O ex-ministro do Turismo Vinicius Lummertz presidiu a Embratur no Governo Temer, é formado em Ciências Políticas na Universidade Americana de Paris, foi diretor do Sebrae Nacional e secretário de Turismo de São Paulo. Em Santa Catarina foi secretário de Planejamento, de Relações Internacionais e presidiu a SC Par. Palestrante, preside o Conselho do Grupo Wish, é Fellow do Milken Institute, em Los Angeles, fundador da Aliança dos Municípios Turísticos da Rota da Seda, em Pequim, e Head de Turismo do Lide Dubai. É autor dos livros "Brasil: Potência Mundial do Turismo", "Complexo Brasil, o difícil é fazer" e "Sem o Turismo a conta não fecha".
SIDNEY: Atualmente, o senhor tem se dedicado ao Milken Institute (MI). Qual o papel que ele desempenha?

VINICIUS LUMMERTZ: Em maio deste ano, fui eleito o primeiro brasileiro Senior Fellow do Milken Institute. Meu papel é consultivo e estratégico. Um desses papéis é ajudar a consolidação definitiva do Instituto no Brasil. Estou ligado ao MI desde 2007. Depois, passei a integrar o Conselho de Mercado de Capitais e a ser palestrante na “Global Conference”, que este ano reuniu capitais investidos de U$ 34 trilhões entre os 4 mil participantes, a maioria grandes investidores. Uma das estrelas foi Elon Musk, mas os corredores, coquetéis e jantares proporcionam encontros de muito peso, que o Brasil desconhece. O BTG Pactual participa diretamente com a presença do André Esteves, um visionário, que lidera um forte time internacional.

O que o Milken Institute traz ao Brasil? O que tem de diferente?

O Instituto é um think tank (é uma organização que atua como um laboratório de ideias) único no planeta. Tem como meta buscar inovações no mundo dos investimentos e alocações de capital em todo o globo. É um grande canal de conhecimento e investimento que o Brasil precisa explorar. Nesse aspecto, é muito mais eficiente do que Davos.

E a parte social, é muito forte?

Sim, na área da saúde, por exemplo, há o programa FasterCures. O Instituto realizou muitas pesquisas sobre câncer que avançaram e foram implementadas, como nos casos de câncer de próstata e da obesidade. O MI busca direcionar ações para investimentos concretos, tanto ao buscar "market solutions to social problems" quanto na alta filantropia. No ano passado, o CEO Ritch Ditizio e a vice-presidente mundial Laura Lacey trouxeram estudos e pesquisas sobre os riscos de novas pandemias e como se preparar. Hoje o MI tem uma executiva, Daniela Levy - o que demonstra não só a vinda, mas a permanência. Isso será algo novo no Brasil na área internacional. Eles têm uma visão inteligente e preditiva do futuro.

Em novembro, houve uma intensa programação do MI em São Paulo com a pauta "Investimentos e Sustentabilidade". Vai ter consequências?

O diretor do MI para a América Latina, Rodrigo Bettini, destacou que o Brasil poderá desempenhar um papel muito maior e mais nobre em um mundo de mais oportunidades e riscos, inclusive nas questões de crédito de carbono, de forma mais inteligente e poderosa. Para isso, é preciso fortalecer e mostrar melhor o nosso papel. Como disse o governador Helder Barbalho, não se trata apenas de fazer a floresta valer mais em pé do que derrubada, mas também de recuperá-la nas partes destruídas e criar novas economias para os povos da região.

Qual o papel do Itamaraty nessa abordagem?

O nosso MRE é dos melhores do mundo. Penso que é importante dar mais força ao Itamaraty, que demonstrou isso no encontro do BRICS no Rio com o presidente Lula e na aceleração do acordo com a União Europeia. Esse acordo é ainda mais relevante, projetando progresso imediato para o Cone Sul da América e ajudando a Europa, que enfrenta anos difíceis devido a pressões de todos os lados. Sob um ângulo histórico, o acordo projeta e revitaliza a civilização ocidental, da qual o Brasil é o maior espaço de expansão.

O senhor é muito ouvido como consultor por grupos influentes e decisores. Qual sua ligação com o ex-presidente Michel Temer?

O presidente é uma expressão mundial de inteligência e habilidade. Ele é mestre no diálogo e na inteligência preditiva. Como no xadrez, tudo depende de quantos movimentos os jogadores conseguem prever. Esse é um talento natural dele, potencializado por seu conhecimento e maestria no Direito. Além disso, como seu ministro, sei algo que poucos sabem - ele trabalhava até 23h ou meia-noite todos os dias. É só perguntar ao Imbassahy, ao Marun e ao governador Marconi Perillo, que conhecem bem sua habilidade de trabalhar soluções complexas, reduzindo pressões. Um exemplo claro foi a reforma trabalhista, realizada sem greves. Temer entregou o país na trilha das reformas, com juros baixos e a Selic a 6,5%. Os bons políticos devem ser medidos pelo que realizam não só por popularidade. Ele fez o que o Brasil precisava naquele momento e lançou o plano "Ponte para o Futuro", que deveria ser renovado.

Em 2018, o senhor publicou o livro "Brasil, Potência Mundial do Turismo". De lá para cá, o que mudou no setor?

O Brasil não decidiu ser uma potência mundial do turismo. Não temos, ainda, essa ambição. Apesar de o turismo mundial gerar mais de 10% dos empregos globais diretos nos próximos anos, cerca de 449 milhões de empregos no setor e cerca de 126 milhões de novos empregos em setores indiretos, grande parte deles relacionados a atividades como transporte, alimentação, varejo e serviços relacionados à hospitalidade, o crescimento do turismo nacional nos próximos anos será significativo, mas apenas metade do crescimento mundial, que será puxado pelo Oriente e Médio Oriente. O Brasil tem avançado mais no turismo interno do que no turismo internacional, que também teve algum crescimento. Temos um mercado enorme, com mais de 220 milhões de viagens aéreas realizadas internamente, mas somos ainda fracos no turismo internacional, recebendo um número baixo de visitantes comparado ao nosso potencial. O ministro Celso Sabino e o presidente Marcelo Freixo têm trabalhado muito, mas, evidentemente, faltam recursos para implementar ações de maior impacto. O grande problema é que o turismo no Brasil não é tratado como uma prioridade estratégica. O setor recebe apoio variável dependendo do governo e não possui uma política de Estado consolidada e bem estruturada. Isso ocorre em níveis federal, estadual e municipal. Nos municípios turísticos de maior sucesso, como Foz do Iguaçu e Gramado, vemos uma institucionalidade mais avançada, que prova que é possível crescer com planejamento. Contudo, em termos nacionais, falta um PAC do Turismo para resolver os gargalos de infraestrutura, algo essencial para sustentar o crescimento. O setor de crédito reflete isso: enquanto o agronegócio recebe mais de R$ 500 bilhões em crédito oficial, o Fungetur (Fundo Geral do Turismo) dispõe de apenas R$ 2 bilhões. O Brasil deveria aprender com o sucesso do agro, que se internacionalizou e construiu cadeias produtivas sólidas. O turismo ainda não conseguiu montar uma representação única e consolidada, apesar de ser defendido por instituições com muita competência. Isso impede avanços mais significativos. O turismo representa mais de U$ 169,3 bilhões no Brasil, ou 3,7% do PIB nacional. Este valor é fundamental, mas ainda subestimado como força motriz de desenvolvimento econômico, social e ambiental. Para o Brasil atingir seu potencial no turismo, é necessário um aprimoramento dos planos existentes, transformando-os em políticas públicas efetivas e sustentáveis. É um problema político e filosófico: precisamos sair da abordagem de "politics para policies" e tornar o turismo central na estratégia do país.

O Rio de Janeiro tem sido a cidade cartão-postal, porta de entrada dos grandes eventos do planeta. O senhor tem familiaridade com São Paulo e conhece muito bem a região Sul, principalmente Santa Catarina. Como incluir outras cidades e estados no trade turístico internacional?

O Rio é o Rio. É incomparável. O mundo deseja vir, ver e viver o Rio, inclusive os brasileiros. A questão de segurança é um problema muito sério, mas ainda mais grave é a percepção de insegurança, que é pior. Só tem uma solução: enfrentar e seguir em frente. A cidade ganhou consciência dos seus problemas e entende que muito disso se deveu à própria falta de presença da sociedade carioca, que foi ficando perplexa lentamente, caiu em um estado de choque e agora quer ação e participação. De ruim tem uma postura da grande imprensa que é muito focada em crimes como em nenhum outro país do mundo. O Rio tem um excelente prefeito, e colocá-lo de volta foi prova concreta dessa evolução. Em Florianópolis, a cidade fez o Floripa Sustentável, com 45 instituições que ajudam a gestão pública do prefeito reeleito Topázio Neto. Ele aprovou um novo Plano Diretor e fala como manezinho da ilha, assim como Paes fala para os cariocas. Em Balneário Camboriú e no Litoral Norte, observa-se um mega crescimento fruto do tipo de sociedade catarinense, que tem os melhores índices sociais e de segurança do país. Meu clamor lá é por mais planejamento para evitar erros devido à velocidade do crescimento. Já São Paulo é diferente, por ser o maior mercado receptor e emissor do Brasil. No governo João Doria, demos mais infraestrutura, baixamos impostos, privatizamos 20 aeroportos e batemos, de longe, todos os recordes de promoção turística, em parceria com a Abear e o Convention Bureau. A despoluição do Rio Pinheiros foi um marco. Falta o Tietê. O Novo Museu Ipiranga também é um marco, além da criação dos Distritos Turísticos criados na nossa gestão e ampliada na administração Tarcísio de Freitas pelo secretário Roberto de Lucena.

A polarização política é uma realidade. Como criar pontos de união entre os vários grupos ideológicos em favor do Brasil?

Polarização não é, em si, um problema, como diz o presidente Temer - ruim é a radicalização porque leva a coletividade a sair do racional e ir para o irracional. As últimas eleições mostraram um caminho em direção ao centro. No passado, o centro do centro era a centro-esquerda. Agora, foi e vai ficar na centro-direita. Isso é motivo para os partidos históricos da Nova República, que começou em 1988, se reinventarem - partidos como o MDB, PSDB, PFL, PP, e o PSD e Podemos de hoje. Para recuperar esse eixo, devem-se apresentar ideais nobres, como a redemocratização e o Plano Real em seu tempo. Precisamos de pontes para o futuro. Não pode ser apenas conversa de ajuste macroeconômico, mas sim um plano de país que seja eficiente, competitivo e mostre uma visão para ser vivida. Precisamos de um genuíno compromisso de criar uma sólida classe média no Brasil - e nunca mais nos afastarmos disso. Isso seria um novo pacto. No modelo atual o bem empregado ganha R$ 10 mil, custa quase R$ 20 mil ao empregador, mas no final sobra R$ 7 mil reais que após juros e impostos vira R$ 4 mil em bens reais. Temos um mundo em ebulição, mas o Brasil não precisa entrar em guerras velhas, que já haviam cansado as gerações dos nossos antepassados que hoje somos nós, essa mistura brasileira — a Roma Morena de Darcy Ribeiro. A humanidade espera mais do Brasil. Nós sabemos que é difícil, mas é possível, se começarmos a falar do novo. O Brasil é uma herança rica da qual temos que estar à altura. Com ideias novas e fortes, a radicalização tende a perder espaço, não só no centro, mas também nas pontas menos radicais. O mundo das ideias novas e disruptivas é poderoso, e temos que correr para estar junto e liderando naturalmente. Por isso tudo, vejo a vinda do Milken Institute como uma chance de aprendizagem para a ação.

O que o senhor tem visto de interessante nos grupos do qual é consultor?

Hoje, presido o Conselho de Negociação do grupo WISH, que faz parte de um conglomerado composto por dois outros grupos: o Gramado Parks e o WAM. Juntos, formam o maior conjunto de investimentos em turismo do Brasil. A ideia central da minha vinda para o grupo era consolidar as três grandes empresas, coordenadas pela RTSC, de Marco Jorge. No entanto, esse projeto foi postergado devido aos efeitos da crise da COVID-19, que afetaram os grupos, que passaram a ser administrados pela RTSC. Além disso, como consultor, atendo a outros grupos em setores complementares, por meio da minha empresa LG17, que também inclui alguns municípios, e trabalho com alguns estados. Meu tempo também é dividido entre ações de caráter mais coletivo, como, por exemplo, o projeto Floripa Sustentável, em Florianópolis; o Instituto Milken, a Aliança dos Municípios da Rota da Seda. Também sou responsável pela área de turismo em Dubai, onde sou Head de Turismo no LIDE Emirados Árabes. Além disso, participo do LIDE Turismo no Brasil, como membro do Conselho. Falando um pouco mais sobre os projetos que acompanho, observo uma enorme pujança no turismo pós-pandemia: o número de diárias aumentou, as frequências de voos aumentaram e os retornos têm sido positivos. No entanto, entendo que o apetite por crescimento no Brasil não está sendo atendido pelo modelo de financiamento e pela regulação vigente. O Brasil ainda é um país muito difícil para investimentos no setor de turismo, principalmente devido à insegurança jurídica, especialmente nas questões de licenciamento ambiental e nos planos diretores. Há um choque de competências e uma alta judicialização, o que gera custos de transação e de financiamento elevados. Esses desafios poderiam ser minimizados, ao menos no curto prazo, com mais crédito de bancos oficiais, o que, embora não seja a solução ideal a longo prazo, seria um alívio momentâneo. O setor de turismo no Brasil precisa se conectar mais com o mercado financeiro e com milhões de investidores em fundos imobiliários, que têm apetite pelo mercado de propriedades compartilhadas, hotelaria e projetos que unem hotelaria e imobiliário. Estes projetos podem incluir atrações como parques temáticos, além dos parques naturais, um campo de atuação no qual o Brasil poderia se destacar como o país dos parques naturais para o planeta. O trabalho que temos pela frente é grande, mas as condições macroeconômicas precisam melhorar. Para isso, é essencial que o governo faça a sua parte, especialmente em relação ao controle fiscal, o que nos permitirá reduzir as taxas de juros. Com juros mais baixos, poderemos reduzir a dívida pública, que atualmente consome toda a poupança dos brasileiros. Isso abriria espaço para que o mercado de capitais se tornasse um investidor ainda mais significativo nos setores da economia do turismo brasileiro para ser uma potência mundial.