Rio - Um dia desses me pediram para falar do meu Carnaval inesquecível. Respondi que os melhores Carnavais são aqueles dos quais não temos recordações, já que a essência da festa é o esquecimento. Carnaval bom é aquele do qual temos vaga, ou nenhuma, lembrança. O meu Carnaval inesquecível, portanto, foi um desastre.
Refiro-me ao ano em que um amigo conseguiu convites para um baile de salão no Scala; daqueles mais decadentes, com direito a lugar na mesa. Eu disse que não iria de forma alguma, detestava esses bailes, tinha trauma de infância — desde a ocasião em que fiquei entalado numa privada vestido de Emerson Fittipaldi durante um baile infantil — e outros salamaleques. Diante, porém, da insistência do convite, cedi. Outro amigo nosso também entrou na roda.
É justo registrar que fomos de fantasias inusitadas: assadura, pomada Minâncora e Hipoglós. A Minâncora e o Hipoglós, era nosso objetivo performático, simulariam uma disputa no salão pelo privilégio de combater a assadura.
O troço foi o horror. Até o velório do meu querido avô, tempos depois, foi muito mais divertido do que aquele espetáculo tenebroso, que mais lembrava um fim de ágape nas catacumbas romanas.
O salão estava frio e a cerveja, quente. O serviço de bufê tinha como grande atração uma cascata de camarões duros; vez por outra serviam uns peixes empanados tão velhos que mais pareciam testemunhas oculares do naufrágio do Titanic. A banda, por sua vez, tocava com a animação digna de coral de canto gregoriano em enterro de papa. Não ocorreu nada de especial. Nadica de nada.
O ser humano, porém, sempre nos surpreende. Acontece que na hora em que ligavam os refletores e um canal de televisão passava a transmitir flashes ao vivo do furdunço, instaurava-se uma espécie de transe coletivo. O povo fingia que uma verdadeira bacanal estava acontecendo no salão. Mulheres subiam nas mesas e rebolavam praticamente nuas, travestis davam siricoticos, machões exibiam os muques e o repórter, simulando um transe dionisíaco, gritava coisas incompreensíveis.
Uma amiga da minha tia-avó me viu ao vivo, em alta madrugada, sentado numa mesa do Scala como membro do trio assadura, Minâncora e Hipoglós. Em cima da mesma mesa, quatro senhoras e dois transformistas rebolavam para as câmeras de TV ameaçando fazer striptease. A velha espalhou no bairro a notícia de que eu estava numa suruba multissexual.
Resultado da peleja: uns acharam que fui centroavante matador, outros desconfiaram de que fui zagueiro vazado, numa noite em que sequer toquei na bola.