coluna do nuno 07arte: paulo márcio

Por Nuno Vasconcellos
As medidas restritivas anunciadas pelo prefeito Eduardo Paes na quinta-feira passada foram consideradas extremamente duras pelos empresários que terão os negócios paralisados e verão sua receita reduzida a zero. Não tiro a razão e me solidarizo com quem se queixa: muitos bares e restaurantes estão no limite de sua capacidade e poderão não resistir a mais 15 dias de fechamento. Por mais doloroso que isso seja, entendo que a decisão exige uma análise fria e peço licença para um depoimento pessoal.
Como empresário, sou responsável, no Rio de Janeiro e em São Paulo, por cerca de 1.500 empregos diretos. São, para usar a expressão do presidente Jair Bolsonaro, 1.500 pessoas que compram com os salários que recebem das empresas que administro o pão que levam para casa. Por causa disso, no primeiro momento, também reagi com indignação à obrigação de ter que fechar as portas do parque Hopi Hari, no interior paulista. Também não gostei de ver a circulação dos jornais do grupo O Dia despencar com o fechamento das bancas e a proibição das vendas avulsas.
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Diante, porém, dos números do avanço da doença, concluí que não havia outra saída. Com a dor de quem, como eu, já perdeu uma pessoa querida para essa doença terrível e esteve a ponto de perder uma segunda (que, felizmente, se recuperou), digo com convicção: as medidas são necessárias. Digo mais: se as autoridades que as tomaram merecem alguma crítica é a de não terem agido antes, mesmo tendo no mundo exemplos que justificavam as providências mais duras.
Em Portugal, por exemplo, a adoção de medidas rígidas de restrição da circulação das pessoas e do funcionamento do comércio manteve a pandemia sob controle durante todo ano de 2020. Com os números em declínio, o governo, baixou a guarda e permitiu uma circulação mais livre na época do Natal, do réveillon e da festa dos Santos Reis. Isso bastou para que a pandemia surgisse com violência e que pessoas morressem na porta dos hospitais sem conseguir atendimento.
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As infecções que, no Brasil, justificam agora o endurecimento das medidas aconteceram semanas atrás. Quantas vidas não teriam sido salvas se os governos tivessem endurecido o jogo e fechado tudo durante o Carnaval?

ANDANDO EM CÍRCULOS — E quanto aos negócios? Como empreendedor e empresário, posso perder um negócio por circunstâncias que ninguém conseguiu controlar. Meus negócios podem falir neste momento; eu é que não posso cair. O empresário vivo e saudável tem força para reconstruir o que perdeu. Mas, e se ele morrer devido a uma doença que poderia ter sido evitada pelo isolamento? Quem vai, nesta hora, proteger sua família e levar o pão para casa? Quem pagará os salários dos empregados?
A situação é delicada e a sensação é a de que estamos andando em círculos: a discussão que agora divide opinião entre os que aprovam e os que são contrários ao isolamento parece a mesma que se travava um ano atrás, quando o primeiro caso de coronavírus foi diagnosticado no Rio. Isso mesmo: um ano. No dia 5 de março do ano passado, a Fundação Oswaldo Cruz confirmou o primeiro caso de coronavírus no estado: uma mulher de 27 anos, moradora da cidade de Barra Mansa, no Sul Fluminense.
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De lá para cá, a pandemia se alastrou, e, por mais que se conheça a doença, menos se chega a um acordo quanto à melhor forma de lidar com ela. É difícil, neste momento, encontrar outro país do mundo em que a falta de coordenação em torno do combate à pandemia tenha chegado ao mesmo ponto do Brasil.
A cena do presidente Jair Bolsonaro pulando no mar apinhado de gente em Praia Grande, no litoral de São Paulo, durante o Carnaval, ficará na história como um momento em que o apego a uma tese equivocada (a de que não há problemas em se aglomerar) falou muito mais alto do que o bom senso. Àquela altura, já havia alertas suficientes de que as consequências das aglomerações durante o Carnaval seriam sentidas dias depois, na forma do aumento exagerado de casos. E é exatamente isso que está sendo visto agora.
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Outro ponto que já está claro e continua rendendo discussões e ações desencontradas é o de que a pandemia só será derrotada por um programa de vacinação em massa. Nesse ponto, é preciso fazer justiça: goste-se ou não do governador de São Paulo, João Doria, o Brasil deve a ele os poucos passos dados até agora no rumo de um programa de vacinação em massa.

IDEOLOGIA OU INÉRCIA — Atenção! Ninguém aqui está manifestando preferência por esse ou aquele político! A intenção é apenas reconhecer que, no caso específico da vacina, o mérito de Doria é inegável e deve ser aplaudido. Afinal, como já dizia o velho samba de Geraldo Pereira, “a razão dá-se a quem tem” e, nesse episódio, ela deve ser dada ao governador de São Paulo.
O pior de tudo é que, mesmo tendo em sua estrutura uma instituição respeitada e eficiente como a Fiocruz, o Ministério da Saúde (por ideologia, por omissão, por inércia ou por falta de visão) não tratou a vacinação com a devida seriedade no primeiro momento. E, assim, o Brasil ficou de fora de todos os protocolos internacionais que garantiriam aos signatários a preferência na hora de obter os imunizantes fabricados pelas grandes farmacêuticas mundiais.
O desfecho desse drama ainda perece distante. A verdade é que, com a mais capilarizada rede de Saúde pública do mundo e com uma tradição de mais de 70 anos em matéria de programas de imunização, o Brasil perdeu uma oportunidade de ouro de dar um exemplo ao mundo e largar na frente nas medidas mais eficazes de combate ao coronavírus. Tomara que ainda haja uma mudança, o país se entenda e reencontre o rumo. E que, neste momento, se convença de que o melhor a fazer é respeitar as medidas de isolamento para evitar mais mortes desnecessárias.

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