Monica Benício, viúva da Marielle  - Reprodução / Internet
Monica Benício, viúva da Marielle Reprodução / Internet
Por Alexandre Braz

Há mais de 680 dias, Mônica Benício, de 32 anos, espera do Estado brasileiro uma resposta que ainda não veio. Companheira da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 14 de março de 2018, ela abandonou os planos profissionais (que incluía um mestrado em sua área de atuação) na busca por justiça. Mônica, que é arquiteta, conta que sua rotina foi altera completamente desde o assassinato, que a levou à militância pelos direitos humanos, da mulher e dos LGBTQ . "Não tem sido fácil, minha principal função hoje, ao invés de exercer a arquitetura, virou basicamente ser militante por direitos humanos em tempo integral. Não há democracia enquanto o Estado brasileiro não responder quem foi o mandante desse crime. Isso tem que estar claro e bem posicionado", afirma. Confira abaixo outros trechos da entrevista.

ODIA: Como tem sido a vida da senhora desde o assassinato de Marielle?
MÔNICA: Eu sou arquiteta de formação, na época da execução dela estava fazendo um mestrado. Isso era a minha prioridade. Tudo se modificou muito devido a existir hoje essa luta de justiça por Marielle, já que o Estado até hoje não respondeu quem foi o mandante do assassinato. Não tem sido fácil. Minha principal função hoje, ao invés de exercer a arquitetura, virou basicamente ser militante por direitos humanos em tempo integral. Hoje essa busca por justiça é maior do que ela era. Antes, a dor da companheira, que perdeu o amor da sua vida; hoje, a resolução do caso que é um compromisso que o Estado brasileiro tem que ter com a democracia.

A senhora acredita na democracia?
Se eu não acreditasse, não estaríamos nos falando nesse momento. Acredito que isso tem que ser um compromisso de todo brasileiro. Temos de ter compreensão de que o Brasil tem uma democracia muito jovem, muito frágil, que foi construída em cima do sangue do povo negro, indígena, das mulheres. Meu compromisso é com o estado democrático de direito, com uma sociedade mais justa, mais igualitária. O brasileiro que não está acompanhando essa atual conjuntura política, que não está muito preocupado com isso, não está entendendo o que está acontecendo.

O defensor dos direitos humanos defende direitos de bandidos?
Eu não acredito que esse tipo de análise que ouvimos constantemente seja somente uma bobagem do discurso social. Na verdade, entendo essa criminalização como um projeto de poder da ultra-direita. É extremamente interessante para a direita que seja compreendido como um defensor de bandido, porque isso faz com que a sociedade de maneira geral crie esse olhar que criminaliza, banaliza e que quase legítima quando um defensor dos direitos humanos é assassinado, por exemplo. Ser defensor dos direitos humanos é ser a favor de uma vida de qualidade, justa, para todos e todas, de forma igualitária.

A Marielle defendia bandeiras que geram discussão. Muita gente diz que "essas bandeiras" a fizeram ter o fim que teve. O que pensa a senhora sobre esse tipo de pensamento?
Esses argumentos vão justamente na mesma linha que quase criminaliza os direitos humanos. Não é de se estranhar que essa sociedade machista, misógina e patriarcal se defenda cada vez mais com esse discurso da justificativa, que coloca a vítima como culpada. Uma das coisas que o movimento de mulheres tem feito de cada vez mais enfática é dizer: a culpa nunca é da vítima. Imagina uma mulher que foi estuprada, chega na delegacia para prestar ocorrência, o delegado fala: "Onde você estava? Que horas? Com essa roupa? Fazendo o quê?". Isso é uma segunda violência, a gente tem tido muito trabalho para sensibilizar a sociedade nessa compreensão.

Qual o principal legado deixado pela Marielle, na opinião da senhora?
Esse legado está ainda em formação. Seria até leviano com a história dela dizer que já está consolidado. O mais bonito é que ainda está em transformação. É emocionante chegar em vários países e ver o rosto dela estampado na parede, em cartazes pela rua. O rosto dela virou um símbolo de representatividade para mulheres que não se sentiam representadas. Ela consegue ser um lampejo de esperança, um elo para dar um fôlego no que era essa luta das mulheres.

A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização da investigação do caso. O que pensa a respeito?
A posição das famílias (da vereadora e do motorista Anderson, também morto) já está posta, que é ser contrária. Eu falei isso em uma oportunidade de reunião com o ministro Sérgio Moro, que por ora havia votado a favor. Declarei publicamente que não aceitava essa decisão. A compreensão é de que o melhor para as investigações é que elas continuem aqui no Rio de Janeiro. O Ministério Público vem mostrando trabalho a respeito do caso, então não se justifica essa federalização, porque teria que haver uma inércia, um desejo deliberado de obstruir as investigações e isso não tem acontecido. O pedido ainda está sendo analisado. Isso (a federalização) geraria um atraso. Temos presos os acusados de serem os executores. Esperamos que sejam julgados. Mas as principais questões ainda não foram respondidas, que são quem mandou matar e por quê. Não há democracia enquanto o Estado brasileiro não responder quem foi o mandante desse crime. A sociedade tem que entender que essa luta não é apenas uma luta pela mulher que era minha companheira, não é uma luta personalista. Foi um assassinato, um crime político, que tinha um recado a ser dado naquele corpo que o Brasil julga ser o mais descartável, que é o da a mulher, do LGBT, do negro. E isso tem que ser enfrentado de forma muito responsável pelo Estado brasileiro.

Na análise da senhora, como o Brasil trata as suas mulheres?
Infelizmente, o Brasil é um exemplo do que não se deve fazer no que tange o direito das mulheres. Nós temos uma série de leis que garantem o direito das mulheres, mas essas leis são violadas diariamente. Infelizmente essas leis não são postas em prática de maneira efetiva e eficiente, o Brasil é um dos países com maiores índices de feminicídio do mundo.

Afora o termo técnico, o que é ser uma mulher feminista?
Sem o entendimento acadêmico, sem os debates amplos que nós poderíamos fazer sobre o termo, feminista é uma mulher que esteja comprometida com a vida e com a liberdade do direito ao corpo de todas as mulheres. Seja autonomia do que vai vestir, de como vai se comportar, do que quer trabalhar, dentro do lar ou não, se quer ter filho ou não. Então não é só o direito, mas também ter o exercício pleno do domínio do seu corpo, seja ele no campo pessoal, político ou social. Qualquer mulher que esteja comprometida e queira direitos iguais na sociedade hoje, é uma mulher feminista. Entenda-se ela como feminista ou não.

A senhora pensa em ser candidata a algum cargo político?
Hoje não digo nem que sim nem que não. Não é uma decisão tomada. Esse lugar da política institucional nunca foi um lugar onde eu tenha pretendido ocupar. Não é algo que eu pretenda, mas se em algum outro momento for uma responsabilidade que eu me considerar apta, dar conta com responsabilidade, me colocarei à disposição.

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A senhora falou sobre "chegar em vários países". Tem viajado pela militância dos direitos humanos?
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Eu nunca havia feito uma viagem internacional, não tinha passaporte. Depois da morte da Marielle é que comecei a viajar, sempre por militância, com intuito de pedir apoio internacional nessa campanha por justiça.

 

A senhora pensa em ser candidata a algum cargo político?

 

Hoje não digo nem que sim nem que não. Não é uma decisão tomada. Esse lugar da política institucional nunca foi um lugar onde eu tenha pretendido ocupar. Não é algo que eu pretenda, mas se em algum outro momento for uma responsabilidade que eu me considerar apta, dar conta com responsabilidade, me colocarei à disposição.

 

 

 

A senhora falou sobre "chegar em vários países". Tem viajado pela militância dos direitos humanos?

 

Eu nunca havia feito uma viagem internacional, não tinha passaporte. Depois da morte da Marielle é que comecei a viajar, sempre por militância, com intuito de pedir apoio internacional nessa campanha por justiça.

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