Igor Melo foi baleado por um PM reformado após sair do trabalhoRede Social

Rio - Familiares do influenciador do Botafogo Igor Melo de Carvalho, acusado de roubo após ser baleado enquanto voltava do trabalho na Penha, na Zona Norte, negam qualquer envolvimento da vítima com o crime. O disparo foi feito pelo policial militar reformado Carlos Alberto de Jesus, 62 anos, que estava acompanhado da mulher Josilene da Silva Souza, 42. Para Marina Moura, companheira da vítima, o caso revela um racismo "escancarado".

O estado de saúde de Igor é grave. Ele passou por cirurgia, perdeu um rim e permanece internado sob custódia no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Na porta da unidade, nesta terça-feira (25), a família se reuniu para provar a inocência do rapaz, que estava em um moto de aplicativo indo para casa no momento em que foi atingido. O motociclista, também acusado de participação no crime, está preso.

"É um racismo estrutural escancarado que ele teve que pagar com o sangue, mas tenho certeza que ele vai ser um símbolo para que isso não aconteça. Eu sempre espero ele chegar, quando demora um pouquinho, eu ligo, mas dessa vez não foi a ligação dele que eu recebi, foi do sócio da casa de samba informando que ele estava aqui no Getúlio Vargas. Ele está sendo tratado como bandido, está sob custódia, estamos tentando derrubar isso, para eu poder ter acesso a ele", lamentou Marina.

A mulher da vítima explicou que à princípio achou que o caso se tratava de uma tentativa de assalto, mas foi surpreendida pela acusação de roubo. 

"Quando eu cheguei aqui, não sabia nem se ele estava vivo. Ele conseguiu pedir ajuda a uns amigos dele, que foram até ele e o socorreram. Apesar do tamanho da cirurgia, ele está bem, mas muito agitado, acorda a todo momento dizendo que não tem culpa de nada. Quem conhece o Igor sabe que ele é trabalhador, ele trabalha como inspetor na faculdade, na casa de samba, como ambulante no Carnaval, ele cata e vende latinhas, ele quer sempre dar o melhor para nós. O sonho dele é ser jornalista", disse.

Marina contou ainda que a Josilene foi quem o acusou de roubo. No entanto, ela teria mudado a versão dos fatos logo depois.

"A bala sempre atinge o corpo preto, as primeiras pessoas acusadas são sempre pessoas pretas. Igor foi mais uma vítima do racismo estrutural da sociedade, mas graças a Deus ele saiu vivo dessa, já que a maioria não sai. Ele está sendo acusado injustamente de um roubo. À princípio, a mulher tinha reconhecido os dois, depois ela mudou a versão e reconheceu apenas o condutor da moto", explicou.

Por permanecer preso sob custódia, Marina só conseguiu visitar o marido uma única vez. "Eu o vi depois da cirurgia e a primeira coisa que ele fez foi perguntar sobre nosso filho de 2 anos. Ele falou que não tinha culpa de nada. O Igor é trabalhador, é pai de família e ele tem um pessoal enorme atrás dele. Ele vai lutar pela vida dele e a gente tá aqui para provar a inocência dele, temos imagens da câmeras, 'prints' da corrida, histórico da corrida, tudo", reforçou.

Além de influenciador, Igor cursa publicidade e propaganda na Faculdade Celso Lisboa e trabalha no setor administrativo da instituição. Ele sonha em ser jornalista esportivo e para complementar a renda, durante a noite, atua como garçom na casa de samba "Batuq".

Nas redes sociais, os proprietários do espaço esclareceram que a vítima foi baleada enquanto ainda vestia o uniforme do trabalho. Na ocasião, Igor e o condutor foram perseguidos pelo carro do PM ao passar pelo viaduto da Penha.

"Igor foi atingido pelas costas e não recebeu socorro dos atiradores. Ainda assim, reuniu forças para enviar sua localização pedindo ajuda. Foi resgatado e levado ao Hospital Getúlio Vargas, onde passou por cirurgia, perdeu um rim e teve estômago e intestino comprometidos. Pouco depois, uma mulher entrou no hospital, visivelmente alterada, acusando Igor de roubo. No entanto, no momento do suposto crime, Igor estava trabalhando", disse a empresa.
Em nota, o time do Botafogo prestou apoio ao torcedor, desejando uma pronta recuperação. "O Clube cobra justiça e elucidação dos fatos! Igor participou de inúmeros atendimentos à imprensa realizados pelo Clube e atuou sempre com profissionalismo e respeito com atletas, funcionários e colegas de profissão. Estamos juntos em pensamento positivos", concluiu em comunicado.
A Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), vinculada ao Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ), também se solidarizou com a família do estudante, reafirmando a necessidade de uma política de segurança comprometida a enfrentar o racismo tendo como base o respeito às garantias constitucionais e ao direito a vida.
"É inadmissível que pessoas negras estejam sendo desumanamente feridas, mortas, executadas ou presas por suspeição infundada, incluindo o uso do reconhecimento facial por fotografias com base em bancos de dados oficiais. A violência que vitimou Igor é reflexo do racismo na nossa sociedade que aceita como natural ações violentas, em especial, contra homens negros", afirmou.
Quem também comentou o caso foi a secretária municipal de Ambiente e Clima, Tainá de Paula. "Absurdo!O estudante de jornalismo Igor Melo foi alvejado pela PMERJ ao ser confundido com um criminoso na Penha. Ele estava apenas voltando do trabalho quando foi atingido e agora luta pela vida no hospital. Até quando a juventude negra e periférica será vítima da violência do Estado? Exigimos respostas e justiça!", relatou.
Mulher e PM alegam que jovens estavam armados
Em depoimento, a mulher do agente informou que no fim da noite de domingo (23), por volta das 23h, foi abordada por dois homens em uma moto azul, sendo um de camisa preta e outro de blusa amarela, na esquina da Rua Irani com a Rua Conde de Agrolongo, na Penha.

Na declaração, Josilene alegou que o homem de amarelo estava armado e apontou a arma para o seu rosto, roubando seu telefone e fugindo em seguida. Na sequência, ela narrou que encontrou com o marido e ambos saíram para procurar os suspeitos. No momento em que encontraram a dupla, Carlos Alberto teria os abordado e dado voz de prisão, mas o garupa da moto teria sacado a arma. No entanto, o agente teria sido mais ágil e feito dois disparos contra ele.

Ainda na delegacia, ela revelou que os homens pularam do viaduto e abandoram a motocicleta no local. Logo depois, a mulher reconheceu Thiago como o motorista que estava de camisa preta e Igor como o homem armado de blusa amarela. O policial militar confirmou a versão da companheira e disse ainda que Thiago teria pedido desculpas pelo ocorrido. A suposta arma e o celular não foram encontrados.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Carlos e Josilene. O espaço está aberto para manifestações.
O que dizem as polícias Militar e Civil?
Procurada, a Polícia Militar informou que agentes do 16º BPM (Olaria) foram informados sobre dois homens, em uma motocicleta, que teriam sido alvos de disparos provenientes de um veículo desconhecido. Ao chegarem no local, um deles já havia sido socorrido por populares e encaminhado ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, enquanto o condutor da motocicleta foi levado a delegacia para esclarecer os fatos.

O caso foi registrado na 22ª DP (Penha), onde um policial militar da reserva se apresentou como autor dos disparos. A mulher dele teria reconhecido o motociclista como um dos responsáveis pelo roubo de seu celular. Por conta disso, os dois seguem presos, sendo Igor sob custódia no hospital.

"A corporação colabora integralmente com o trabalho de investigação da Polícia Civil e o caso foi encaminhado a Corregedoria da Geral da Polícia Militar", disse em nota.
De acordo com a Polícia Civil, o caso está sendo investigado na 22ªDP (Penha). O PM reformado e a mulher estão sendo ouvidos mais uma vez na tarde desta terça-feira (25). Devido ao estado de saúde de Igor, ele não pôde ser ouvido de imediato. No entanto, os policiais estiveram no hospital durante esta manhã para colher seu depoimento. Já condutor da moto, Thiago Marques, optou por só se manifestar em juízo.
"Os agentes buscam imagens de câmeras de segurança e outros elementos que comprovem a real dinâmica dos fatos. Todas as evidências serão analisadas, a fim de apurar a conduta e a responsabilidade de todos os envolvidos, bem como os crimes que possam ter sido praticados", explicou em nota.