A canção era 'Até a Lua'. Nela, Tião Carvalho — nascido em 1955 em Cururupu, no litoral noroeste do Maranhão — canta: "Eu já falei com os olhos/ Que te amo e você não ouviu/ Eu já falei com as mãos que te quero/ E você não sentiu"Arte: Kiko
'Eu já falei com os olhos...'
Como é linda essa possibilidade de falarmos através dos gestos: o olhar que nos denuncia, os trejeitos que nos revelam ou o sorriso que nos adorna
A cortina do meu quarto deixava transparecer, em um canto da janela, uma frestinha do mundo lá fora. Deu para perceber que o dia estava nublado e fazia um friozinho. É incrível como a gente incorpora sensações ao longo da vida e consegue, por exemplo, dimensionar a temperatura de um dia só de ver como ele se manifesta ao amanhecer. Assim, naquela manhã de inverno carioca, peguei o celular e, assim que abri o Instagram, me deparei com o vídeo de um rapaz que dizia que nem sempre o que se fala é o que se deseja de fato. Ele ponderava que é preciso observar as ações e não somente o discurso. Não demorou muito para eu receber uma linda música de Tião Carvalho, que até então eu desconhecia.
A canção era 'Até a Lua'. Nela, Tião Carvalho — nascido em 1955 em Cururupu, no litoral noroeste do Maranhão — canta: "Eu já falei com os olhos/ Que te amo e você não ouviu/ Eu já falei com as mãos que te quero/ E você não sentiu". Como é linda essa possibilidade de falarmos através dos gestos: o olhar que nos denuncia, os trejeitos que nos revelam ou o sorriso que nos adorna. Isso me lembra, inclusive, da minha primeira crônica publicada no jornal O DIA, em 2 de agosto de 2020, quando a força de tantos olhares me chamava a atenção enquanto a gente usava máscara para cobrir nariz e boca ainda no início da pandemia. Fiquei atraída pelas expressões das testas franzidas, dos olhos encharcados de lágrimas ou daqueles que manifestavam um resquício de esperança ou alegria em tempos tão difíceis.
Curiosamente, por muitos anos eu fui a pessoa que não deixava as emoções transparecerem. Vivia com as minhas sensações trancafiadas dentro de mim porque me sentia indefesa para mostrar minha vulnerabilidade. Mas aprendi que é forte quem sente e mostra o que sente. Assim, eu me tornei a pessoa que não consegue disfarçar o que pensa: em muitas ocasiões, a minha expressão é a melhor pronúncia do que se passa dentro de mim.
É claro que sou amante das palavras, inclusive trabalho com elas. Gosto de me expressar pelos textos e presentear quem admiro com a minha escrita. Mas sei que há muita beleza nos gestos além do que é dito, ainda mais em tempos em que um 'eu te amo' parece ser banalizado, assim como a palavra 'gratidão'. Talvez aí entre a importância dos gestos que falem de afeto e reconhecimento sem que nada disso precise ser falado.
Quem ama pode até recorrer às palavras de outra forma, pedindo que o outro avise quando chegar em casa. Quem gosta pode dar um abraço apertado nos reencontros e assim dizer: "Que bom que você veio". E quem é grato pode mostrar isso de diversas maneiras, contando alguma novidade da vida, compartilhando conquistas e mostrando que jamais se esqueceu de um colo, de uma escuta ou de um ombro amigo.
Fã das metáforas da vida, eu também me encantei por outro trecho da mesma canção de Tião Carvalho, quando ele diz que foi até a Lua em busca da pessoa amada, mas de nada adiantou. "E acabei namorando a lua/ Só não namorei você". Até para reconhecer uma viagem dessas à Lua é preciso ter sensibilidade e olhar aguçado. Muito provavelmente, não veremos ninguém em um foguete. Pode ser que essa travessia seja feita a pé, através de um gesto de carinho. E aí será preciso apurar a escuta do coração.

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