Ney MatogrossoMarcos Hermes

Rio - O talento de Ney Matogrosso aflorou mesmo em meio à pandemia. Aos 80 anos de idade, um dos maiores artistas da música brasileira acaba de lançar seu novo álbum. Intitulado de ‘Nu Com a Minha Música’, o disco traz doze regravações de clássicos como ‘Quase um Segundo’, de Herbert Vianna, e ‘Espumas ao Vento’, que fez sucesso na voz de Fagner.


O trabalho, aliás, surgiu por efeito da pandemia. A produção do álbum foi a salvação do artista durante o período. “Foi um pretexto para eu sair daquilo. A arte tem esse poder. Não só a música, a música, especialmente para mim, mas a arte tem esse poder de te libertar quando você se expressa”, conta Ney, que revela um sofrimento intenso durantes os períodos de angústia provocados pelo isolamento social e disseminação do vírus.

“Me senti péssimo. Como todo mundo, né? Eu tava me sentindo muito mal, muito isolado do mundo, isolado dentro de mim. A sensação que eu tinha era que meu corpo tinha virado uma prisão. Muito estranho. Era muito ruim mesmo. Para mim, foi a minha salvação. Depois que eu comecei a fazer o disco, eu saí daquele estado que eu me encontrava”, desabafa o artista.

Volta por cima

Decidido a mudar sua relação com o isolamento, Ney focou no trabalho e o primeiro passo foi escolher o repertório do disco. “Sempre que eu ouço alguma coisa que eu gosto, eu vou escrevendo, marcando. Então, eu tenho vários repertórios escritos. Uma ou duas dessas músicas já estavam nesses repertórios escritos. Outras, eu ouvi na casa de um amigo. Também tem as que eu já queria cantar há muito tempo. Então foi assim que eu formei. Eu não tinha nenhuma preocupação com música inédita, porque eu acho que o inédito é eu cantando essas músicas”, brinca o 'verdadeiro' Adulto Ney, que trata o álbum como um episódio especial na sua carreira.

“Eram músicas que algum dia eu cantaria e calhou de ser agora, nesse momento. Como eu não tinha nenhuma preocupação em fazer um show disso, eu cantei tudo o que eu quis despreocupadamente. Portanto, eu considero esse um trabalho super especial dentro de todos os que eu tenho feito. Porque os outros eram profissionalmente e esse é emocionalmente”, declara.

Sexy e romântico

Com canções que falam de amor, de dor e de paixão, Ney Matogrosso defende que o álbum é uma oportunidade de exercitar um lado pouco explorado de sua performance. “É um disco romântico descarado. E eu gosto, gosto de exercitar isso. Eu não sou um cantor romântico, assim como Roberto Carlos, mas sei cantar música romântica. Então, acho que o disco é, basicamente, um disco romântico. Ele tem algumas exceções, mas que de alguma maneira não é só sexual”, pondera o artista.

Junto ao álbum, Ney também lança, no Youtube, um mini-documentário dividido em quatro episódios e que mostra os bastidores da produção de ‘Nu Com A Minha Música’. “Quando você tá gravando, sempre existem pessoas filmando. Eu não tinha uma ideia específica de um mini doc na minha cabeça, mas eu gosto muito do resultado. Eu acho que ele é despretensioso, mostra a gente ali dentro do estúdio. Depois foram acrescentados os depoimentos dos músicos, que eu também acho interessante, porque eram muitos músicos. É a primeira que eu faço com quatro bandas ao mesmo tempo”, conta.

Resistência

Símbolo de libertação e resistência à opressão desde os anos 1970, Ney Matogrosso é só lamentações ao repercutir as declarações polêmicas - e mentirosas - do atual presidente da República Jair Bolsonaro. Em live realizada há pouco mais de uma semana, o ex-capitão associou a vacina contra covid à AIDS.

“Ridículo. Ridículo. É a única palavra que me ocorre. Ridículo. Não me preocupa porque é tão ridículo, é tão fora da real, que ele já foi desmentido por todos os lados que deveria. Pessoalmente, isso não me provoca nada. Me provoca ver que é uma estupidez que está sendo dita”, desabafa Ney Matogrosso que segue tentando resistir com sua arte.

“Eu trabalho com a minha liberdade. Não sucumbi ao baixo astral. E a liberdade sempre incomodou”, declara o artista.