, acredito que muita gente ficou com medo de vir. Mesmo assim, temos lideranças de mais de 200 terreiros de umbanda e candomblé aqui", destacou a Iyakekere Ojeronke Penha D'Yewa, coordenadora no Rio de Janeiro do Coletivo Afrikerança.
Na Tijuca, também teve quem não arredasse o pé mesmo sob o sol a pino - isso sem falar na previsão de temperatura máxima de 40°C para a segunda-feira, de acordo com o Alerta Rio.

"Faça chuva ou sol, eu venho. Até de canoa se for preciso", disse Verônica Benjamin.

Para eles, a fé e o amor por São Sebastião são o suficiente para fazê-los enfrentar o sol quente deste feriado. "O calor está demais. Mas por São Sebastião, vale tudo", falou José Benício. "Quem tem fé vai. A fé não falha", completou Vilma.

Segundo Lucimar Bastos, estar na igreja em honra a São Sebastião é mais do que uma prova de fé, mas também de gratidão aos pedidos atendidos. "Quando a gente pede um milagre, São Sebastião não faz? Então a gente não tem que questionar se está calor. Com sol ou chuva, estou aqui todo ano. Enquanto tiver saúde, eu venho".
Mensagens
Ao sair da Igreja dos Capuchinhos, Dom Orani resumiu a mensagem de São Sebastião aos fiéis cariocas.
"Estamos no ano do jubileu. Precisamos falar de esperança, e São Sebastião é um belo exemplo de esperança. De não desanimar, não desacreditar. Creio que ele é um exemplo para todos os cariocas para que tenham sempre esperança e continuem a acreditar em São Sebastião, em lutar pelo bem e pela paz", destacou.
No Festival Àgbàdo – que tende a ser incluído no calendário oficial do Museu da República, segundo a direção da instituição –, a Iyalode Ojewunmi Rosângela D'Yewa, presidente do Afrikerança e idealizadora do evento, encerrou exaltando o porquê de a festividade acontecer naquele local.
"O festival é uma forma de a gente lutar por nossos espaços e ser respeitado pela nossa fé. E fazer aqui no museu é uma resposta que nossos ancestrais estão dando, porque daqui saíam as ordens para prender nosso povo. O ancestral conseguiu abrir as portas do museu para a gente ser recebido de braços abertos".