Vereadora Luciana Novaes - Divulgação
Vereadora Luciana NovaesDivulgação
Por Sidney Rezende
Uma das vereadoras da Câmara do Rio mais antenadas nos problemas sociais tornou-se conhecida por uma trágica fatalidade. Luciana Novaes cursava enfermagem, em 2003, na Universidade Estácio de Sá, quando foi atingida por um tiro de bala perdida no campus do Rio Comprido. Ela ficou tetraplégica e dependente de ventilação mecânica. Mas nem o diagnóstico de apenas 1% de chance de sobrevivência a fez desistir. Luciana não só superou as dificuldades, como também se adaptou à nova vida e voltou a estudar, formou-se em Serviço Social e concluiu pós-graduação em Gestão Pública. Em 2016, após a terceira tentativa a um cargo parlamentar, Luciana Novaes, do PT, foi eleita a primeira vereadora tetraplégica do Rio de Janeiro e, por três anos consecutivos, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da Câmara dos Vereadores.
Uma das suas preocupações é com a segurança pública. A senhora foi vítima da insegurança que os cariocas já vivenciam há anos. Existe alguma receita para reduzir estes índices vergonhosos?
Publicidade
Não existe receita mágica. É preciso ter boa vontade para mudar esse quadro. Tem que ter disposição política e saber ouvir as boas ideias. Eu diria que uma coisa fundamental é construir um esforço entre o município, o estado e o governo federal para frear esse aumento constante nos índices de criminalidade. Os últimos governos apostaram na lógica do confronto e isso se mostrou ineficaz. Nós precisamos construir um aparato seguro de inteligência, investindo no modelo que os especialistas chamam de ciclo completo, que integra os esforços dos policiais civis e militares no esclarecimento dos inquéritos. As ações policiais devem ser coordenadas para enfrentar o crime organizado. É necessário chegar até aos grandes traficantes e prendê-los, só assim vamos desarticular os cartéis de drogas, armas e munições. Temos uma taxa muito alta de crimes não solucionados, isso gera uma sensação de impunidade. O desenho urbano da cidade conta muito. Nesse sentido, precisamos diminuir a desigualdade entre as regiões, dando mais atenção aos lugares com vulnerabilidade socioeconômica e investindo em aspectos de prevenção social, entre eles: saúde, educação, acesso ao emprego, renda e habitação.
A senhora é vereadora. O que é possível fazer, mesmo sabendo que o poder de polícia é do Estado?
Publicidade
Embora não exista uma atribuição constitucional específica aos municípios quanto à atuação na segurança pública, com exceção da proteção do patrimônio, acredito que a prefeitura e os gestores municipais precisam encarar esta calamidade de uma vez por todas e com muita seriedade. Como vereadora, acho que uma das coisas que podemos fazer é criar propostas que garantam o que chamamos de "direito à cidade". Ou seja, incentivar uma interação maior do povo carioca com a cidade do Rio de Janeiro. Nossos espaços urbanos ficam muito desertos em determinadas horas, e se a gente tem eventos culturais nesses períodos, podemos garantir circulação de pessoas, isso evita a sensação de insegurança. Outra coisa que podemos propor é um novo modelo para a Guarda Municipal. Esses agentes também podem atuar para intermediar os cidadãos e os serviços oferecidos pelo poder público, como os vários programas de assistência social, isso já acontece em alguns países da América Latina. É preciso reservar uma cota do orçamento para investir na reestruturação dos instrumentos de proteção e segurança, eficazes no combate ao crime na preservação das vidas de nossos cidadãos e de nossos agentes policiais.
Sobre o combate à corrupção, o que não foi feito e a senhora considera urgente?
Publicidade
A corrupção é um tema que preocupa a mim e a todos os brasileiros. O que eu considero mais urgente é criar esses mecanismos de acompanhamento dos gastos públicos. E criar um ambiente de independência das instituições de controle. Não pode jamais um político interferir em investigações, ou o gestor público possuir informações privilegiadas do que ocorre nos órgãos de inteligência. Isso é um verdadeiro absurdo e precisamos punir qualquer indivíduo que se aproveite do seu cargo para se beneficiar de informações privilegiadas e interferir em investigações em curso.
A investigação que coloca no centro da crise o governador Wilson Witzel, em meio a uma pandemia, exigirá que tipo de providências das autoridades?
Publicidade
Sinceramente, acho que o povo carioca não merece ver mais um governador envolvido em casos gravíssimos de corrupção. Todos os nossos governadores nos últimos anos, com exceção da ex-governadora Benedita da Silva, foram presos por atos de corrupção. O que gera o ambiente propício para a corrupção é a falta de transparência nos gastos públicos, como ocorre agora nas obras de construção dos hospitais de campanha. Nesse aspecto, precisamos aproximar a Controladoria Geral do Município e o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro e favorecer a independência desses órgãos para que ele funcione efetivamente como agente fiscalizador e auditor. Precisamos também que o povo tenha instrumentos eficazes para cobrar transparência dos seus representantes. Não adianta criar um site de transparência se ninguém consegue acessar ou mesmo entender aqueles dados.

Qual a sua avaliação da administração do prefeito Marcelo Crivella?
Não tenho nenhum problema pessoal com o prefeito, mas temos muitas divergências políticas. Acho que as promessas de campanha não saíram do papel. Temos índices desastrosos na educação e o sucateamento das nossas escolas. Vivemos um caos generalizado no setor de saúde, fato muito anterior à pandemia de coronavírus. No setor cultural, tivemos mais polêmicas do que progresso, como na tentativa do prefeito de censurar livros na Bienal. Existe uma paralisia na infraestrutura da cidade, no incentivo ao turismo e na criação de novos postos de trabalho. O prefeito tratou mal o funcionalismo público, não existe plano de estruturação de carreira e nossos trabalhadores sofrem constantemente com cortes injustificados de benefícios e atrasos no salário. Não é com orgulho que digo isso, mas Crivella não cuidou bem das pessoas.
Publicidade
A pandemia da covid-19 mostra que a sociedade precisa repensar modo de vida. O que isso impacta no cotidiano de pessoas com necessidades especiais?
Todos nós estamos passando por mudanças drásticas e temos construindo o que vários já entendem que seja o "novo normal". Muitas pessoas com deficiência estão no grupo de risco, porque têm fragilidades imunológicas severas, ou a própria condição física influi na evolução da doença, como é o caso das pessoas com Síndrome de Down, que muitas vezes possuem braquicefalia, prejudicando o sistema respiratório. A gente precisa pensar, ainda, naqueles que, assim como eu, precisam de cuidadores. Esses profissionais podem acabar nos expondo ao vírus, sem intenção. Porém, como dependemos desses serviços, eles não podem ser interrompidos. Por isso, recomendamos que os cuidadores mantenham precauções rígidas de higiene e segurança. Nosso gabinete tem orientado que as pessoas com deficiência sigam todas as recomendações das autoridades de saúde e redobrem a atenção com a higiene, principalmente com as mãos. O medo de contrair o vírus é grande, mas temos que pensar positivo e que juntos vamos superar essa situação.
Publicidade
A senhora é a favor da renda básica para os cariocas. Como funcionaria?
Não só sou a favor, como também fui coautora do projeto de renda básica carioca agora em tempos de pandemia. Na prática, nós determinamos que o valor de R$ 445,00 seja pago pela Prefeitura aos trabalhadores autônomos, ambulantes, informais e microempreendedores que já recebem e têm direito ao auxílio emergencial do governo federal. Temos a intenção de complementar a renda dessas categorias, assegurando que esse grupo, muitas vezes vulnerável socialmente, tenha pelo menos um salário mínimo durante esse momento de pandemia. Acho que poderíamos inclusive ir além, e formular um projeto para depois da pandemia, que garantisse renda aos nossos contribuintes, mas ainda é necessário um estudo dos impactos que isso iria gerar no orçamento do município, se fosse feito de forma contínua. O primeiro passo é garantir que o prefeito sancione esse projeto em tempos de pandemia, e que o benefício chegue à população que mais precisa.
Publicidade
Os animais estão sendo abandonados como resultado da gravidade da pandemia. O que fazer para evitar esta desumanidade?
Primeiro temos que investir na conscientização das pessoas de que seus animaizinhos não são transmissores do coronavírus. Muita gente abandonou seus pets, por acreditar que eles são agentes disseminadores do vírus. Isso acabou circulando nas redes sociais, esse é o problema das fake news: elas têm consequências práticas na vida das pessoas. Antes do coronavírus, nós enfrentávamos dificuldades em relação ao número de cães e gatos nas ruas, principalmente nas periferias. É importante mantermos e ampliarmos as campanhas de castração gratuitas, inclusive dos animais em situação de abandono. Acho que é necessário também formular uma política de adoção responsável, fazendo com que o sujeito que adotou arque com as responsabilidades de cuidar do animal. Da mesma forma, deve existir uma fiscalização mais constante e a punição para quem abandona os animais nas vias e espaços públicos.
Publicidade
 
Por que o Rio vive a doença mais gravemente do que outros lugares?
Publicidade
Lamentavelmente, não existe vacina e nem remédio para o coronavírus, por isso o mundo inteiro apostou no isolamento social como medida para conter a disseminação do vírus. Aqui na cidade do Rio de Janeiro, nós tivemos um isolamento muito parcial. Na Zona Oeste, por exemplo, só na última semana, vimos um bloqueio mais rígido, inclusive fechando o calçadão de Campo Grande e de Bangu. Esse isolamento frouxo trouxe consequências muito graves, um a cada cinco casos nessa região termina em óbito. Sei que é duro ficar em casa, ninguém gosta de se isolar e permanecer longe das pessoas que ama, mas essa é a medida necessária. Outra questão é a condição precária de moradia nas comunidades e periferias cariocas, nós não vamos resolver isso de um dia para noite, mas precisamos garantir o isolamento social de quem tem os sintomas. Em outros países, e até na nossa cidade vizinha Niterói, nós assistimos o poder público arrendar hotéis para abrigar a população de rua. Nós temos uma rede hoteleira enorme na cidade que está parada, poderíamos utilizar essa estrutura para abrigar aqueles que possuem mais vulnerabilidade social e de moradia. Também é um problema a questão da higienização, falta água e sabão para uma parte considerável da população da cidade. Veja o tamanho do absurdo: se sobe o morro para operações policiais, inclusive tivemos a chacina no Complexo do Alemão em meio à pandemia, mas nossos agentes públicos não têm a capacidade de fornecer esses itens básicos de higiene.