Aproveitei o feriado para rever um filme a que assisti vinte anos atrás, num final de semana comum de um estudante de Filosofia que se interessava por cultural oriental e Shakespeare. Na época, fui à locadora, como se costumava fazer naquele período jurássico de nossa história, e lá encontrei o filme perfeito: 'Chunhyang'. Na capa, dizia que era o Romeu e Julieta da Coreia.
'Chunhyang' narra a história de Chunhyang (naturalmente), uma jovem que mantém sua promessa de amor a Mongryong, apesar do abismo social que os separava. Mongryong era filho de um magistrado (espécie de prefeito) e um estudante de classe alta em quem se depositavam as mais altas expectativas familiares. E ficam naquilo: prometem amor eterno um ao outro, mas são separados quando o pai de Mongryong vira ministro do Rei, e o rapaz é forçado a partir para a capital, onde seguirá com os estudos.
Enquanto ele está fora, Chunhyang enfrenta a rejeição social e a pressão do novo prefeito local, que tenta forçá-la a se tornar sua concubina. Mas Chunhyang resiste. Bravamente. E, contra as investidas do autoritário líder, mantém sua lealdade a Mongryong. A história se desenrola, e nela se destacam cada vez mais sua fidelidade, sua resistência e sua luta contra o magistrado que abusa da lei para abusar dos súditos.
Põem-se em questão a hierarquia social, o papel das mulheres na sociedade tradicional coreana e também, ao mesmo tempo, a importância da tradição e da honra. O filme oferece uma visão fascinante da cultura coreana da época, enriquecendo a compreensão dos espectadores sobre a história e os valores do país.
As minhas expectativas foram surpreendentemente superadas. O filme dirigido por Im Kwon-taek tem uma representação visual impressionante, e cumpre perfeitamente o compromisso em contar uma história clássica da literatura coreana. A fotografia é deslumbrante. As paisagens naturais, os figurinos e a cinematografia em geral são de cair o queixo. Fui transportado para a Coreia do século XVIII. A direção de arte é muito bem executada.
Na época, não vi o filme sozinho, e a maioria dos que estavam comigo não gostou. A narrativa é talvez um pouco lenta para os padrões contemporâneos, e a trama, baseada em um conto popular coreano, pode parecer um pouco simplista. Os protagonistas, Chunhyang e Mongryong, embora interpretados com competência, podem parecer muito idealizados, o que torna difícil para o público se conectar emocionalmente com eles.
Mais do que Romeu e Julieta, o filme me lembrou também da Antígona, de Sófocles: Chunhyang desobedece à autoridade constituída em nome dos mais altos princípios morais, de uma lealdade e de uma razoabilidade natural que lhe parecem maiores do que a lei escrita; tal qual Antígona, que desafia as ordens do Rei Creonte para poder enterrar seu irmão Polinices.
O filme acaba de um jeito otimista, com o triunfo do amor de Chunhyang e Mongryong. O que me remeteu a mais um exemplo de lealdade feliz, o da Odisseia.
Chunhyang e Penélope são verdadeiras heroínas da fidelidade. Penélope é a esposa que aguarda pacientemente o retorno de Odisseu durante uma jornada longuíssima, enquanto Chunhyang mantém a promessa de amor a Mongryong, mesmo quando enfrenta adversidades.
Terminado o filme, fiquei a pensar no modo como Ocidente e Oriente enxergam a lealdade. Às vezes tão parecido, em tradições tão diferentes. Talvez seja mesmo um valor universal, uma recompensa do indivíduo para si mesmo, que o faz símbolo de resistência heroica aos arbítrios de todas as épocas e lugares.