Stephen Stefani é médico oncologista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estado onde nasceu, com residência de Clinica Médica e Oncologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pós-graduação na University of California. Foi presidente do Consórcio Latino Americano da International Society of Pharmacoeonomics and Outcome Reseach. Atualmente é membro do Conselho da Americas Health Foundation e do Comitê Consultivo da The Lancet Oncology. No último dia 8, lançou o livro "Saúde (em) Crônica".

SIDNEY: Qual a explicação para o crescimento dos casos de câncer, inclusive, entre população jovem?
STEPHEN STEFANI: É uma questão multifatorial. Uma população envelhecendo inevitavelmente aumenta a chance de ter câncer. Ao mesmo tempo, outras doenças têm tido manejos melhores, como as cardiovasculares, de forma que proporcionalmente aumenta a população exposta ao risco de neoplasias. Fatores como exposição exagerada ao sol, tabagismo, sedentarismo e alimentação pobre em fibras impactam de forma significativa. Mais atualmente, e principalmente para tentar explicar o crescimento de incidência da doença em população mais jovem, existem hipóteses que associam predisposição genética e aumento de microplásticos no ambiente. Enfim, conhecemos muitos fatores, mas claramente existem várias outras incertezas sobre essa epidemiologia crescente.
As mudanças recentes no setor da medicina são impressionantes. O que elas impactam no enfrentamento do câncer?
A inclusão de terapias com alvos mais conhecidos, assim como a imunoterapia, modificaram de forma relevante não só o manejo, mas o prognóstico da doença. Alguns tipos de câncer até pouco tempo vistos como incuráveis passaram a ter alternativas de manejo que eliminam a doença por tempo prolongado com possibilidade de nunca mais se ver recaída. Esses tratamentos são menos tóxicos do que os convencionais e abriram todo um ambiente de investigação com combinações terapêuticas de forma exponencial. Estamos com mais opções de tratamentos e aumento inédito de informação científica. Tratamentos mais assertivos e menos invasivos são muito mais comuns do que há muito pouco tempo atrás. O Brasil é um país desigual.
Como universalizar o tratamento do câncer para que alcance também os mais pobres?
Importante trazer este tema para debate. Um dos efeitos colaterais inevitáveis desta revolução em saúde é o crescimento da necessidade de recurso na área. Os preços dos medicamentos para câncer chegam a ultrapassar a média de R$ 50 mil por mês. Evidentemente esses valores não estão contemplados no sistema público, que já sofre com recursos parcos. No setor privado, tem forçado o cálculo atuarial para cima, provocando mensalidades de planos de saúde cada vez mais caras e, consequentemente, viáveis somente para uma minoria da população. A solução para esse abismo vai ter que envolver liderança que tenha coragem de redesenhar o sistema de saúde, a exemplo do que já se faz em países como Inglaterra e Canadá. Não é simples e não é barato. Tampouco temos a opção de desconsiderar que é um problema que está piorando diariamente.
O que é medicina de precisão e personalizada?
É uma forma de tratar conhecendo o alto terapêutico através de receptores celulares que devem ser ocupados ou mutações corrigidas. Ainda que essa forma de tratamento esteja sendo explorada há décadas, foi nos últimos anos que os medicamentos com esse objetivo passaram a estar disponíveis com mais robustez no arsenal dos oncologistas. A medicina personalizada é uma pouco mais completa, porque tenta capturar questões de acesso e viabilidade. Por exemplo, questões ambientais e sociais passaram a entrar na fórmula, como a capacidade de entender e aderir a determinado manejo, assim como ter fonte pagadora estável.
Como superar o desafio dos custos crescentes?
Todos os países, muito mais ricos que o Brasil, têm endereçado espaço para debater esse problema. Não existe uma solução isolada, mas debates corajosos sobre precifiçação dos remédios, desde a investigação nos estudos clínicos e no registro para comercialização, até tentativa de tentar ampliar o valor de determinada intervenção. Há necessidade urgente de uma reengenharia na gestão para evitar desperdício e despesas em tecnologias que pouco entregam ao paciente e à coletividade.
A cura está no horizonte?
Não há dúvida que teremos, em algum momento, soluções melhores do que as que temos. Não será uma “bala de prata”, mas um conjunto de ações, que podem chegar antes em alguns tipos de câncer que outros. Sim, vamos curar a maioria dos tipos de câncer. Temos que fazer algumas correções no rumo, mas é completamente razoável dizer que será uma doença muito mais curável do que hoje.
Do que trata seu último livro?
O “Saúde (em) Crônicas" reúne algumas dezenas de textos publicados em vários veículos de imprensa. São artigos que debatem a essência da medicina, dores e incertezas que nos acompanham, mas também aborda soluções pragmáticas para melhorar as chances da saúde ser mais presente do que a doença. O livro traz, também, elementos para um debate produtivo sobre essas mazelas sociais que temos que pautar se quisermos trazer saúde para as pessoas…todas as pessoas.