Os Filhos de Gandhi se reuniram em sua sede e realizaram um bonito ritualArmando Paiva

A Praia do Arpoador ficou pequena para tanta gente que foi prestar homenagens para Iemanjá, neste domingo (2), aniversário da Rainha do Mar. Um cortejo da estátua de Tom Jobim até o final da praia com direito a dança a multiartista Yza Diordi, de 45 anos, representando a orixá feminina, marcou a manhã deste domingo. Pessoas de todas as religiões estiveram no local mostrando todo o sincretismo brasileiro. Os Filhos de Gandhi se reuniram em sua sede, na Praça Mauá, e houve festejos em várias regiões do Rio de Janeiro.
O corretor de imóveis Robson Marcelino de Souza, de 48 anos, é evangélico e esteve no arpoador assistindo aos festejos. "É uma festa cultural. O brasileiro é um povo misceginado e temos que entender o espaço de cada um. Na verdade, no Rio de Janeiro é a primeira vez que eu venho a essa festa. Já estive em Salvador, no mesmo tempo, e também assisti."O artista plástico Tom Guariente, de 42 anos, que carregava uma imagem de Iemanjá, falou a respeito."Eu sou várias religiões. Aceito todas. Eu acho que cada religião teve o seu momento, sua história, sua cultura para cada povo. E a gente se canaliza. A gente entra nessa frequência de cura. Eu acho que isso é religião. Não podemos deixar a cultura morrer. E no mundo tão materialista, tudo que a gente celebrar o divino, celebrar o sagrado, eu acho que é válido, porque está havendo um esquecimento".
Já a artesã baiana Fabiana Cruz, de 45 anos, aproveitou a festa para vender o se trabalho como cangas, bolsas, porta-guia, organizador e faixas de cabelo. "Moro há 14 anos aqui no Rio de Janeiro. Mas é a minha primeira vez que eu venho para a festa de Iemanjá no Arpoador. Estou matando as saudade dos festejos em Salvador. Para mim, está sendo recordação de uma memória afetiva. Me faz lembrar como se eu estivesse lá no Rio Vermelho".
O oraculista (joga baraho cigano) Caique Marra, de 20 anos, estava ao lado de Fabiana, a quem conheceu numa feira de artesanato em Jacarepaguá. Para ele, a festa tem muita importância, principalmente em tempos de tanta intolerância religiosa. "Acho muito importante, uma manifestação dessa granditude aqui no Rio, onde tem tido muita intolerância. Um terreiro que foi invadido e destroçado. Diante dessa intolerância toda, dessa violência que está aqui no Rio, uma manifestação dessa, pacífica, linda, saudando os orixás da nossa religião, acho maravilhoso".
O ator Ludoviko Vianna, que interpreta Santo Antônio há mais de 15 anos, esteve na praia levando flores para Iemanjá. "Fiz o espetáculo de Santo Antônio e tenho uma afeição muito forte com a um banda. Eu me sinto livre. Eu acho que o que mais me leva para todas as religiões é justamente essa busca da intolerância para trabalhar em mim a tolerância. Se eu encontrar o padre, ele me der uma bênção. Se eu encontrar o pastor, ele me der uma bênção. Se eu encontrar o pai de santo, ele me der uma bênção, eu não vou recriminar, achar ruim, desconjurar. Porque eu acho que a religião é uma coisa criada pela gente. a gente evoluir. Só que se a gente se limita, a gente não evolui. Aí é controverso. E como eu não sou controverso, eu quero me sentir livre. Se amanhã eu quiser ir no culto, se depois eu quiser ir na missa, se eu quiser jogar flores, aí é manjar. Na verdade é isso. Acho que a gente tinha que ter essa liberdade. A espiritualidade não é prisão".
Durante o cortejo, Iza Diordi representou a grande homenageada do dia. "Sou artista da dança afro, atuante no cenário cultural afro-carioca e do mundo. E é um enorme prazer conseguir representar a minha arte negra, a minha cultura, que é a resistência, que nós que somos pertencentes à religião de uma matriz africana, a gente celebra Iemanjá com frequência. Mas para os populares, os simpatizantes que não fazem parte da religião, o dia 2 de fevereiro se ampliou, é bem abrangente popularmente falando, é um momento em que a gente consegue unir forças em maior escala para celebrar esse dia. Então estar aqui é muito prazeroso, é uma missão que a gente cumpre com muito amor, com muita satisfação e alegria de podermos estar aqui na Zona Sul, trazendo a cultura afro dentro do Rio de Janeiro, um lugar que até há pouco tempo era frequentado majoritariamente por não pretos, e hoje a gente conseguir trazer a nossa cultura para cá é muito gratificante, é sinal de resistência mesmo"
Trancista, capoeirista e modelo, Cauã Rosam de 23 anos, estava muito satisfeito em participar da celebração. "Estou começando agora a participar também da minha ancestralidade e tendo a honra de participar desta festa linda. Então está nesse lugar de ressignificação, de reafirmação, porque a maioria do país é um país preto, o Brasil é um país preto, que cultua religiões de matrizes africanas. Então a gente está nesse lugar simbólico, reafirmando isso simboliza demais".
Maria de Fátima da Silveira, mais conhecida como Fatinha do Jongo, de 68 anos, iria apresentar seu grupo durante os festejos. "Somos um ponto de cultura e nós somos referência nacional. Então, a gente participa de muitos trabalhos com o jongo. Já estive em outros estados e alguns países. Sou uma jovem senhora e mestre do Jongo do Pinheiral, e faço isso desde os meus 20 anos", diz ela que tem muito apreço pela Rainha do Mar.
"Essa festa é a coisa mais linda, porque isso faz parte da vida do nosso e a gente tem a nossa ancestralidade, que é a natureza, essa coisa viva. Então, cultuar Iemanjá, nossa, é tudo de lindo. E a festa é maravilhosa. Então, nós vamos representar o Vale do Café. Lá eles trabalham muito a memória dos varões. E nós trabalhamos a memória do povo preto. Então é um trabalho árduo".
Professor de português, Max dos Santos Leite, de 33 anos, conheceu o candomblé pela dor. aEu entrei para dentro da religião, não foi pelo amor, foi pela dor. Meu quarto era uma UTI e eu ficava entubado. Então dentro do hospital entrou um casal de anões. E falou pra minha mãe, eu salvo teu filho, mas você levar ele agora pra Salvador. E aí eu fui, entrei pra fazer o meu santo, tudo bonitinho, direiinho. que eu fiz meu pai Lougun Edé, que é o dono da minha vida, sem ele eu não vivo, e eu fiz Oxogian, são os dois reis que norteiam da minha vida, sem eles eu não sou nada, eles que me dão caminho", explicou".