Nova cobrança pode desincentivar o uso consciente da água, já que as unidades pagarão por uma tarifa fixa, independentemente do consumoFreepik

A nova cobrança de água nos condomínios com um único hidrômetro poderá impactar de forma significativa o bolso dos moradores, com aumentos que podem chegar a 400%, segundo especialistas. Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revisou o Tema 414 da sua jurisprudência, redefinindo a forma de cálculo. Agora, as concessionárias poderão adotar uma tarifa composta por uma parcela fixa, correspondente a uma franquia de consumo para cada unidade autônoma (economia), além de uma parcela variável calculada sobre o consumo que exceder a soma das franquias individuais. A coluna ouviu especialistas, já que o tema trouxe muitas dúvidas. Confira as opiniões:
Alex Velmovitsky, vice-presidente Jurídico do Secovi Rio (Sindicato da Habitação)
“Esse método estabelece um consumo forçado para os condomínios e estimula o desperdício de água, pois mesmo que o condomínio economize o valor da conta será o mesmo. A nova tarifa pode aumentar a conta de água em até 400% e muito condomínios não terão capacidade financeira para pagar essa fatura, acarretando demissões de funcionários e aumento da quota condominial. Ficamos especialmente receosos em relação aos condomínios do Centro da Cidade do Rio de Janeiro, que estão com salas vazias, alta inadimplência e ainda vão ter que encarar uma conta de água impagável”.
Roberto Bigler, diretor Jurídico da Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis)
“Enquanto a revisão do Tema 414, na visão do STJ, é bom frisar, que pode ser vista como um passo positivo em direção a uma cobrança mais justa e equilibrada das tarifas de água e esgoto para os condomínios residenciais, ela deixa em aberto questões importantes para os condomínios comerciais. Uma diferenciação mais detalhada e uma análise específica desses casos são essenciais para garantir que a aplicação da nova regra seja realmente justa e adequada a todos os tipos de consumo”.
Eduardo Zangari, vice-presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo)
“Estamos acompanhando os desdobramentos dessa decisão e orientando os associados sobre eventuais implicações. No entanto, em São Paulo, essa mudança não terá impacto algum, uma vez que a cobrança de água já é realizada dessa forma no estado”.
Victor Tulli, diretor de Negócios da Administradora Nacional
“A decisão que rompe com vasta e longa jurisprudência cria uma franquia que independe do consumo, que não é atingida pela maior parte dos condomínios, resultando em milhões de pessoas pagando mais do que efetivamente consomem. Essa medida, ainda mais hoje, quando a gente discute o aquecimento global, pode desincentivar o uso consciente de água, já que as unidades pagarão por uma tarifa fixa, independentemente do consumo. Considerando que as tarifas de concessionárias representam cerca de 30% da cota condominial, aumentos de até 60% na conta dos condomínios são esperados. Em um condomínio que administramos, por exemplo, a nova cobrança será 12 vezes maior do que o valor atual”.
Cláudio André Castro, diretor da Sergio Castro Imóveis
“Isso traz a falência dos condomínios e contradiz o que é certo há mais de uma década: temos que pagar pela água que consumimos. E a decisão faz com que tenhamos que pagar pela água não consumida, que, principalmente, em um momento de fraqueza do mercado de escritórios é um grande absurdo. Atualmente, esse segmento tem de 30% a 50% das salas vazias. Então, como é que pagaremos valores mínimos nessas supostas ‘economias’ se as salas estão vazias? Tivemos o caso de um edifício vazio que nós vendemos que constava como 160 economias, multiplicando por R$ 700 para cada uma por mês dava uma fortuna. E só tinha um porteiro. Então, o condomínio tinha que pagar uma conta absurda por causa de um funcionário. O correto é ter um sistema que se cobre da pessoa, do condomínio, do ente, da empresa, o que ela consome. Qualquer outra coisa vai provocar a falência dos condomínios no Brasil todo”.
Bruno Queiroz, coordenador da Cipa Síndica
“Essa mudança pode resultar em aumento das despesas mensais dos condomínios, pela nova forma de cobrança, e levar, por exemplo, a necessidade de investimentos significativos em infraestrutura e até à instalação de hidrômetros individuais e adaptações nas tubulações, que poderão ser repassados aos condôminos. Em condomínios maiores ou com áreas comuns de uso intensivo, como piscinas e lavanderias, a divisão justa dos custos poderá ser um desafio, podendo gerar conflitos entre os moradores. Diante desse cenário, é essencial que os síndicos estejam atentos e adotem boas práticas para gerenciar os custos, como manter-se atualizado sobre as novas regras de cobrança, conscientizar os moradores sobre a importância da economia de água, revisar periodicamente suas faturas, e implementar manutenção preventiva nas instalações hidráulicas do condomínio”.
Edgar Poschetzky, diretor-geral da APSA
“A nova abordagem, que combina uma parcela fixa correspondente a uma franquia de consumo para cada unidade autônoma e uma parcela variável sobre o consumo excedente, visa garantir justiça na cobrança e previsibilidade nas receitas das prestadoras de serviços. No entanto, a prática nos mostra que esse método pode resultar em aumentos consideráveis nas contas de água dos condomínios, impactando também o valor médio mensal da cota condominial. A mudança representa um desafio para a administração de condomínios, que deverá ajustar o orçamento para absorver esses novos custos, sempre buscando minimizar o impacto financeiro para os condôminos. É crucial que acompanhemos de perto os desdobramentos dessa decisão e os possíveis recursos que ainda podem ser apresentados”.
Leandro Sender, advogado especializado em Direito Imobiliário
“Além da taxa mínima por economia, o STJ analisou mais dois pontos. Um deles é a chamada cobrança híbrida, que, agora, é ilegal. Neste caso, era considerado cada uma das economias como um consumidor, dividia o consumo real do condomínio por cada uma delas e obtinha uma média por unidades da verdadeira utilização de água pelo condomínio. A metodologia foi classificada como ilegal e não pode mais ser praticada em prejuízo dos condomínios. O outro ponto, dessa vez benéfico para os condomínios, foi a declaração de ilegalidade da cobrança, considerando que o condomínio é uma única economia. Se tem apenas um hidrômetro único, se consideraria aquele consumo como sendo de uma única pessoa e aí chega na faixa de consumo progressivo proporcional a ela. Isso também foi considerado ilegal”.
Como funcionava a cobrança
Victor Tulli, diretor de Negócios da Administradora Nacional, explica que, até recentemente, a cobrança do consumo de água e esgoto em condomínios podia ser realizada de diferentes formas: por média, por estimativa, pelo consumo real ou híbrido ou por uma tarifa mínima. “Muitos condomínios entraram com ações do STJ contestando essas formas de cobrança, argumentando que a cobrança baseada no consumo real era mais justa. Essa posição vinha sendo sustentada por mais de 20 anos de jurisprudência. Na decisão de 2010, o STJ havia proibido que as concessionárias cobrassem uma tarifa mínima por unidade no condomínio, considerando essa prática injusta. Contudo, a nova decisão do STJ reverteu essa posição”, diz Tulli.
Para os condomínios que estão com ações na justiça, o advogado Leandro Sender afirma que o STJ também definiu posicionamentos. Se estiverem relacionadas à cobrança da tarifa mínima por economia, as ações ajuizadas serão julgadas improcedentes. Já com relação ao modelo de cobrança híbrida, o condomínio não vai precisar pagar a diferença. “Neste caso, não haverá prejuízos”, ressalta Sender. E sobre a cobrança em que a concessionária estabelecia o condomínio como um único consumidor, as concessionárias vão ser obrigadas a devolver esse valor de forma simples.