Marcello Oliveira, advogadoFlavia Freitas
Os 25 anos de profissão do advogado Marcello Oliveira foram marcados por vitórias e reconhecimento dos seus pares. Ele atuou continuamente na Ordem dos Advogados nos últimos 17 anos, tendo iniciado sua trajetória como presidente da Comissão de Exame de Ordem. Depois, foi diretor-tesoureiro da OABRJ e presidente por dois mandatos da CAARJ, retornando à posição de diretor-tesoureiro da Seccional em 2019. Equilibrado, sensato, Oliveira já foi convocado incontáveis vezes para solucionar problemas em benefício de sua categoria. Sobre o acesso à Justiça pela população, por exemplo, Marcello reconhece que há dificuldades. "A questão mais crônica é a grande morosidade. O TJRJ é o quarto mais congestionado do país", disse.
Vale a pena ser advogado? Qual o futuro da advocacia? Quais as perspectivas de mercado para os recém-formados em início de carreira?
A advocacia é a profissão mais bonita que existe por assegurar aos cidadãos o exercício dos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição e nas leis do país. Nesse sentido, sempre será necessária e gratificante. Mas o mercado foi severamente impactado pela tecnologia e, mais ainda, por uma política excludente e elitista do TJRJ, que tenta, a todo custo, reduzir artificialmente o acervo de processos, aumentando custas sem proporcionalidade com o serviço prestado. Hoje, o advogado está pagando para trabalhar, muitas vezes arcando com as custas processuais iniciais (as mais caras do Brasil, segundo o CNJ) e com o risco de sucesso da causa. Em outras palavras, o TJRJ está drenando a renda do advogado. Não apenas temos que fazer o enfrentamento sério e profundo desse tema, mas trabalhar para o Rio de Janeiro voltar a ser referência em muitas áreas do Direito, evitando o êxodo de profissionais para São Paulo e outros estados. Ainda há esperanças, mas precisamos de uma OAB independente ao nosso lado.
Muita gente ainda considera difícil o acesso à Justiça. Qual a sua avaliação quanto ao funcionamento do poder judiciário?
Nunca esteve tão difícil. Houve uma queda enorme do número de servidores nos cartórios do TJRJ. Alguns milhares deixaram o serviço público, mas o presidente não renovou o último concurso. Acredita que resolverá todo o problema com inteligência artificial, o que vai apenas desumanizar o serviço público e afastá-lo ainda mais da população. Além disso, há uma clara política não escrita em vigor de reduzir as indenizações concedidas em matéria de direito do consumidor para também desestimular novas demandas, como se isso fizesse os problemas de consumo desaparecerem. A questão mais crônica é a grande morosidade. O TJRJ é o quarto mais congestionado do país. E apesar das autoridades falarem em litigância predatória para se escusarem da responsabilidade, o maior litigante no RJ é o próprio Estado: 49% do acervo do TJRJ de primeiro grau é de execuções fiscais.
Qual o papel da OAB para o bom funcionamento do sistema de Justiça?
A OAB deve funcionar como uma grande mediadora do mercado e sua atuação nunca foi tão necessária como agora, diante da escassez de oportunidades no Estado. Temos que democratizar o acesso ao judiciário, às autoridades, criar laços institucionais e não pessoais. Não podemos aceitar conviver no Rio de Janeiro, o segundo PIB do país, com uma concentração de poder e riqueza que se apresenta como via exclusiva de acesso ao serviço público. A Ordem existe para lutar por um ambiente de trabalho inclusivo e um mercado saudável, no qual todos possam, igualmente, competir, sem privilégios. A Ordem tem que olhar para a advocacia real e não para a realeza.
A Ordem pode melhorar sua prestação de serviços ao advogado? O que poderia ser criado?
Muito. A OABRJ está defasada em termos de serviços. Não conseguiu sequer concluir a implementação do seu processo eletrônico interno. A resistência é gigantesca. Por isso, até hoje, se exige o protocolo físico na sede da entidade para várias demandas. A verdade é que ainda são ofertados os mesmos serviços criados 15 anos atrás. Na época da digitalização dos processos pela Justiça, esses serviços eram suficientes, mas hoje não são mais. Você precisa conhecer seu usuário, saber suas necessidades especificas e entregar produtos customizados no formato mais acessível possível. Assim, ficará muito mais perceptível o valor devolvido ao colega. Aliás, essas medidas abrem, inclusive, a possibilidade de redução de gastos e, consequentemente, da anuidade cobrada. Muitos desses projetos foram apresentados, mas ignorados.
Há um crescimento da presença feminina na advocacia. O que precisa ser aperfeiçoado para recebê-las em maior quantidade?
O Conselho Federal estabeleceu a paridade de presença feminina no Conselho. Isso representou um avanço gigantesco, mas ainda não se reflete em políticas concretas para reduzir as diferenças salariais e de ascensão profissional no mercado. Cerca de 80% das colegas relatam já terem sofrido violência de gênero no trabalho e 45,5% dizem que pensaram em desistir da profissão por isso. É algo inadmissível. Então, a paridade apenas produzirá efeitos consistentes quando houver uma política que assegure isonomia no mercado de trabalho. E isso ainda não se tornou prioridade para a OABRJ.
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