KakayDivulgação

Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
O mundo e as pessoas perderam um pouco a capacidade de olhar para o outro, de sentir a dor do próximo e de ter compaixão. Algo que eu sempre expressei como um “sentimento de mundo”, que nos posiciona de maneira humanista frente ao inusitado, à barbárie e aos abusos. O caso desse jovem Lázaro, de 32 anos, deveria nos levar a uma reflexão que fugisse do óbvio.
Os fatos postos são de um assassino cruel, que matou e aterrorizou várias pessoas, antes de ser morto com 38 tiros por uma polícia que desferiu, só no momento da morte, 125 disparos de armas pesadas. O Lázaro já estava sem munição quando foi morto. A morte dele vai, talvez, impedir uma investigação que se insinua interessante: seria ele um assassino contratado para amedrontar os proprietários de pequenos sítios e, consequentemente, derrubar os preços das terras?
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Esse é um fato que deveria ser investigado, mas que nenhum interesse tem para esta reflexão. Que a polícia o executou, penso, não existem dúvidas. Interessa, neste contexto, a reação que a execução operou nas pessoas.
Num governo presidencialista, a figura simbólica do presidente tem uma força enorme, especialmente em um certo grupo de seguidores com baixíssima capacidade de reflexão. O inimputável presidente agiu como se estivesse na mesa da sua casa, cercado de pessoas do mesmo nível intelectual dele, sem se importar com a repercussão das suas sandices. Ou, talvez, tenha exatamente falado o que o seu bando gosta de ouvir.
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Com a autoridade miliciana vituperou: “CPF cancelado”, expressão comumente utilizada no meio policial para se referir à execução. E brincou, de forma jocosa: “Ele não morreu de covid?”. E ainda debochou: “Tem gente chorando pelo Lázaro aí”. Esse é o relato oficial de uma crônica da morte anunciada.
Parece até estranho que qualquer um de nós ainda se espante com os absurdos que esse presidente vomita diariamente. Na trágica crise sanitária, potencializada pela condução criminosa desse Bolsonaro, todos nós fomos humilhados pela agressividade vulgar e banal com que ele tratou os mortos pelos quais é responsável direto por omissão. Foram inúmeros os desrespeitos: “Não sou coveiro”, “Chega de mi mi mi”, “Deixem de ser histéricos”, “Sejam homens e não maricas”. Não cabe aqui repetir o que fez o mundo inteiro tratar o Brasil como um pária. Somos hoje uma imagem fosca refletida num espelho trincado, sem credibilidade, sem força e sem voz.
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Enfim, com tristeza deixamos de contabilizar as insanidades ditas por esse cultor da morte. Não é sequer possível tratar a realidade como tal, pois estamos vivendo um mundo paralelo de mentiras e humilhações. Não é o caso, neste momento, de tratar da grossa corrupção que está se revelando a tônica do governo Bolsonaro. Antes, políticos pequenos e regionais faziam a corrupção miúda das rachadinhas; agora, são corruptos federais que atacam até as vacinas para a covid. Uma lástima!
Mas não podemos nos rebaixar e aceitar, sem reflexão e crítica, os apelos perigosos de um recrudescimento e da genuína propaganda da violência policial. A exaltação da morte não pode ser uma política de Estado. Não é muito relembrar que o torturador Ustra é a referência intelectual do presidente. Seu autor de cabeceira.
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A comemoração da morte de um sequestrador de ônibus por parte do ex-governador Witzel, descendo de um helicóptero aos brados, ficou como marca indelével da barbárie do seu curto governo. Da mesma maneira, o corruptor do sistema de justiça e ex-juiz declarado parcial pelo Supremo, Sergio Moro, tentou emplacar no seu frustrado e derrotado pacote anticrime - que de combate ao crime nada tinha - uma licença para os policiais poderem matar num país onde, à época, 71,5% das pessoas assassinadas eram pretas ou pardas.
Penso que cabe a cada um de nós sair do imobilismo. É necessário dizer que o presidente está fazendo um culto à morte e à violência por parte do Estado; ao desprezo a uma investigação criminal científica e séria nesse episódio específico. Se nós nos calamos, deixamos que a voz ouvida seja a da barbárie. A mesma voz que já soa mais alto do que nossa resistência, que já encontra respaldo, nesse caso, não só nos fascistas seguidores dos “Moros” e “Bolsonaros”, mas em boa parte de uma sociedade que tem como refrão a máxima de que bandido bom é o bandido morto. Cabe a nós fazermos o eterno papel da voz minoritária, sem medo, sem nos esconder atrás de tecnicismos covardes e sem deixar de expor as escâncaras dessa praga que domina o imaginário nacional. E sermos coerentes, inclusive, para o bem do Presidente e dos seus filhos: bandido bom não é bandido morto. Vamos investir e acreditar no sistema de justiça.
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E nos ater à poeta mexicana, Juana Inês de la Cruz:
“Homens néscios a acusar
às mulheres sem razão,
sem ver que são a ocasião
do que estão a culpar.

Quem será maior culpado
Pelo mau comportamento:
A quem peca em pagamento
Ou quem paga por pecado?”
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