Colunista Rafael Nogueirareprodução

Num território vasto, conquistado por aventureiros, onde as diversas culturas se entrelaçaram com a violência (mas não só), um vazio de força e unidade habitava os corações; desde o nativo, que buscava a terra de Tupã, até o português deste lado do oceano. A sensação de vazio, ansiedade e expectativa vinha dos mares e dos sertões por descobrir, mas também da própria alma portuguesa, à qual se acomodaria muito bem o mito de D. Sebastião.
Até hoje, nossos líderes políticos em geral emergem quando preenchem (ou tentam preencher esse vazio).
Antes de D. Pedro, foi D. João quem deu início ao processo de unificação com a fundação do Reino do Brasil. Ele estabeleceu os alicerces dessa unidade, e D. Pedro consolidou a obra de seu pai, tornando o Brasil independente, quando as cortes lisboetas queriam submeter o país a um papel menor.
O localismo sempre fez parte da tradição política portuguesa. Tem a vantagem do autogoverno e a desvantagem da dispersão, que enfraquecia a comunicação dos avanços civilizacionais e daquele senso de unidade que faz cada um chamar seu país de seu.
Essa dualidade política é comparável ao contraste entre Grécia e Roma: a busca por unidade por meio de língua e religião, ou a unidade jurídica e política. No período colonial do Brasil, predominava uma vivência à grega, caracterizada pela descentralização do poder. Após a chegada de D. João, o país assumiu um ideal mais romano, enfatizando a busca pela unidade política a que já muitos ansiavam e consolidando o território.
Nesse contexto emerge Pedro II, o estadista que por mais tempo governou o Brasil. Debaixo de sua coroa batalhavam os conservadores, apóstolos do centro de força e unidade que manteria o território, as tradições e o esparzir das luzes do centro às periferias, e os liberais, que preferiam as forças locais conjugadas, e, portanto, o parlamentarismo, o federalismo, a industrialização etc.
A Primeira República, a partir de Prudente de Moraes, foi dos herdeiros dos antigos liberais. Variavam os presidentes, mas pulsava nos corações, a cada adversidade, a saudade do imperador. Após um período marcado por corrupção eleitoral e poder nas mãos de oligarcas, o Brasil se deixou liderar por Getúlio Vargas. Democracia e federalismo estavam na boca das pessoas, mas eram ideais vazios sem o atendimento das periferias pelo centro, sem a unidade desse vasto espaço do globo. Vargas desempenhou o papel de "rei postiço", ganhando assim a confiança do brasileiro.
Vargas manteve a estabilidade mesmo quando a Revolução de 1932, em São Paulo, prometia derrubá-lo em nome da constituição e da democracia. Meu tio-avô lutou na guerra contra o getulismo, e muito paulista ainda crê que São Paulo teria conduzido o Brasil à lei, à liberdade e à prosperidade. Quem pode dizer o que teria acontecido?
Após Vargas, o Brasil passou por eleições em que seu indicado, e depois, ele mesmo, sucederam a era que leva seu nome. Depois, quis Juscelino Kubitschek também seguir os passos daquele que saiu da vida para entrar na história, realizando o grandioso projeto da nova capital, fundando Brasília no mesmo dia em que Rômulo fundou Roma. O mesmo ímpeto animou o governo Médici.
Uma liderança tão imensa quanto nosso país não surge do nada. É um mistério que deve ter um dedo da Fortuna e outro da Providência. Hoje, as opções que temos são as que estão aí. Não há terceira opção.
Há talvez o localismo. Fortalecer os Estados, os municípios, os líderes menores é uma forma de resistir ao magnetismo do centro político. A expectativa do líder forte e unificador, porém, permanece. Mesmo o Brasil mantendo viva a luta entre o localismo e a unidade, esquerda e direita parecem viver na busca pelo centro de força e unidade, e pelo líder que o represente.
São as saudades do imperador.