O babalaô Ivanir dos Santos é uma das referências na discussão sobre a importância do pluralismo religioso no país. Professor de pós-graduação em História Comparada da UFRJ, ele vê um aumento dos casos. "A intolerância religiosa teve crescimento significativo em nossa sociedade. Ela faz parte da gênese cultural, social e política da sociedade brasileira. Ou seja, chega a ser, infelizmente, uma cultura da intolerância", analisa. Entre os desafios para derrotá-la, está a aprovação do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. "Só é possível, hoje, garantir os direitos religiosos se tivermos uma ação a nível de Estado".
SIDNEY: Qual a explicação para agressividade de algumas pessoas com as religiões de matriz africana?
IVANIR DOS SANTOS: Acredito que o desconhecimento e a falta de respeito e tolerância é um dos principais motivos. Por exemplo, no livro "Memórias da Plantação", a autora psicanalista Grada Kilomba acentua que falso desconhecimento sobre o que é o racismo, seus efeitos e consequência fazem parte da "política da ignorância", ou seja, quanto a pessoa desconhece totalmente sobre o assunto ou quando a pessoa conhece, mas mesmo assim insiste em demonstrar um desconhecimento sobre o tema e/ou assunto. Assim, podemos projetar essa análise da Kilomba para interpretar os casos de intolerância religiosa. A história da construção da sociedade brasileira é alicerçada pela intolerância e pelo racismo.
Quais são os maiores desafios no combate à intolerância religiosa?
Acredito que os desafios são vários. Mas aqui vou pontuar dois que julgo ser de extrema relevância. O primeiro é aprovar e promulgar o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Só é possível, hoje, garantir os direitos religiosos das pessoas se tivermos uma ação a nível de Estado. A segunda, que é a criação de ações efetivas de aplicação da lei 10.639/03, tem por objetivo tornar obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Assim, forneceremos as bases dos conhecimentos sobre a diversidade cultural e religiosa no Brasil.
O senhor acredita que a sociedade está mais ou menos intolerante quanto às diferenças religiosas?
Infelizmente, os dados publicados no II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, publicado pelo CEAP em parceria com a UNESCO, nos revela que a intolerância religiosa teve crescimento significativo em nossa sociedade. A intolerância religiosa faz parte da gênese cultural, social e política da sociedade brasileira. Ou seja, chega a ser, infelizmente, uma cultura da intolerância.
Qual a importância de se manter um Estado laico?
O Estado laico é importante para que possam ser assegurados os direitos religiosos, liberdade de culto, a liberdade e a equidade religiosa.
As eleições municipais estão chegando. O senhor acredita que a religião influencia a política de que maneira?
Sim. Mas devemos tomar muito cuidado com possíveis candidatos que têm por objetivo fazer da religião, seja ela qual for, um trampolim para chegar ao poder. Intenções como essas são extremamente arriscadas para a nossa democracia, para o Estado laico e fortalece a intolerância religiosa.
Como foi a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa deste ano?
A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é um dos eventos Inter-religiosos e culturais com maior relevância no Brasil na luta pelos direitos humanos, pela democracia e pelo Estado laico. Assim, a caminhada de 2024 é um reflexo dos nossos trabalhos. Esse ano tivemos a presença da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, e esse ponto foi extremamente importante, pois foi o momento que tivemos para entregar o subsídio para a construção do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Assim, posso dizer que a caminhada de 2024 foi assim como as outras, um sucesso coletivo para todas as pessoas que lutam pelos direitos humanos.
E qual o saldo da Caminhada nesses 17 anos de existência?
O saldo da 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa são muitos, conseguimos levar para a caminhada mais 80 mil pessoas. Tivemos um café da manhã com a participação de autores públicos em âmbito municipal, estadual e federal. Conseguimos entregar as propostas para a construção e promulgação do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Assim, vamos continuar os nossos trabalhos em prol da tolerância, do respeito, da equidade e da liberdade religiosa e do estado laico.