Em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PSOL, Tarcísio Motta é um dos pré-candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, o parlamentar já ocupou a Câmara dos Vereadores de 2017 a 2022. Em entrevista à coluna, Tarcísio falou sobre fake news nas próximas eleições de outubro. "Essa é a tática daqueles que apelam para a mentira para insuflar o ódio nas pessoas e promover um pânico moral. Sabemos que nessa eleição não será diferente. Com a evolução da tecnologia, tudo fica ainda mais complexo. Mas estamos preparados. Nós vamos responder as mentiras com honestidade, propostas concretas e muito brilho nos olhos".
SIDNEY: O senhor defende tarifa zero no transporte da cidade do Rio de Janeiro. É possível implantar este sistema rápido?
TARCÍSIO MOTTA: A defesa da tarifa zero é, acima de tudo, a defesa de uma política mais justa de financiamento dos serviços de transporte do município. Todo mundo sabe que a qualidade do transporte público afeta a cidade como um todo, mas hoje só o usuário que roda a roleta paga quase que sozinho por isso. O que justifica que esse custo fique apenas nas costas do povo trabalhador? Incluir o transporte no orçamento municipal significa que os mais ricos também vão ser obrigados a bancar os serviços. E isso não é nenhuma novidade. As principais cidades do mundo subsidiam os seus sistemas de transporte. A política de Tarifa Zero, em si, não é nada mais do que o subsídio levado às últimas consequências. Nós vamos tirar o sistema da mão da máfia que sempre lucrou em cima da passagem paga pelo trabalhador e retomar o controle público sobre os serviços. O Rio precisa tratar o seu sistema de mobilidade da mesma forma que trata o SUS. Isso irá reduzir o custo de vida na cidade, dinamizar a economia urbana e ampliar o acesso de todos os cariocas aos equipamentos públicos e bens comuns do município, como praias, parques e praças. Ou seja, além de promover o direito à cidade, com a política de tarifa zero, teremos mais dinheiro circulando no município, pois o que as famílias economizam na passagem acaba no mercado, na feira, na loja etc. E isso é bom para todo mundo. Hoje o transporte público, gratuito e universal já é uma realidade em 67 cidades no Brasil. Basta ter coragem para mudar. E isso o PSOL tem. Como eu repito desde quando fui candidato a governador em 2014: “Eu tenho rabo-de-cavalo, mas não tenho rabo preso com essa turma que está no poder”. Nosso objetivo será subsidiar todo o sistema municipal de ônibus, BRT, vans, VLT e bicicletas. Mas isso será feito por etapas. Primeiro o BRT. Depois o VLT e as bicicletas públicas. Por fim, os ônibus e as vans. E enquanto não alcançarmos todo o sistema, vamos progressivamente reduzir o preço das passagens e oferecer um Bilhete Único Mensal com uso ilimitado durante o período. Imagina o Rio livre dessa máfia sanguessuga que há anos domina o sistema. Imagina viver sem barreiras te impedindo de chegar aonde você deseja ir. Imagina o que o carioca poderia fazer com mais dinheiro no bolso.
O Rio tem batido recordes de sensação térmica, ultrapassando os 60 graus. O que o governo municipal pode fazer para preparar o Rio para os impactos do aquecimento global?
O colapso ecológico global vai se impor sobre o debate eleitoral. E no nosso caso, essa pauta será incontornável. Trinta anos atrás, o Rio sediou a Eco 92. Vinte anos depois, em 2012, o Rio sediou a Rio+20. Desde então, já se passou mais de uma década. E enquanto os desafios socioambientais aumentaram drasticamente, de lá para cá, a prefeitura pouco ou nada fez. Hoje o Rio é uma das metrópoles mais vulneráveis a eventos climáticos extremos do mundo. Apesar de décadas de alerta, não estamos preparados para o que está por vir. A situação é dramática. Se não agirmos logo, as condições de habitabilidade da cidade estarão em risco. Aliás, todos os indicadores apontam que já estamos atrasados. De acordo com o último relatório da ONU, lançado no primeiro semestre do ano passado, as temperaturas globais devem subir a níveis recordes nos próximos 5 anos, com mudanças no regime de chuvas em diversas partes do planeta. O que isso implicará para os cariocas que vivem em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos? Como suportaremos as ondas de calor do verão? Estamos vivendo uma nova realidade planetária. O clima já mudou e a adaptação é urgente. É o futuro da cidade que está em jogo. É por isso que defendemos uma revolução ecológica para o Rio, focada em resiliência climática, soberania alimentar e transição energética. Em 2019, como vereador, presidi a CPI das Enchentes na Câmara do Rio. Foi um trabalho intenso que durou vários meses. O relatório final, com mais de 500 páginas, apresentou 105 recomendações e sugeriu o indiciamento de 5 autoridades, entre elas, o então prefeito Crivella. Aprendi com essa experiência o que a Prefeitura deve fazer diante das catástrofes climáticas cada vez mais severas e recorrentes. Agora que virei deputado federal, estou propondo no Congresso uma Frente Parlamentar em apoio aos atingidos por enchentes e outros desastres socioambientais, além de participar de uma Comissão Especial para elaborar propostas de enfrentamento aos desastres socioambientais. O trabalho é incessante. Não paramos de estudar e nos preparar para os desafios que estão por vir.
Projeto que arma a guarda municipal deve ser votado ainda este semestre na Câmara de Vereadores. Qual a sua avaliação?
Somos contra. O carioca sabe que arma de fogo não traz segurança, traz tiroteio, bala perdida, morte. Colocar mais armas na rua, em uma cidade tomada pelas milícias, não vai deixar o povo mais seguro. As tragédias vão se multiplicar. Segurança se faz com inteligência e prevenção. Precisamos valorizar a Guarda. Ao invés de tiroteios, os guardas merecem um plano de carreira digno, assistência social e melhores condições de trabalho. Nós temos uma diferença de concepção com a forma como o município vem sendo governado. Ordem pública não pode ser sinônimo de violência e repressão contra o trabalhador. Para nós, promover a ordem pública significa garantir direitos. Uma cidade onde os direitos não são respeitados é uma cidade desordenada. Mas o Paes acha que mandar a Guarda Municipal perseguir camelô, entregador, sem teto e artista de rua é sinônimo de garantir a ordem pública e promover a paz urbana. Sua gestão trata trabalhador como bandido. Mas basta conversar com os servidores para saber que a própria Guarda não aguenta mais ser reduzida a vilã de camelô, entregador, sem teto e artista de rua. Violência não assegura ordenamento urbano para ninguém. A Guarda precisa garantir direitos e promover a liberdade. Sua função deveria ser defender o cumprimento da Lei Orgânica e do Plano Diretor do Rio, utilizando técnicas preventivas de mediação de conflito para a resolução pacífica de problemas e a gestão inteligente do espaço público. Nós vamos garantir um plano de carreira digno aos servidores e acabar com as panelinhas que hoje dividem a Guarda. Queremos investir em formação adequada, planejamento estratégico e organização tática. Precisamos promover a reestruturação do ensino, revisar as técnicas de treinamento e qualificar os protocolos operacionais, como, por exemplo, os intervalos entre plantões. Cabe à prefeitura organizar as escalas sem comprometer o estado psicológico e emocional do guarda. O período de descanso garante que o guarda não vai para a rua estressado. E todo carioca sabe que uma Guarda estressada só gera mais insegurança nas ruas. Nós vamos tratar nossos servidores com respeito e assegurar acompanhamento psicológico e intervalos adequados de descanso. É assim que eles terão condições de garantir os direitos da população.
O senhor teme o uso de notícias falsas durante a campanha municipal? Há risco do mau uso da inteligência artificial para se tirar vantagem eleitoral?
Já faz tempo que lutamos contra as famosas Fake News. Desde a Era Crivella isso nos assola aqui no Rio. E com a ascensão do bolsonarismo, as coisas só pioraram. Essa é a tática daqueles que apelam para a mentira para insuflar o ódio nas pessoas e promover um pânico moral. Sabemos que nessa eleição não será diferente. Com a evolução da tecnologia, tudo fica ainda mais complexo. Mas estamos preparados. Nós vamos responder as mentiras com honestidade, propostas concretas e muito brilho nos olhos.
Por que a vereadora Marielle Franco incomodava tanto?
A Marielle foi assassinada pela máfia que há anos aterroriza o Rio de Janeiro. Foi esse modo miliciano de governar a cidade que matou a Mari. O relatório da Polícia Federal não deixa dúvidas: o assassinato da Marielle foi, em especial, um recado para o enfrentamento que o PSOL sempre fez a essa estrutura de poder. Basta lembrar que a trama do seu assassinato envolveu um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado; um ex-vereador e deputado federal, que até outro dia era secretário municipal de Ação Comunitária do Paes; e um chefe de Polícia Civil. E isso é apenas a ponta do iceberg. O buraco é muito mais abaixo. A prisão dos mandantes do assassinato de Marielle e Anderson deixou claro que se nós não enfrentarmos esse marco de poder, a gente vai continuar refém desses grupos, desse modo miliciano de governar. O Rio precisa gritar em alto e bom som: com milícia, não tem jogo.
O bolsonarismo tem chances de vencer a eleição no Rio?
Com o Bolsonaro inelegível, prestes a ser preso, e sem um membro de seu clã como candidato, a extrema-direita carioca entrou em crise e se dispersou em diversas candidaturas. Alguns estão até procurando o colo do Paes, que parece estar disposto a abrigar parte da turma, como fez com o Chiquinho Brazão, hoje preso por seu envolvimento com o assassinato da nossa querida companheira Marielle. Mas tudo indica que teremos muitos candidatos da extrema direita, o que abre uma avenida para a esquerda carioca. A eleição de 2024 será uma eleição de dois turnos. Basta olhar a quantidade de candidatos e fazer a conta. Nessa conjuntura eleitoral que se avizinha, é clara a tarefa dos cariocas que rejeitam a fúria fascista e não suportam mais essa política do ódio: precisamos derrotar a extrema direita no primeiro turno, enquanto eles estão dispersos, brigando entre si para ver quem irá prevalecer. Não podemos permitir que eles se unifiquem em uma candidatura de segundo turno. A luta contra o fascismo é no primeiro turno. A pior coisa que pode acontecer ao carioca é enfrentar um segundo turno só com candidatos de direita. Imagina a qualidade de um debate no qual, de um lado, você tem um bolsonarista raiz qualquer esbravejando mentiras para gerar pânico moral e, do outro, a turma do Paes unida em conluio para se manter no poder. Não podemos deixar esse pesadelo acontecer. O Rio merece mais. Só a esquerda irá pautar os temas que são caros aos cariocas. Quem mais terá a coragem de colocar os pingos nos is? Só a gente irá falar dos problemas que afligem as favelas, a Zona Oeste e o subúrbio. Nosso compromisso é com o povo carioca. A última pesquisa me colocou em segundo lugar, abaixo apenas do Paes, com mais do que o dobro de votos dos candidatos bolsonaristas. O jogo nem começou e já largamos bem. Estou muito animado. O cenário eleitoral é promissor. Nossa candidatura vai representar o desejo de mudança que está tomando conta do Rio. Vamos provar que os problemas dos cariocas não serão resolvidos por aqueles que estão no poder há décadas, pois não vamos sair desse buraco insistindo na mesma turma que nos levou aofundodopoço. Chegou a hora de governar com as pessoas que lutam todos os dias para sobreviver nessa cidade. O Rio tem jeito e tem muita gente cheia de vontade de fazer isso acontecer. É com essas pessoas e movimentos que vamos tecer um novo amanhã.