Um caso de importunação sexual foi parar na justiça, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A vítima, a empresária Fernanda Marques da Silva Alves, de 43 anos, acusa o dono de uma lanchonete de apalpar suas nádegas quando ela retornava de uma academia de ginástica. Após registro na polícia, o comerciante foi denunciado e se tornou réu em um processo que segue sob o 'segredo de Justiça'.
O caso ocorreu em 2023, na Engenhoca, bairro da Zona Norte de Niterói, mas, só se tornou público, este ano. Após dez meses escondendo da família, se sentindo culpada e vendo sua vida mudar completamente, a empresária resolveu falar, denunciar e transformar sua dor em luta. Fernanda passou por tratamento psicológico e, recentemente, criou um canal nas redes sociais para ajudar outras mulheres.
Evangélica, casada há 18 anos, e mãe de duas meninas, Fernanda Alves relata que o acusado era amigo da família e congregava na mesma igreja. O fato causou transtornos emocionais e só não abalou o casamento porque ela teve o apoio da família. Para a empresária, o fato de vivermos em uma sociedade machista e patriarcal faz com que crimes contra as mulheres, como a importunação sexual, sejam ‘naturalizados’.
‘Não é só uma mão boba’
“Eu estava retornando da academia, quando ele me chamou. Fui saber o que ele queria falar e conversamos por poucos minutos quando, na hora de ir embora, nos despedimos. Ele havia ido à igreja com minha família, eu nunca imaginaria aquilo. Até que senti a mão dele descer e passar em mim. Na hora eu soltei e segui meu caminho. Não tive reação, não gritei, não questionei, só andei tentando me convencer de que aquilo não tinha acontecido. Só quando vi uma mensagem dele no aplicativo, percebi que era sério e precisa fazer alguma coisa”, relembra Fernanda, que ainda chora ao tentar falar do caso. “Não é só uma mão boba; agora, é crime”, completou.
Empresária foi acolhida no Movimento de Mulheres em SG
Acolhida pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), a empresária Fernanda Alves recebeu orientações e foi recebida pela gestora da instituição, Marisa Chaves, que repudiou o ato e ofereceu apoio à vítima. Chaves ressaltou a luta das mulheres para mudanças na legislação brasileira, que, após 2018, com a criação da Lei 13.318, tipificou a importunação sexual como crime.
“Atualmente, temos dispositivos legais que asseguram às mulheres acionarem a justiça através do registro de ocorrência toda vez que elas se sentirem importunada em sua intimidade sexual. Portanto, homens que criam constrangimento para as mulheres podem ser presos em flagrante. É importante dizermos para todas as mulheres que os nossos corpos nos pertencem, e, que, a nós é de direito. E não permitimos que ninguém possa manipular, alisar ou tocar, constranger ou se sentir proprietária de nossos corpos. A Fernanda tem todo o nosso apoio”, complementa Marisa.
Delegada reitera sobre importância da denúncia
O caso foi apurado pela Delegacia Especial de Atendimento às Mulheres (Deam) e denunciado pelo Ministério Publico. Hoje, o autor do crime, que teve o nome mantido em sigilo até decisão da justiça, é réu no processo e pode ser condenado até cinco anos de prisão. A delegada Fernanda Fernandes, que foi uma das primeiras pessoas a ouvir o relato da empresária, fez o registro de ocorrência e encaminhou o caso à justiça. Ela falou sobre a importância da denúncia como primeiro passo para prisão dos acusados. Após a denúncia, outras duas supostas vítimas do acusado procuraram a polícia e registraram ocorrências.
"A denúncia é o primeiro passo. É sempre bom reafirmar a importância de denunciar os casos. Antes de 2018, o homem saía pela porta da frente da delegacia. Com a nova legislação, crimes como importunação sexual pode levar a prisão em flagrante. As provas são importantes, mas, caso a mulher fique ‘insegura’, deixe a polícia fazer o trabalho de investigação. É importante esse passo, pois o autor nunca comete uma vez só. Quando você denuncia, você já registra o que ele fez. Se ele cometer novamente, a polícia já terá acesso ao registro e mesmo que a prova seja fraca, o registro antigo já pode ajudar", explica a delegada Fernanda Fernandes, responsável pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Psicóloga alerta sobre necessidade de romper o ciclo de violência
Para a psicóloga Safira Linhares, importunação sexual é um crime naturalizado, devido à nossa ‘cultura do estupro’ ditada pelo machismo. Ela alerta sobre a necessidade de a mulher quebrar o silêncio e romper com o ciclo de violência.
"Existe um imaginário social, moldado por ideais patriarcais da nossa sociedade, responsável por colocar o corpo da mulher na esfera do público - aquele que pode ser invadido sem permissão. Historicamente, sendo vista como propriedade masculina, a mulher foi retirada do local de sujeito de direitos e desejos, ocorrendo assim, a objetificação de sua existência. Ter um corpo-alvo coloca as mulheres em posição de constante vigília, com pensamentos que lembram incansavelmente que o simples ato de ocupar as ruas, torna-se um risco de violação”, explica a psicóloga.
“Dessa forma, quebrar o silêncio, após sofrer uma violência, não se trata de um movimento fácil para nenhuma mulher. Vivemos em uma sociedade em que a palavra feminina é sempre questionada e descredibilizada, ao mesmo tempo em que as violências que atravessam seu corpo - como a importunação sexual - são banalizadas e naturalizadas. Por isso a importância da conscientização da população para assuntos como esse”, complementa Safira, que integra a equipe do Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência (NACA-SG).
Brasil registrou cerca de 80 mil casos de importunação sexual
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), até 2022, foram registrados, aproximadamente, 78 mil casos de importunação sexual, em todo o Brasil. Para especialistas, o aumento de casos, no entanto, é reflexo das novas legislações, da conscientização das mulheres e do crescimento dos canais de denúncias, como Disque 180 ou o MMSG ((2606-5003/21 98464-2179).
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