Bíblia tem 6 metros de largura, 3,60m de altura e 2 toneladas e meia.Divulgação
RECOMENDAÇÃO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do(a) Promotor(a) subscritor(a) do presente, no uso de suas atribuições legais previstas nos artigos 127, caput e 129 da CRFB/88, artigo 79, §3º da Lei 13.146/2015, artigo 27, parágrafo único, inciso IV da Lei Federal nº 8.625/1993, artigo 34, inciso IX e artigo 38, II da Lei Complementar Estadual nº 106/2003, artigo 27 da Resolução GPGJ n 1,769/2012 e artigos 51 e seguintes da Resolução GPGJ nº 2.227/2018;
CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuals indisponíveis (art. 127, CF);
CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, na forma do art. 129, inciso II, da Lei Maior,
CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 albergou, expressamente, o Princípio Republicano do Estado Laico, em especial, no seu artigo 19, inciso 1, prevendo apenas excepcionalmente a colaboração entre órgão estatal e cultos religiosos ou igrejas que se revele de interesse público;
CONSIDERANDO que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do "bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", incluída a discriminação religiosa (CF, art. 3", inciso IV);
CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Pacto Intemacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto de São José da Costa Rica (1969), dos quais o Estado Brasileiro é signatário, têm como ideal desenvolver o respeito a diversos direitos e liberdades, destacando-se a liberdade religiosa, incluindo a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar a religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular, estando esta liberdade sujeita apenas as limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas,
CONSIDERANDO que, nos termos da Declaração de Principios sobre a Tolerância, aprovada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO, o Estado tem papel fundamental na concretização da tolerância, em todos os níveis, exigindo justiça e imparcialidade na legislação e no exercício dos poderes judiciário e administrativo (art. 2º, item 2.1),
CONSIDERANDO a laicidade, em sentido dúplice, de um lado, como proteção das confissões religiosas à indevida intervenção estatal em suas questões próprias e, de outro lado, como obstáculo à vinculação entre a atuação estatal e a religião nas questões políticas, econômicas e sociais das entidades públicas;
CONSIDERANDO a neutralidade como característica inerente ao Princípio do Estado Laico, evitando que alguma religião exerça controle ou impeça a execução de politicas públicas,
CONSIDERANDO a implementação do Principio da Laicidade como verdadeiro processo social, determinando o abandono de práticas tradicionais que se afastam da neutralidade religiosa dos órgãos estatais;
CONSIDERANDO que o Estado Laico representa verdadeira salvaguarda a liberdade religiosa de cada cidadão, consagrada no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, na medida que não endossa nenhuma religião, garantindo, outrossim, o respeito à descrença religiosa;
CONSIDERANDO que, na condição de direito fundamental, o direito à liberdade religiosa e de crença tem aplicabilidade e eficácia imediata, nos termos do artigo 5, §1", da Constituição Federal, e representa, ainda, limitação material ao poder de reforma da Constituição, sendo elencado no rol de cláusulas pétreas (CF, art. 60, §4°, IV);
CONSIDERANDO a intrinseca relação entre a Laicidade Estatal e o Principio Constitucional da Isonomia (CF, art. 5º, caput), haja vista que aquela não sufraga condutas discriminatórias movidas por crenças religiosas;
CONSIDERANDO que, a despeito de serem livres para exercer sua convicção individual religiosa, os agentes estatais, enquanto a serviço do Poder Público, não devem endossar qualquer religião, na medida em que representam o próprio Estado Laico, agindo em nome deste,
CONSIDERANDO que, a partir de uma simples e breve análise das Leis Municipais n. 563/2021 e 719/2023, constatam-se enormes indicios de inconstitucionalidade em ambas, cuja análise será feita e declarada no momento oportuno, utilizando-se o Parquet da modalidade que melhor se adeque ao caso e ao momento da investigação, ou seja, seja em sede de controle abstrato de inconstitucionalidade ou em caráter incidental;
CONSIDERANDO, enfim, que, em um Estado Laico, as politicas públicas não devem ser orientadas por denominações religiosas ou idealizadas para endossar convicções religiosas especificas, porquanto a satisfação dos interesses da sociedade, composto por cidadãos de todas as matizes religiosas e ideológicas, é o fim último da Laicidade Estatal
O MINISTÉRIO PÚBLICO RESOLVE RECOMENDAR ao sr. Prefeito Municipal de São José de Ubá que:
a) PROCEDA À RETIRADA dos monumentos religiosos denominados "estátua de SÃO JOSÉ e da "BIBLIA SAGRADA dos locais públicos onde se encontram, nos termos contidos na presente recomendação, e posteriormente:
b) ENTREGUE a estátua de SÃO JOSÉ à Paróquia São José, que custeou integralmente as despesas referentes ao referido monumento;
c) QUE proceda à ALIENAÇÃO do monumento da "BIBLIA SAGRADA". utilizando-se do mecanismo de regime juridico administrativo que melhor se amolde à espécie e ao concreto, a fim de que o Municipio de São José de Ubá recupere, no todo ou ao menos em parte, o prejuízo decorrente dos recursos públicos gastos com o monumento com relação ao qual não há nenhuma demonstração concreta de sua finalidade pública, turistica e/ou econômica.
Prazo de 20 (vinte) dia(s) para resposta.
Itaperuna, 27 de maio de 2024
LUIZ OTÁVIO SALES DAMASCENO Promotor(a) de Justiça-Mat. 8629
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