Marina Silva, do partido Rede Sustentabilidade - Evelson Freitas
Marina Silva, do partido Rede SustentabilidadeEvelson Freitas
Por Sidney Rezende
A ex-ministra do Meio Ambiente e presidenciável, Marina Silva, tem repetido que o Brasil enfrenta hoje duas graves crises: controlar a pandemia da Covid-19 e interromper a destruição acelerada da Floresta Amazônica. Nesta entrevista ao Informe do Dia, a maior expoente política nacional da Rede também conversou sobre a situação do Rio de Janeiro no enfrentamento da pandemia de coronavírus e os nós que ainda precisarão ser desatados se o país quiser melhorar a atmosfera política.

Vamos começar falando do coronavírus. Qual a sua avaliação sobre a situação do Rio de Janeiro nesta crise? O prefeito deveria apostar na flexibilização do isolamento social?

O sistema de Saúde do Rio de Janeiro já estava em colapso, aclarado pelas pessoas que esperavam ser atendidas, os corredores cheios, nas frentes dos hospitais, meses na fila, tentando um exame, uma consulta. É uma realidade do Brasil, mas que se agrava no Rio. Como se não bastasse, existem os graves problemas de violência, crise econômica com informalidade grande, um estado que tem sido assolado pela corrupção em diferentes governos, em diferentes setores. Um trauma de sofrimento. Já está confirmado que a única forma de enfrentar a Covid-19 é o isolamento social, impedindo uma contaminação em massa. Os equipamentos, público ou privado, não chegam às comunidades, locais das pessoas mais humildes. Incentivar abertura do comércio, circulação de pessoas e afrouxamento das medidas... isso torna cada vez maior o risco nas comunidades onde já chegou a doença. As pessoas moram muito perto, não tem saneamento básico, o mesmo balde é usado na caixa de água (fonte de contaminação), o mesmo espaço pequeno para idosos e jovens. Nas comunidades, é muito difícil você fazer trabalhos de contenção. Fazer pressão para relativizar o isolamento não é adequado. Quem tem responsabilidade não tem de pensar na próxima eleição. Tem de fazer o que deve ter feito para preservar a vida da população. Como diz o Gilberto Gil e eu sempre repito, "o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe". O político tem a obrigação de olhar para as coisas que o povo quer, e, em muitas, por faltar condição, não sabe que quer. Neste momento, temos de trabalhar para proteger, levar a renda básica, criar os meios de acesso para receber, pelas medidas criadas, com serenidade, os benefícios para população. Tem alguns grupos que gostariam de incluir e sofre de altíssimo risco, risco coletivo, não só pela idade: a população indígena. Nós temos confirmação de contaminação no povo ianomâmi. É fundamental que o governo tome todas as medidas. O ministro Sérgio Moro não pode ficar assistindo o problema como fosse apenas da área da saúde. Ele tem de criar os meios para criar isolamento social coletivo para populações indígenas. Até neste momento, o ministro do Meio Ambiente, a única notícia que temos dele é que está espalhando fake news sobre coronavírus, que depois foram retiradas da própria plataforma. É necessário que o Ministério da Justiça crie um proteção, que não haja invasão de garimpeiro e madeireiro que contamine os indígenas. A frente parlamentar coordenada pela deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) e a própria frente parlamentar têm trabalhado muito.

Ainda em relação ao Rio, qual a expectativa sobre a candidatura do Eduardo Bandeira de Mello da Rede para prefeitura?

Bandeira tem qualidades excepcionais, até pelo exemplo do que ele fez no Flamengo, tem uma visão de política como serviço, não tem ansiedade tóxica de precisar pisar no pescoço de ninguém para chegar ao poder e está trabalhando para fazer uma construção com outros partidos e setores da própria sociedade para criar uma alternativa para que o Rio de Janeiro supere as possibilidades historicamente conhecidas, tanto na direita como na esquerda. Ele é uma pessoa que tenta o diálogo com a sociedade. Quanto à eleição, estamos vivendo um momento excepcional. Agora todos nós na Rede estamos muito focados em dar uma melhor contribuição no que possa ser possível. Estou muito focada na defesa da vida, não podemos atropelar a crise, nem cair no jogo daqueles que querem que a eleição atropele este momento, até porque devemos fazer um debate no sentido de saber se as eleições serão adiadas. Os partidos têm de dar exemplos em relação ao isolamento social, não é só o operacional como filiações e debate.

Nos debates presidenciais de 2018, a senhora apontou as contradições do Bolsonaro. Ele não enganou o país sobre o que ele significa? O país está em perigo?

Estava evidente para muitos que o Bolsonaro não tinha condição de dirigir o país. Como ele é o presidente, a sua deficiência se torna clara. Só alguns que não querem ver, pois têm a cegueira ideológica do apoio incondicional. Quem está liderando os processos são os governadores, o Congresso, o judiciário e o Ministério da Saúde. Bolsonaro só pensa em projeto de poder, fazer política desagregadora e na base do ódio. Como em relação aos próprios governadores e à própria equipe que deveria estar liderando e potencializando os recursos humanos, financeiros e da sociedade. Mas ele não cumpre este papel, ao contrário, ele hoje é um vetor de dificuldade para que as coisas aconteçam. Eu diria que temos no Brasil uma situação particular, pois, no mundo, mesmo que tenham tido posições como o primeiro-ministro inglês e a Itália claudicante, mas todos eles se renderam à ciência ou à realidade. O prefeito de Milão teve de fazer mea-culpa ao público. O Bolsonaro, com atitude dele, quer assinar o estado de óbito de cada pessoa que vai perder a vida, com essa loucura de valorizar a economia primeiro que a vida. Estas duas coisas não devem ser postas em oposição, você não deve por para as pessoas o dilema de comer ou viver. As duas coisas devem ser tratadas, mas, no momento, risco é incomparavelmente maior para vida. Já que ele não se sensibiliza com milhões dos infectados e os milhares que perderam suas vidas, achando que é uma quantidade pequena, em relação ao total de pessoas, ele tem de entender que, no momento que cresce a pressão sobre o sistema de saúde, vai ter mais gente morrendo de todas formas, acidente de trânsito, AVC, crise renal, infarto, tudo isto vai aumentando. O número de doenças pode levar ao colapso do sistema. Ele não tem condição de liderar o processo, ainda bem que os governadores tomaram atitude, os nordestinos criaram (de forma interessante) um comitê científico para acompanhar. Aliás, era isso que deveria ter feito de imediato, ter acompanhado a ciência, e não se prescrever remédios sem ter autoridade médica para fazer.

A senhora teme alguma tentativa de controle da democracia?

Ultimamente o Congresso tem tido a atitude de olhar o que é mais importante, cuidar dos mais necessitados, da população, evitando os desmandos e com sentimento de urgência. O próprio judiciário, com olhar de acompanhamento, a comunidade científica muita ativa e colocando as questões, entrando nos méritos da questão, e os próprios formadores de opinião, como vocês, tantos outros neste país, informando adequadamente a população, prestando um serviço de interesse público. Num contexto como esse, o Bolsonaro se enfraquece, mas a sociedade civil e instituições democráticas se fortalecem. Não há espaço para qualquer projeto anti-democrático. Ainda que saudosistas de regimes de exceção, a pretexto, tentem criar situações, com objetivo de criar uma anti-sala ao desrespeito a Constituição. O que vemos é Bolsonaro, diante de suas provocações, preferir o descontrole no país para declarar estado de sítio. Ele queria pelo menos ter o gostinho de ter poder absoluto, mas o Congresso, com todas as contradições - não podemos dizer que temos o Congresso dos sonhos -, tem cumprido suas obrigações de defender a democracia. Então, penso que nossa sociedade é contra, diante de uma ditadura que vivemos com corrupção, a falta de transparência, o sofrimento que foi imposto àqueles que tiveram seus entes queridos mortos, torturados e desaparecidos. Não há espaço para isso. O que temos de fazer é separar a legítima defesa do interesse do cidadão brasileiro, defesa da vida. O funcionamento adequado dos mecanismos precisam ser acionados para socorrer os mais frágeis, tanto indivíduos como empresas pequenas que correm riscos de perder uma quantidade de postos de trabalho. Não há espaço para qualquer projeto autoritário.

Existe alguma conversa no campo democrático para união entre diferentes?

É um momento delicado. O presidente tem mais atrapalhado que ajudado, tem mais provocado que apaziguado os ânimos, tem a incapacidade de aproveitar as qualidades dos que estão trabalhando com ele. Estamos vivendo uma situação de emergência, e nossa união deve ser no sentido de ajudar como as coisas podem ser melhor conduzidas. Existe, sim, um diálogo entre partidos, como o meu partido, a Rede, PSB, PV, e PDT, neste campo. Mas devemos separar do que é política eleitoral, neste momento. Tudo o que não precisamos é de, em vez de superar este drama, não cuidar deste desafio, e fazer a disputa pelo poder. A disputa é pela luta de condições (meios) financeiras e saúde para fazer esta travessia dramática da humanidade, em que o coronavírus já chega nas comunidades das grandes cidades. A necessidade de ter um campo que não esteja no guarda-chuva da polarização, tanto do bolsonarismo, quanto do petismo, ou do lulismo, como dizem alguns. É, digamos assim, uma necessidade histórica para o Brasil, pois é preciso criar uma alternativa de projeto de país em vez de projeto de poder. Aliás, só quem tem projeto de poder não sabe o que fazer quando chegam problemas reais, porque tudo que eles fazem é disputar, como conquistar ou manter o poder. Permanecer no poder deveria ser reflexo do que se faz, da capacidade de dar respostas, para saúde, transporte, combate à corrupção, proteção do meio ambiente, geração de emprego e benefício para a população. Quando só se disputa o poder, fica-se que nem Bolsonaro, que, quando chegam os problemas reais, não sabe o que fazer e apenas disputa o poder, em vez de defender os meios que protegem a vida.