26/09/2018 - Eleição 2018 - Entrevista com Chico Alencar, do PSOL, candidato ao cargo de Senador pelo Rio de Janeiro. Foto de Alexandre Brum / Agência O Dia - POLITICA CIDADE ELEIÇÃO VOTO PLEITO GOVERNO ESTADO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CARGO URNA TSE TRE DEPUTADO FEDERAL SENADO CONGRESSO NACIONAL PARLAMENTAR - Alexandre Brum / Agencia O Dia
26/09/2018 - Eleição 2018 - Entrevista com Chico Alencar, do PSOL, candidato ao cargo de Senador pelo Rio de Janeiro. Foto de Alexandre Brum / Agência O Dia - POLITICA CIDADE ELEIÇÃO VOTO PLEITO GOVERNO ESTADO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CARGO URNA TSE TRE DEPUTADO FEDERAL SENADO CONGRESSO NACIONAL PARLAMENTARAlexandre Brum / Agencia O Dia
Por Sidney Rezende
Chico Alencar é um político diferenciado. Carioca da Tijuca, mantém um ar de garoto constante. É comum vê-lo com sorriso nos lábios. Sabe ser veemente, mas não ofensivo. É querido até por pessoas que pensam diferente dele. Aos 70 anos, viveu intensamente a oscilante política brasileira. Filho de um piauiense e uma paulista, e pai de quatro filhos: Emanuel, Ana, Lia e Nina, das zelosas mães Angela (os três primeiros) e Claudia. Também é avô de Tom, Olívia, Bento, Clarice, Aurora e Santiago. Chico não perde o bom humor. Professor de História pela Universidade Federal Fluminense, ele agora voltou aos bancos escolares para cursar doutorado. Muita gente questiona se, ao ser derrotado para o Senado em 2018, em que obteve 1.282.373 votos, ele deixaria a vida parlamentar. Nós também fizemos esta pergunta e você lerá a resposta logo abaixo. Nesta entrevista, Chico Alencar também comenta como interpretou o impacto da reunião ministerial do presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares. Vídeo arrolado pelo ex-ministro Sérgio Moro para provar que o chefe da nação já sinalizava seu desejo de interferência na Polícia Federal. E, tratamos, ainda, dentre outros assuntos, de um fenômeno brasileiro: "a sempre difícil união das esquerdas". Chico lançou luz num outro sentido: "A direita também se divide!".

O senhor se aposentou da vida partidária? Pensa em voltar a concorrer a algum cargo eletivo?

Não separo vida partidária de prática cidadã. Mas essa é mais ampla, e para a vida toda, enquanto eu tiver consciência do mundo e de mim mesmo. Partido é escolha e, às vezes, ele se esgota, se burocratiza, até se corrompe. Considero o PSOL um partido absolutamente necessário, por sua nitidez ideológica e compromisso ético. No momento, retornado à UFRJ e ao ambiente educativo, estou cursando um doutorado, minha prioridade. É bom não ser "político profissional", e nem por aquela tal "aposentadoria parlamentar" eu optei. Só que a "vocação" da vida pública não sai: sou convidado o tempo todo para debates - mesmo virtuais -, para opinar sobre isso e aquilo, para escrever artigos. Confesso que gosto, e continuo ativo nas redes. Não cogito candidatura, mas posso vir a considerar a disputa de cargo eletivo, se houver essa demanda coletiva. O tempo dirá.

Chico, o que de mais importante para a política fica após o conhecimento do conteúdo do vídeo do presidente e seus ministros?
O reconhecimento público do "jeito de ser" do governo, com um chefe que sonha em armar os que querem enfrentar medidas de isolamento e que confessa ter espionagem particular. Que, aos palavrões, não admite investigações sobre parentes e amigos. Que, antirrepublicano, xinga dirigentes eleitos de estados e municípios. Um governo insensível que, em três horas de reunião, só aborda a pandemia por cinco minutos. Um governo com ministros que declaram querer prender membros do STF, governadores e prefeitos, e que está na hora de vender a "p***a do Banco do Brasil". Um governo que, reunido para debater um natimorto Plano Pró-Brasil, mostra que ofende o presente do Brasil e que quer matar seu futuro.

Por que as esquerdas no Brasil têm tanta dificuldade em se unir contra um adversário comum?
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A direita também se divide! Na campanha presidencial de 2018, tinha mais candidato conservador do que da esquerda. Mas, diante do avanço da extrema-direita e do neofascismo, a necessidade da aproximação das forças progressistas cresceu muito. Estou propondo que, desde agora, nas eleições municipais, construamos uma mesa de diálogo - remoto, por enquanto - entre todos os partidos desse campo (contei dez!), para elaborar um programa mínimo municipal. E falar com franqueza das pretensões de cada um, dos pré-candidatos que tenham, das possibilidades de apoio a alguém que possua mais reconhecimento. No Rio, o Freixo, por sua liderança, carisma e densidade eleitoral comprovada, poderia liderar esse encontro, inclusive antecipando que poderia abrir mão de seu nome para facilitar eventual consenso. A retirada prévia de sua pré-candidatura pode, ao contrário do que pretende, gerar uma dispersão maior. É urgente que saia, ao menos, um pacto de não agressão na campanha, com apoio a quem do nosso campo chegar no 2º turno.

Qual a proposta da esquerda para o país?
Nossa proposta geral é a das reformas substantivas - não essas do neoliberalismo - para enfrentar o maior problema estrutural do Brasil, que antecede a terrível pandemia e a agrava: a secular desigualdade social. Defendemos uma Reforma Tributária, com taxação do grande capital - vale dizer, das polpudas fortunas e heranças, do acúmulo financeiro e especulativo. Queremos uma Reforma Urbana, que combata a ideia da cidade-mercadoria e a especulação imobiliária. Queremos uma Reforma Política, que possibilite que as maiorias sociais sejam maioria também na representação, e haja respeito às ditas "minorias" tão discriminadas. E participação popular, com paridade de gênero, nas decisões de governo. Queremos o cuidado ambiental não apenas no discurso, mas nas práticas de políticas públicas, inclusive na grave questão do tratamento do lixo. Defendemos o Estado necessário, na Saúde pública e na Educação de qualidade para todos. Queremos, por fim, como objetivo estratégico, a socialização dos grandes meios de produzir e de governar. Mas isso não vem por decreto, nem lei, e, sim, através de consciência e organização do povo. Toda proposta mudancista de esquerda precisa estar animada - e encantar cada vez mais gente! - com a chama das utopias. No plural, pois utopias hoje são muitas e mutáveis, mas sempre imprescindíveis.

Quais os motivos que levam 30% do eleitorado a se identificar com Bolsonaro?
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Há muitos fatores. Um certo cansaço com a "mesmice" da política, que pareceu tornar todos os partidos iguais, inclusive nas práticas degeneradas. Uma rejeição ao mundo dos "políticos", que não melhora a vida concreta das pessoas. Bolsonaro conseguiu vender a imagem falsa de que era contra "tudo isso aí", contra o sistema. Logo ele, que é a face mais perversa do sistema, vive de mandatos parlamentares há décadas, e colocou seus filhos na mesma trilha. Logo ele, que nunca combateu efetivamente a corrupção, vide ter sido por muito tempo do partido de Maluf, ter apoiado Cunha e agora se aliar ao Centrão. Ele também foi visto como alguém voluntarioso, que resolve tudo na porrada, a última tentativa depois de promessas de Justiça não realizadas pela Nova República. A questão da segurança também pesou, e a esquerda sempre lidou mal com isso. Por fim, a facada estúpida teve um peso fundamental: ele, no mês mais decisivo da consolidação do voto, passou a ser visto como vítima, aparecendo nos telejornais num leito de hospital (na época, ao contrário de agora, exibiu sem pudores seu estado de saúde). E teve o álibi para não participar de nenhum debate, onde suas mentiras ficariam expostas. Mas hoje está em lento, mas crescente declínio, tamanhas as incoerências que pratica, sandices que pronuncia e agressões a direitos que seu governo comete. É um desastre em todas as áreas, o pior da nossa história republicana.
O senhor é professor de história. É preciso rever a forma como imaginamos o povo brasileiro? Está certa a nova leitura que nosso povo é autoritário, violento e fascista?

Como dizia Darcy Ribeiro, somos um povo feito de povos desfeitos. Ainda não nos constituímos plenamente como povo cidadão. Ainda temos muito de massa, com o peso de quatro séculos de escravidão, superexploração, mandonismo, concentração da propriedade e do acesso à educação e à cultura. Boa parte da nossa gente está à margem, afundada na "ninguendade". E as elites econômicas querem a perpetuação dessa situação de exclusão. Nosso povo não é fascista e autoritário: gente que pensa e age assim não passa de 10%. Mas também não é revolucionário, consciente de seus direitos, ativo nas suas conquistas. Há um sentimento conservador forte, em especial no âmbito dos costumes. Muitas vezes, a forma como é passada a ideia correta da libertação feminina e de uma necessária nova política de drogas, por exemplo, coloca em posição defensiva setores das classes populares. É uma questão pedagógica. Nossa cultura democrática ainda é muito frágil. Mas, entre avanços e recuos - como o terrível de agora -, vai caminhando... Esse governo neofascista militarizado e entreguista de Bolsonaro está se tornando disfuncional para a própria burguesia que o apoiou. É um ponto fora da curva e não vai se perpetuar.

Por que a política do Rio de Janeiro é pródiga em gerar autoridades que se envolvem com a corrupção?

Sustento que contribui para isso o fato de termos sido capital da colônia, sede de governo dependente, com uma "Corte infame, corrupta e depravada", como denunciava o jornalista Hypólito José da Costa. E sede do Império, com aquela aristocracia cheia de privilégios, e depois da República, dos coronéis e bacharéis, do aparelho estatal pouco poroso às demandas populares, constituindo uma burocracia voltada para si mesmo. Nossas mazelas também chocam pela projeção que o Rio e a casta dos que ocupam funções públicas aqui acaba ganhando. Mas tem muito aprendiz de Cabral e similares pelo Brasil inteiro: a corrupção entre nós é sistêmica, histórica, larvar... Só que tudo no Rio repercute mais. Para nosso consolo, também demos ao país grandes lideranças políticas, artísticas e populares. Glória a todas as lutas inglórias!

As milícias venceram? A sociedade tem forças para derrotá-las?

As milícias não vencerão. Têm muita força, de fato, oriunda de uma estrutura que se alimenta do aparato estatal, e em parte o capturou. Muitos governantes as defenderam na origem, como "autodefesa comunitária". Nisso elas se diferem do poder armado do tráfico. Mas nenhuma sociedade sobrevive sem reagir a controles despóticos e ilegais por muito tempo. As pessoas de bem, que querem um Poder Público transparente e atuante, que combata as opressões, são 80% da nossa sociedade. Não é possível que a submissão e o medo prevaleçam. É preciso cortar os dutos econômicos e políticos das milícias. Até empreendimentos imobiliários delas estão aparecendo - e desabando. Seus vínculos com o assassinato da nossa amada Marielle e do Anderson, um crime político de repercussão mundial, estão evidenciados. O chefão Adriano, amigo dos Bolsonaro, teve que se esconder e acabou como sabemos. As relações das milícias com figuras políticas também estão sendo desnudadas, e isso tende a dar em cadeia e desmonte de esquemas. Vai ser duro, vai ser difícil, mas elas serão, progressivamente, contidas. Pode demorar, mas a civilidade vencerá.

As favelas do Rio só crescem e o povo que nelas vive reclama que não se vê representado junto aos poderes estabelecidos. O que fazer para mudar isso?
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Graciliano Ramos, grande escritor e militante de esquerda, disse que "o povo não tem amigos; o único amigo do povo é o próprio povo, organizado". Todas as favelas e comunidades esquecidas pelo Poder Público têm que se auto-organizar, gerar suas próprias lideranças, ter seus próprios candidato(a)s. Sempre houve essas experiências bonitas de luta por direitos do povo pobre. Nos anos 50 do século passado, havia forte resistência contra as remoções. Tive o privilégio de participar de um dos primeiros encontros de Luis Carlos Prestes voltando do exílio. Sabe onde foi? No Borel, num espaço da igreja católica, com o saudoso padre Olinto. A representação política não paternalista, nem de "benfeitores", virá do povo que sabe que tudo tem que ser na base do "nós por nós mesmos". Uma dinâmica bonita que essa pandemia provocou, para além da heroica dedicação dos profissionais da Saúde, foi a solidariedade das próprias organizações faveladas e de comunidades pobres. Não ficaram esperando sentadas o "papai Estado" aparecer. A solidariedade comunitária é uma categoria política fundamental para os tempos que virão, pós-pandemia. Assim espero, e esperança se constrói!