Por rafael.arantes

Rio - O Império Serrano está passando, mais uma vez, por sérios problemas internos. A eleição para presidência, que seria em maio, foi adiada por liminar impetrada por um membro da escola.  De há anos a escola, glória do samba, do carnaval e da cultura brasileira, vê-se envolvida em disputas internas, guerras judiciais, guerra de vaidades; há mais tempo, porém, o Império Serrano perdeu sua posição de centralidade no desfile das escolas de samba. Falo de “desfile”, de disputa entre as agremiações que desfilam no carnaval, para traçar uma tênue linha entre samba e carnaval; a importância do Império no planosimbólico-cultural independe de colocações na Quarta-Feira de Cinzas, embora eu imagine que a imperiano algum ocorrerá desprezar o cortejo carnavalesco da escola, considerando-o algo menor. Se há os que pensam assim, é de lamentar – e questionar se são, de fato, imperianos.

Certa vez, vi num site a foto de uma faixa estampada na quadra da escola com os seguintes dizeres: “Império Serrano: a resistência da cultura brasileira.” A frase é bonita pelo que nela há de verdade, mas sua exposição ostensiva é perigosa pelo que pode induzir a uma postura de imobilismo e oportunismo, por servir de desculpa para justificar erros que se avolumam à medida que a escola paulatinamente foi deixando de figurar entre as favoritas para disputar campeonato.

Império Serrano vive dilema entre glórias e crisesDivulgação

A que resiste o Império Serrano? Resiste à pasteurização da cultura, ao manter vivas suas tradições: a tradição do jongo, do samba autêntico, da convivência de seus baluartes, da participação da comunidade. Mas creio que a palavra “resistência” da faixa carregue algo de rejeição ao estilo de fazer carnaval atualmente – o feérico carnaval de grandes investimentos financeiros, de suntuosidade; o carnaval das superescolas de samba S.A, que o Império cantou em 1982, seu último título.

Nesse ano, o Império desfilou com o enredo “Bum-bum Paticumbum Prugurumdum”, que contava a história das escolas de samba. O enredo era uma crítica ao novo ciclo hegemônico do carnaval carioca, formado por Beija-Flor, Imperatriz e Mocidade, escolas que se caracterizavam pela presença de patronos e pelo forte apelo visual. Das escolas tradicionais, que dominavam os ciclos anteriores – Mangueira, Portela, Império e Salgueiro -, foi exatamente o Império o mais afetado pelo golpe desferido a partir de 1976, ano inaugural do novo ciclo, coma vitória da Beija-Flor. Um golpe sentido já àquela época, e não a partir do início dos anos 90, quando a escola tornou-se ioiô devido ao movimento pendular de subida ao Grupo Especial e descida ao Grupo de Acesso.

O primeiro rebaixamento do Império data de 1978; em 1981, ficou em último lugar, mas não desceu – o que lhe permitiu ser campeã no ano seguinte. Por vários anos as escolas tradicionais, vendo sua força diluir-se, debatiam internamente se deviam adotar o modelo das escolas emergentes. Esse é um debate superado e datado: Mangueira e Salgueiro só puderam entrar no novo ciclo quando se conscientizaram que tinham de modernizar-se; e a Portela tenta esse empreendimento, com a nova administração. E o Império transmite a impressão de que superou o debate por vias contrárias às de Mangueira e Salgueiro, fechando-se à modernização e orgulhando-se disso.

Império Serrano não conseguiu o sonhado retorno para o Grupo Especial em 2014Severino Silva / Agência O Dia

Este é, em verdade, o problema estrutural do Império Serrano. Sem recursos para desfiles competitivos e sem patronos para bancá-los, mergulhado em divisões internas e em péssimas administrações, o Império apequenou-se como escola. É duro, é difícil escrever isso, mas às vezes é preciso ser duro para descrever a realidade. O Império Serrano tornou-se uma escola pequena que não amedronta suas rivais seja no acesso, seja tampouco no Grupo Especial. Poderia recorrer ao fácil expediente de culpar a Prefeitura, a Liesa, a Lierj, a Associação e tutti quanti. Mas a raiz do problema não é externo; está em seu próprio umbigo.

Que saída vislumbrar para o Império? Vencer a resistência à modernização, à concepção de carnaval que tantos de vocês imperianos criticam, e tornar-se uma superescola de samba S.A. Sabemos que essa imagem guarda muito de ficção, pois, àquela época e ainda hoje, poucas são as escolas, incluindo as do Grupo Especial, com toda essa organização de que falava o samba de Beto Sem Braço e Aluísio Machado, se é que as há.

Escola de vanguarda que sempre foi, o Império Serrano deve saber aproveitar este momento de crise para superar-se e inovar mais uma vez, tornando-se de fato a primeira superescola de samba, com superalegorias, mas sem esconder gente bamba, sem covardia. Para isso, é preciso que haja mudança de mentalidade; é preciso que o vencedor da eleição, quem quer que seja ele, tenha a consciência deste momento histórico. Não é fácil. É duro, é difícil. Mas é o de que a escola precisa.

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