Marcelo Neri - Saulo Cruz/Divulgação
Marcelo NeriSaulo Cruz/Divulgação
Por Sidney Rezende
Marcelo Neri um dos maiores especialistas em políticas públicas do Brasil. Ele é doutor em economia pela Universidade de Princeton. Diretor do FGV Social, Professor da EPGE/FGV. Foi presidente do IPEA, Ministro de Assuntos Estratégicos e secretário-executivo do CDES (conselhão). Avaliou políticas públicas em duas dezenas de países e implementou políticas públicas em três níveis de governo no Brasil.
Neri também tem experiência internacional. Ele avaliou dados em duas dezenas de países e implementou políticas públicas em três níveis de governo no Brasil. Sua proposta de mecanismo de crédito social vinculado ao Desenvolvimento do Milênio recebeu o prêmio da Network Meeting, em Dacar, no Senegal. Marcelo Neri publicou livros sobre Planejamento de Políticas Públicas; Microcrédito; Cobertura Previdenciária; Ensaios Sociais; Diversidade; Superação da Pobreza no Campo; Bolsa Família; Percepções de Políticas Públicas; Inflação e Consumo, e A Nova Classe Média (indicado ao Prêmio Jabuti).
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Quais os efeitos mais concretos da pandemia de coronavírus na pobreza brasileira?
O resultado é surpreendente. Apesar da pandemia, o número de pobres no Brasil caiu 13,1 milhões entre 2019 e julho de 2020. Uma queda de 20,69%, ritmo muito superior ao observado em momentos de boom social no Brasil, como nos períodos seguintes ao lançamento dos planos de estabilização como o Cruzado, em 1986, e o Real, em 1994.
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O que podemos perceber com o auxílio emergencial do Governo?
A adoção de medidas para mitigar os efeitos da pandemia como a concessão do Auxílio mais que compensou na base da distribuição o choque adverso no mercado de trabalho. De maneira geral, a taxa de ocupação caiu pela primeira vez a menos da metade da população. A renda per capita do trabalho do brasileiro teve uma queda média de 6,7% e a sua desigualdade subiu 4,6%. Estes dados sugerem que quando acabar o efeito de anestesia do auxílio emergencial a situação vai piorar muito.
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Quais critérios vocês usaram para afirmar que o auxílio emergencial impactou não só renda como no comportamento de quem teve acesso a esta ajuda?
Para além do crescimento de renda, o segmento mais pobre, alvo do auxílio emergencial, apresenta taxas mais altas de isolamento social. Por exemplo, 27,8% deste grupo ficou rigorosamente isolado, e 48,3% ficou em casa e só saiu por necessidade básica, nível superior em 4 a 5 pontos de porcentagem em relação ao total da população. Estes resultados sugerem que o auxílio emergencial impactou não só renda como comportamentos mais ajustados às necessidades impostas pela pandemia no seu público-alvo.
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A manutenção do auxílio governamental mostra-se fiscalmente sustentável?
O auxílio custa cerca de R$ 50 bilhões mensais nos parâmetros atuais. A manutenção deste auxílio nos níveis iniciais não se mostra fiscalmente sustentável.
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Como se comportou a renda da classe média brasileira durante a pandemia?
Além dos 13 milhões que saíram da pobreza, os estratos superiores perderam 5,8 milhões de pessoas em plena pandemia. Ambos os movimentos impulsionam o contingente populacional intermediário. O miolo da distribuição de renda tupiniquim cresceu em cerca de 20,5 milhões de pessoas, quase meia população Argentina. Boas notícias dos mais pobres e más notícias dos mais ricos explicam isto.
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Onde estão os principais gargalos da pobreza do Brasil?
As avaliações sugerem educação, aí incluindo qualidade do aprendizado e aplicabilidade ao mundo do trabalho. É fundamental para romper com a transmissão da pobreza entre gerações. Outro elemento é o acesso ao capital produtivo, a qualidade da empresa que se trabalha tem se revelado chave nos novos estudos. Finalmente, a superação da informalidade pela melhora no ambiente de negócios, acesso a crédito produtivo principalmente nas pequenas empresas.
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Quantos brasileiros são de fato invisíveis pelas estatísticas nos últimos 10 anos?
Este grupo é bastante visível nos mapeamentos estatísticos anônimos, mas vive na escuridão quando se precisa atuar. O cadastramento pela internet ampliou a capacidade de chegar neste grupo. Na prática, falta ampliar a testagem deste registros com o uso de dados biométricos do título eleitoral, por exemplo. Esta é uma agenda que tem de avançar mais.
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Onde se encontrar os ricos brasileiros e quem são eles?
Para enxergar os ricos, é preciso de outro tipo de evidência como os dados do Imposto de Renda. Eles estão mais em lugares aprazíveis de se morar do que em áreas economicamente avançadas. Florianópolis e Vitória são as capitais com maior concentração de ricos do Brasil. O Lago Sul, em Brasília, apresenta taxas ainda maiores, não só pela qualidade de vida, mas pela densidade de funcionários públicos, símbolo do Distrito Federal, a Unidade da Federação mais rica do país. Seis das 8 ocupações mais bem pagas são de servidores federais. O dado sugere que, além de tornar os impostos mais progressivos, precisamos de uma reforma administrativa no setor público. 
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Como o Rio de Janeiro foi e será impactado pela pandemia?

A taxa de pobreza no estado caiu 17%, mais próximo do nível nacional do que da média do Sudeste (-9,7%). Sabemos que idosos se mostraram mais propensos a desenvolver um quadro severo da doença. Sobre a localização no território nacional, a Unidade da Federação que possui maior taxa de idosos é o Rio de Janeiro. O Rio é uma espécie de Flórida tupiniquim. A capital fluminense também é a que apresenta o maior percentual de idosos (14,5%). Além disso, a periferia metropolitana do Rio é a que apresenta maior percentual de idosos do país (11,9%), portanto, é esperado que os governos do Estado e da cidade do Rio cuidassem mais em termos de isolamento da população, uma vez que possuem a maior taxa de pessoas vulneráveis na população relativamente às demais regiões do país. Isto combina com outra vulnerabilidade frente à pandemia, que é a informalidade, em que a renda é mais sensível ao isolamento social da pandemia. Não há proteção social automática, tipo aviso prévio, FGTS e seguro desemprego. Além disso, não são enxergados, mesmo quando o Estado quer vê-los. A população fluminense é a mais invisível fora do eixo Norte-Nordeste, tendo subido 7 pontos de porcentagem, de 2014 a 2019, mais de 3 vezes mais que as do país. O resumo da ópera é que a periferia do Rio está mais vulnerável ao contexto da pandemia com perfil de lugares pobres.