"Morro Estrelado", de Douglas Dobby, é uma das obras expostas na mostraDouglas Dobby, Morro Estrelado, 2020

A exposição “Gamboa: nossos caminhos não se cruzaram por acaso”, sediada na Praça da Harmonia, na Região Portuária, vai homenagear a produção artística do bairro, que tem grande peso na história do Rio. A partir desta sexta-feira, no Centro Cultural Inclusartiz, serão expostas cerca de 80 pinturas, esculturas e fotografias criadas por 25 artistas que transformaram em arte o presente e o passado carioca.
No mês que marca os 144 anos da abolição da escravatura, a exposição vai apresentar um recorte histórico e abordar a cultura presente na região, que abriga a "Pequena África", formada por locais como Cais do Valongo, Pedra do Sal e Morro da Providência, detentores de um grande valor ancestral e marcantes para a história da população negra no Rio de Janeiro.

O curador independente Lucas Albuquerque, responsável pelo projeto, conta que a exposição é inspirada em um manuscrito da artista Tia Lúcia, pintora, escultora e moradora do Morro do Pinto, localizado no bairro Santo Cristo, na Zona Central da cidade. Segundo ele, a obra intitulada "Nossos caminhos não se cruzaram por acaso. Os maiores especialistas em sorrisos estão aqui" demonstra o desejo de abordar o cruzamento entre artistas e a cultura presente naquela parte da cidade. 

"A exposição busca pensar a região a partir da proposta do encontro, proporcionado pela interseção de caminhos entre artistas, curadoria, pesquisa e instituição, lembrando o passado do lugar que ocupamos hoje e analisando as práticas que se desenham sob seus rastros", reflete o curador. Além de referência para o nome do projeto, Tia Lúcia terá 17 trabalhos expostos, cinco deles nunca antes exibidos para o público geral.
A mostra é composta por obras de artistas que circulam, trabalham, moram no bairro e, por consequência, são inspirados por ele. Douglas Dobby, de 30 anos, é fotógrafo nascido e criado no Morro da Providência. Sua obra tem como objetivo romper o imaginário coletivo das favelas e mostrar, com um olhar cuidadoso, o cotidiano e a beleza da vizinhança.
O artista, que terá uma série fotos exposta no evento, ressalta a relevância da visão dos próprios habitantes sobre o espaço que ocupam. "É importante retratar as pessoas que habitam esse território, reconhecer quem faz a história desse lugar. A Tia Lúcia é uma delas, assim como os moradores e artistas que interpretam um pedacinho do local onde vivem", diz.
"A região portuária é muito apagada historicamente, não há um olhar sensível nesse sentido. A Gamboa é muito importante e representa uma história gigante. Essa exposição traz a visão e a sensibilidade de cada artista sobre o passado dessa região, fazendo a conexão entre o que temos para mostrar e a ancestralidade do lugar", finaliza Douglas.
A multiartista Lolly, de 28 anos, chegou à Gamboa por meio de seu trabalho com o grafite. Envolvida no samba e na arte das ruas, ela passou a frequentar eventos culturais e o movimento local, se fazendo bastante presente na região. Em sua obra, denominada "Pista Salgada", criada especialmente para a exposição, a artista aborda um de seus lugares favoritos na cidade: a Pedra do Sal.
"O mais legal de participar da exposição é que ela exalta o que tem de mais valioso em uma cultura: o fato dela estar viva e pulsando. Nesse caso, especialmente, em um bairro símbolo de resistência cultural e histórica. Me sinto lisonjeada de estar fazendo parte disso, porque habito esse lugar pela cultura que existe nele", declara.

A seleção também inclui personagens notáveis da história da arte brasileira como Augusto Malta, principal fotógrafo da evolução urbana do Rio, Heitor dos Prazeres, compositor e pintor de destaque na cultura popular brasileira, e o premiado gravurista Rossini Perez. O trio é conhecido por retratar em suas obras o ambiente da Zona Portuária.
Além dos trabalhos exibidos, também foi realizado um mapeamento das obras pelas ruas da Gamboa. "Assumimos o compromisso de abranger as mais distintas manifestações de arte por meio de um mapeamento cartográfico, que sinaliza o trabalho de mais de 70 artistas pela Região Portuária", explica Frances Reynolds, presidente e fundadora do Instituto Inclusartiz.
A história da Gamboa

O bairro, que abriga diversos pontos essenciais para a compreensão da história do Rio de Janeiro e do Brasil, se destaca na cidade por sua carga cultural. A "Pequena África", batizada pelo compositor Heitor dos Prazeres, é também conhecida como Circuito Histórico Arqueológico de Celebração da Herança Africana. A região, que se encontra na Gamboa, inclui locais como o Cais do Valongo, o lugar que mais recebeu pessoas escravizadas do continente africano no mundo.

"Partimos destes encontros para uma leitura histórica, entendendo que as feridas ocasionadas por essas passagens ainda estão abertas", afirma o curador Lucas Albuquerque.

No bairro, encontra-se ainda o antigo Morro da Favela, atual Morro da Providência, além de outras comunidades importantes para a história do Centro do Rio de Janeiro. Da Revolta da Vacina ao nascimento de Machado de Assis, o local abriga uma história que vai muito além dos limites do morro.
Centro Cultural Inclusartiz
Rua Sacadura Cabral, 333
Gamboa, Rio de Janeiro

Visitação: quinta-feira a domingo, das 11h às 18h.
Entrada gratuita