'O Paciente - O Caso Tancredo Neves' - Desirée do Valle
'O Paciente - O Caso Tancredo Neves'Desirée do Valle
Por BRUNNA CONDINI

Rio - Já na abertura, o longa 'O Paciente - O Caso Tancredo Neves', que chega aos cinemas hoje, emociona. Imagens de arquivo fazem uma breve passagem dos anos de ditadura militar até 1984, quando o movimento por eleições 'Diretas Já' levou milhões de pessoas às ruas, no maior movimento popular da história do país. Foi neste cenário que Tancredo Neves chegou à presidência, ainda que indiretamente, e se tornou o primeiro presidente civil depois de mais de duas décadas de ditadura.

Era a esperança de um Brasil novo. Tancredo de Almeida Neves foi eleito em 20 de janeiro de 1985, mas não chegou a tomar posse. Na véspera da cerimônia para receber a faixa presidencial, em Brasília, foi internado inesperadamente. É esta a atmosfera que o longa protagonizado por Othon Bastos e dirigido pelo premiado Sérgio Rezende pretende reconstituir, revelando os detalhes que envolveram da internação à morte do mineiro.

"É um filme sobre o último mês de vida dele. Um homem que se preparou a vida inteira para ocupar esse cargo de presidente do Brasil e que, na véspera de tomar posse, depois de 21 anos de ditadura, sente uma dor abdominal terrível, vai pro hospital com diagnóstico de apendicite, tem que ser operado de emergência e não sai nunca mais", relata Sérgio. E completa: "Tancredo sofre sucessivas operações, é transferido para São Paulo e finalmente morre, em 21 de abril de 1985. É um thriller médico que se passa nesse período".

OS ÚLTIMOS DIAS

Na trama, com uma semelhança impressionante, tanto pela caracterização quanto pela composição, Othon Bastos vive o estadista em seus últimos dias. "Othon é um antigo parceiro. Ele é uma força do cinema brasileiro. Este é nosso terceiro filme juntos. Já rodamos 'Mauá' (1999) e 'Zuzu Angel' (2006). Ele sabe tudo e tem enorme jovialidade", declara Rezende.

O roteiro foi inspirado no livro homônimo de Luis Mir, escritor e médico paulista que, ao longo de 10 anos, pesquisou e teve acesso a todos os documentos oficiais, prontuários médicos e relatórios. Além de falar com alguns dos envolvidos. "Essa história, narrada desta forma, é desconhecida de quase todos nós", esclarece o diretor.

Velório do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, realizado no Salão Nobre do Palácio do Planalto - Agência Brasil

Qual a importância de reviver esta história hoje, depois de mais de 30 anos da morte do Tancredo?

"O Brasil tem fama de ser um país sem memória. As pessoas dizem muito isso. Cada vez mais, por conta da velocidade das informações, estamos vivendo muito o momento, o agora. É difícil para as pessoas olharem para trás, ver de onde as coisas estão vindo. Acho importante contar esse trecho da história, pois acredito que tenha sido determinante para o cenário político atual. É a história do nosso país e é importante entendê-la para mudá-la".

Sérgio observa ainda que Tancredo uniu o país duas vezes: na esperança da democracia e na tragédia de sua morte.

"Neste roteiro, há trechos polêmicos, como as atitudes de alguns médicos e mesmo da família. Ela na época tentou, de alguma maneira, por razões até muito justas, sonegar informações para a opinião pública", diz Sérgio Rezende. "É tudo bem delicado, mas o interesse do filme não é fazer acusações. É uma conjunção de fatos em que ele é o personagem-chave. Há mil sutilezas na história, e a gente tem que procurar ser honesto com o que está narrando. O filme conta a história como aconteceu, o que vejo como um serviço à população, que, até hoje, ainda cria teorias sobre a morte dele".

PARCERIA ANTIGA

Aos 85 anos, sendo mais de seis décadas deles dedicadas à profissão, Othon Bastos conta sobre o que o fez querer viver o estadista nas telonas.

"O roteiro do filme é excelente. Me levou a conhecer a verdadeira história e sofrimento de Tancredo em seus 36 últimos dias de vida no hospital", comenta. "Fui tocado por essa angústia, pelo desespero desse homem. Essa grandeza que ele tinha ficou muito clara. Apenas confirmei o que sabia dele como homem público, seu caráter, dignidade e sua preocupação com o Brasil".

'O Paciente - O Caso Tancredo Neves' - Desirée do Valle

COMOÇÃO

Em suas lembranças do período, o ator recorda as marcas deixadas pela emoção ao redor da morte de Tancredo.

"Foi a comoção de um país inteiro. Senti uma esperança perdida. O que seria agora? Com ele a transição era garantida, teríamos uma verdadeira democracia", reflete.

E o ator acrescenta: "Quer coisa mais terrível do que o caixão subindo a rampa? Essa imagem é inesquecível. Não lembro de ter visto de novo essa comoção no país. Eram 20 anos de ditadura que estavam para terminar, existia uma expectativa imensa por parte da população. Essa esperança no novo acho que foi o que ficou, junto com a frustração de jamais saber como teria sido".

O elenco conta também com Esther Goes, como dona Risoleta Neves (mulher de Tancredo). E tem ainda Emilio Dantas no papel de Antonio Britto, secretário de imprensa e assessor de Tancredo, além de Paulo Betti (o médico Henrique Walter Pinotti, que tratou Tancredo), Otavio Muller e Leonardo Medeiros. Luciana Braga interpreta Ines Maria, filha de Tancredo.

Othon Bastos revela o que o emocionou nas filmagens. "Foram sete cirurgias. A cada dia o cansaço e o sofrimento aumentavam, e ele dizia: 'Eu já não aguento mais'. Como ator, me sentia cada vez mais comovido, tocado".

O ator acredita que o filme possa servir para as pessoas ampliarem seus conhecimentos e pensarem nos seus votos. O que em ano de eleições vem a calhar.

"Tenho a impressão de que nesta geração existem pessoas que sequer acreditam que houve uma ditadura militar nesse país. E aconteceram torturas, mortes. Muitas acreditam que é tudo ficção da imprensa, dos desesperados que estavam 'querendo transformar esse país numa Cuba'", analisa. "Acho que vai causar uma surpresa, até mesmo para os mais velhos. Quando ando na rua e me perguntam o que estou fazendo e falo 'Tancredo', costumo ouvir: 'Ah, aquele que foi eleito e foi assassinado para não tomar posse?'. Enfim, desejo que este filme sirva para que as pessoas ampliem seu conhecimento sobre a nossa história".

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