Nísia Trindade Lima, ministra da SaúdeJulia Prado/Ministério da Saúde

Primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde, Nísia Trindade Lima é doutora em sociologia e presidiu a Fiocruz, entre 2017 e 2022, coordenando os esforços da fundação no enfrentamento à covid-19. Em seguida, assumiu o cargo de ministra do governo Lula e um dos pontos de atenção é a gestão dos hospitais federais do Rio de Janeiro. "Atualmente, os seis hospitais federais do Rio de Janeiro estão sob a gestão do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH). Estamos implementando um programa de reestruturação com o compromisso do Ministério da Saúde de alocar recursos e estabelecer metas claras".
SIDNEY: O Ministério da Saúde retomou o Programa Mais Médicos, em 2023, após desmonte nos últimos anos. O que muda para o Rio de Janeiro?
NÍSIA TRINDADE: A retomada do Mais Médicos foi fundamental para o estado. Em relação aos médicos em atuação pelos programas de provimento federal, o Rio de Janeiro passou de 467 profissionais, em dezembro de 2022, para 1.390, hoje, quase o triplo de médicos. Isso permite a reorganização da Estratégia Saúde da Família no estado, produzindo cuidado integral próximo às casas das pessoas, com mais acesso às consultas e mais equidade, ou seja, chegando às populações mais vulneráveis para conseguir acompanhá-las em seus problemas de saúde mais frequentes. O Mais Médicos modificou a situação da Saúde da Família nos municípios do Rio de Janeiro ao colocar médicos em equipes de Saúde da Família que não contavam com esses profissionais, e agora contam. No momento em que você tem a equipe completa, isso garante mais acompanhamento de pré-natal, mais visitas domiciliares aos idosos, maior acompanhamento durante a primeira infância e atendimentos de mais qualidade, entre outros direitos. Portanto, a retomada do Mais Médicos acompanhada da retomada da Saúde da Família permitem o melhor cuidado integral, e é por isso que o Ministério da Saúde melhorou a proporção de pessoas acompanhadas por cada uma das equipes.
A sua pasta tem destinado mais investimentos para o Complexo Econômico Industrial da Saúde. Quanto será investido e qual a notícia que a senhora tem para o povo fluminense?
É com grande satisfação que anunciamos um aumento significativo nos investimentos destinados ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), refletindo o compromisso do governo com a saúde pública e a inovação tecnológica. Ao todo, serão investidos R$ 57,4 bilhões, o maior volume de recursos públicos e privados na última década. Para o povo fluminense, tenho uma notícia importante: uma parte expressiva desses recursos será direcionada ao Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS), localizado em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Estamos investindo R$ 6 bilhões para ampliar a oferta de vacinas e biofármacos da Fiocruz, o que permitirá uma produção estimada de 120 milhões de frascos por ano para o SUS. A produção de vacinas da Fiocruz vai aumentar 4 vezes, colocando o Rio na fronteira mundial da biotecnologia em saúde. Esse investimento não só fortalece a nossa capacidade de resposta a emergências sanitárias, como também posiciona o Rio de Janeiro como um polo estratégico na produção de vacinas e biofármacos para todo o país. Com esses esforços, estamos avançando na missão de aumentar a produção nacional de medicamentos e tecnologias em saúde, com metas ambiciosas de elevar essa produção para 50%, até 2026, e 70%, até 2033. Isso não apenas impulsiona a nossa indústria, mas garante maior acesso e qualidade aos serviços de saúde para todos os brasileiros.
Houve uma ampliação do programa Farmácia Popular. Há estudos para a inclusão de outros medicamentos que hoje não estão incluídos na gratuidade?
Em 10 de julho, o Ministério da Saúde migrou 10 medicamentos para 4 indicações para a lista de medicamentos gratuitos. Com isso, 39 dos 41 itens do Programa passaram a ser oferecidos gratuitamente a todas as brasileiras e brasileiros. Desde a última atualização, o foco do Ministério da Saúde tem sido garantir a oferta contínua dos medicamentos já disponíveis e assegurar a sustentabilidade do Programa, que conta com o maior orçamento da história. Ainda assim, o Governo monitora regularmente as demandas e necessidades da população e, conforme as possibilidades orçamentárias e as diretrizes de saúde pública, poderá considerar novas inclusões no futuro. É preciso ressaltar, ainda, que o Ministério da Saúde, por meio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, promove ao cidadão acesso a medicamentos e insumos para o tratamento dos principais problemas e condições de saúde da população brasileira na Atenção Primária à Saúde. O financiamento desse componente é responsabilidade dos três entes federados.
Como funciona o SUS Digital?
O SUS Digital é um programa que busca transformar digitalmente o Sistema Único de Saúde (SUS) para ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, garantindo atendimento integral e resolutivo. O programa está estruturado em três etapas: Planejamento, Implementação das iniciativas de transformação digital e Avaliação dos resultados alcançados. Durante a fase de Planejamento, o programa conta com um investimento total de R$ 464 milhões, destinados a nível nacional. Deste montante, mais de R$ 18 milhões já foram repassados especificamente para o estado do Rio de Janeiro e seus municípios. Esses recursos são essenciais para apoiar a adesão ao programa, realizar diagnósticos situacionais, preencher o Índice Nacional de Maturidade em Saúde Digital e elaborar os Planos de Ação para a Transformação em Saúde Digital (PASD), adaptados às necessidades específicas do Rio de Janeiro. O SUS Digital também inclui eixos de atuação como interoperabilidade, governança de dados, capacitação em saúde digital, inovação, segurança da informação, infraestrutura e conectividade. Essas iniciativas visam melhorar o acesso, a qualidade e a eficiência dos serviços de saúde, com foco especial em populações vulneráveis. No Rio de Janeiro, destaca-se o trabalho do Núcleo de Telessaúde da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sob a coordenação da professora Alexandra Monteiro, pioneiro em telessaúde desde 2007. Alexandra é agora também presidente da Associação Brasileira de Telemedicina. Com quase duas décadas de atuação, o Núcleo tem sido fundamental para o avanço da Telessaúde não só no estado, mas em todo o Brasil. Além disso, eles lideram iniciativas educacionais importantes, incluindo o primeiro mestrado profissional em telessaúde do país, que evoluiu para um mestrado profissional em saúde digital, reforçando a atenção primária com consultorias e cursos de capacitação. Em uma iniciativa piloto no programa SUS Digital, a telessaúde tem ganhado destaque, especialmente na Favela da Maré, onde é desenvolvida em parceria com a comunidade local. Esta ação tem o objetivo de permitir que os moradores da Maré tenham acesso a consultas e telediagnósticos sem precisar sair da comunidade, rompendo barreiras geográficas e garantindo que os serviços de saúde cheguem a quem mais precisa. Essa iniciativa exemplifica como o SUS Digital está trazendo a saúde para mais perto das pessoas, promovendo equidade e inclusão.
O Brasil viveu uma onda negacionista ao ponto de muitas pessoas não se vacinarem. Isto mudou após a saída do presidente Jair Bolsonaro do poder?
Desde o início de 2023, uma série de ações vem sendo realizadas para reconstrução do SUS, da confiança nas vacinas e da cultura de vacinação do país. Logo no início de 2023, em fevereiro, foi lançado o Movimento Nacional pela Vacinação, para reforçar as ações de vacinação em todo o país, incluindo a vacinação contra a covid-19 e demais imunizantes do Calendário Nacional de Vacinação. Também em 2023, pela primeira vez, a Pasta passou a trabalhar com o microplanejamento, realizando a capacitação de estados e municípios para realizarem o planejamento de acordo com as realidades locais, com foco em fortalecer e ampliar o acesso da população à vacinação, durante todo o ano. Para a realização dessas ações de microplanejamento, foram destinados R$ 150 milhões aos estados e municípios. Dessa forma, o Ministério da Saúde vem apresentando avanços na vacinação. Em 2023, dados preliminares já demonstram que 13 dos 16 imunizantes do calendário nacional tiveram aumento da cobertura vacinal. E esses dados podem ser ainda melhores, já que o registro de doses das vacinas BCG e hepatite B, normalmente aplicadas em maternidades, ainda estão em processo de transição para a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), portanto, ainda estão sujeitos a alterações relevantes e poderão ser avaliados adequadamente apenas após a conclusão da migração. Desde 2023, a pasta reconstruiu, ainda, o diálogo e parceria com Conass, Conasems, sociedades científicas e entidades ligados ao tema. Nesse período, a pasta realizou uma série de reuniões envolvendo outros ministérios, estados e municípios, especialistas e entidades da sociedade civil. Outra importante medida é o combate às fake news e à desinformação. Foi lançado, em outubro de 2023, o programa Saúde com Ciência, uma iniciativa inédita em defesa da vacinação e voltada ao enfrentamento da desinformação. A proposta faz parte da estratégia para recuperar as altas coberturas vacinais do Brasil diante de um cenário de retrocesso, principalmente em 2022 e 2021, quando foram registrados os piores índices. A propagação de fake news é um dos fatores que impacta na adesão da população às campanhas de imunização. O enfrentamento à desinformação é uma estratégia interministerial coordenada pelo Ministério da Saúde e pela Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, com a parceria dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Ciência e Tecnologia e Inovação, e com a Controladoria-Geral da União (CGU) e Advocacia-Geral da União (AGU), garantindo atuação em diferentes frentes. Tendo como parâmetro a reversão da queda das coberturas vacinais, alcançada em 2023, o Ministério da Saúde avalia que o trabalho realizado pelo atual Governo está contribuindo com enfrentamento às fakenews.
No Rio de Janeiro alguns hospitais federais estão sendo geridos por fundações constituídas fora do estado. Há reclamações de que estaria faltando transparência do Ministério ao não ouvir os setores que atuam no Estado. Existe de fato alguma imposição de cima para baixo?
Não há fundações de fora do estado realizando a gestão dos hospitais federais vinculados ao Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. No entanto, reconhecemos que existem desafios significativos de gestão que precisam ser enfrentados. Desde o ano passado, temos focado nossos esforços na reabertura de leitos e na melhoria da infraestrutura desses hospitais, que, historicamente, foram referências antes da implementação do SUS. Agora, nosso objetivo é não apenas restaurar essa referência, mas garantir que esses hospitais estejam plenamente integrados ao sistema local de saúde, em consonância com o que ocorre em todo o país. Para isso, temos buscado fortalecer parcerias com o município e com outras estruturas do governo federal para encontrar as melhores soluções para esses hospitais. Nosso compromisso é com a população, e estamos empenhados em trabalhar de forma transparente e colaborativa para garantir que esses hospitais cumpram seu papel essencial dentro do SUS, sempre priorizando a transparência e a comunicação aberta com todos os setores envolvidos.