Acho que houve uma ampliação de mulheres no Congresso este ano. Mas isso também inclui mulheres que rejeitam a pauta feminista. A gente tem que trabalhar para o aumento da representatividade de mulheres que defendam os direitos das mulheres. A gente tem a Damares Alves, no Ministério da Mulher (da Família e dos Direitos Humanos). Mas ela está na contramão dos nossos direitos.Ao mesmo tempo, a gente lançou a Frente Feminista Antirracista que pretende atuar com a participação de mulheres de diferentes partidos. É um avanço importante.
Já enfrentou alguma atitude racista ou machista no Congresso?
A todo tempo sou chamada de ‘menina’, de forma pejorativa, e de ‘louca’ por deputados.‘Manda essa menina ficar quieta’ e ‘maluca’ são frases que já ouvi. É constante a tentativa de deslegitimar o nosso papel. Hoje estou na Comissão de Constituição e Justiça que é uma das mais importantes da Casa. É uma comissão muito masculina e muito branca. Mesmo a ideia de transversalizar a luta de gênero e racial é presente. Quando vou discutir orçamento, previdência e economia, também discuto gênero e raça.
É um cotidiano intenso. São três reuniões semanais e mais de 80 pautas diárias.Infelizmente está sendo um trabalho muito diferente do que eu ouvi dos assessores dos últimos anos. O presidente (da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini) tem pautado o que é prioridade para o governo. É quase uma instrumentalização para o governo. As pautas penais que são as que mais atingem as mulheres negras e seus filhos têm sido prioridade na Comissão, assim como o aumento de pena e a tentativa de aprovar o excludente de ilicitude. Uma série de ações que alargam o estado penal policial que já vitima tantos jovens negros, que foram mais de 1.500 mortos pela polícia este ano, um recorde desde 1998.
Ele não tem nenhuma legitimidade para estar à frente da Fundação Palmares,que é um órgão público com objetivo de enfrentar o racismo e promover a cultura afro-brasileira. Alguém que não reconhece o racismo no país, quer acabar com o movimento negro e rejeita Zumbi é alguém que não poderia estar neste cargo. Eu e a deputada Áurea Carolina (PSOL-MG) entramos com uma representação contra ele e essa nomeação na Procuradoria Geral da República porque entendemos que isso é inadmissível.
Em suas redes sociais, ele diz que a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março do ano passado, usava a pauta racial para se aproveitar. Como você encara isso?
Além de rejeitar Zumbi, ele rejeita uma personalidade do nosso tempo como a Marielle, um símbolo de resistência negra. Mas ele é um homem negro que,com certeza, tem no seu corpo marcas do racismo. Mas infelizmente ele reproduz o racismo nas suas práticas.
Você e Marielle eram grandes amigas, além de companheiras políticas. Ela foi assassinada e você já recebeu inúmeras ameaças. Como tem se protegido?
Desde que eu topei a tarefa de ser figura pública recebo muitas ameaças. Desde difamação e injúria, até coisas mais concretas, como pessoas armadas em frente a comitê de campanha e ligações com ameaça de morte para a sede do PSOL. Recentemente a Polícia Federal identificou um risco à minha vida.Desde então, conto com escolta da polícia legislativa.
Você ainda recebe ameaças? Há um monitoramento para saber de onde elas vêm e quem são seus autores?
Nosso mandato questiona parte das instituições como a polícia, que age de forma equivocada. Existe o principal problema no Rio, que é a milícia. A gente tem um arquivo só de ameaças de morte recebidas em redes sociais. Mas, para além disso, existe o submundo da deepweb. Um verdadeiro escritório do crime se organiza na deepweb, onde há até chefes da milícia. A gente monitora, mas o papel de investigar é da polícia. E o meu mandato com certeza é influenciado por isso. Temos um mandato muito vinculado à periferia. Mas não é em qualquer lugar que você consegue chegar com carros pretos blindados e homens armados. Não é em todo lugar que se pode circular livremente como eu fazia antes. Toda minha agenda é monitorada antes para ver se eu consigo ir. Mais de um ano depois da morte de Marielle, os mandantes ainda não foram descobertos.
Como você encara isso?
Embora a gente fique satisfeito parcialmente em saber quem apertou o gatilho – o que mostra que o caso está andando - é um absurdo ainda não sabermos quem mandou matar Marielle e Anderson. É com muita indignação que a gente vê essa falta de resposta. Infelizmente, a gente tem o crescimento do ódio e o crescimento das milícias através do Estado. Os grupos de extermínio elegem até presidentes e senadores. Então, se a milícia tem um de seus braços no Estado, não basta saber quem apertou o gatilho, precisamos responsabilizar os mandantes.