Rio - Nos mais de 400 blocos que desfilam neste Carnaval pelas ruas do Rio, sobram conselhos para tentar melhorar a aprovação da presidenta da República. Uma das dicas apareceu em verso do compositor Noca da Portela: “Ô dona Dilma, bota as barbas de molho! Fica de olho, tá rolando um zum,zum,zum”. O samba, entoado por milhares nesta sexta-feira em Botafogo, durante o desfile do bloco do Barbas, é exemplo das várias letras que tratam com irreverência os personagens e escândalos do mundo político.
No Carnaval das escolas de samba, porém, a troça dá lugar à exaltação e, ao longo da história, não faltam exemplos de enredos que lavaram a alma de políticos Brasil afora.
Na folia dos blocos e cordões, canta-se da Operação Lava-Jato à ida de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, para o “xilindró”, como diz a letra do bloco ‘Lima É Tio Meu’. Para Noca da Portela, que pretendeu lembrar a presidenta Dilma que “os problemas de Brasília não estão só na Petrobras”, os blocos têm a liberdade que a escola de samba não possui. “A escola precisa de mais cuidado, porque depende do Estado”, afirma o compositor.
“Desde o começo,a escola de samba precisou do poder para sobreviver”, argumenta o escritor Fábio Fabato, autor de diversos livros sobre a folia de Momo. “O segredo das agremiações para não sumirem foi estar sempre perto do poder, faz parte do show”, relata o escritor. Segundo ele, a forma de conexão com os poderosos variou ao longo da história, passando por escolas que exaltaram a ditadura militar e a indissociável vinculação com o “poder paralelo do jogo do bicho”. “Hoje, o poder é o do capital, com os enredos patrocinados”, resume.
A aproximação entre o mundo dos tamborins e o dos paletós remonta à ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Mesmo sem obrigação, ressalta Fabato, as escolas procuraram fazer enredos nacionalistas como forma de legitimação. O prestígio de Vargas era tamanho que a Mangueira, dois anos após sua morte, em 1956, levou para avenida Presidente Vargas o samba ‘O Grande Presidente”, de Padeirinho. “Salve o estadista,idealista e realizador, Getúlio Vargas o grande presidente de valor”.
Recentemente, agremiações homenagearam figuras históricas da política. Em 1998, a Grande Rio contou a vida do ex-líder comunista Luiz Carlos Prestes. A Inocentes de Belford Roxo, em 2009, levou para Avenida a história do ex-governador Leonel Brizola; no ano seguinte, a Beija-Flor desfilou com uma alegoria do ex-presidente Juscelino Kubitschek para cantar o nascimento de Brasília. São Paulo também não foge à regra: em 2012, a Gaviões da Fiel desfilou com enredo sobre a vida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os comunistas foram para a folia
A relação entre samba e política teve o seu auge na década de 1940, quando Getúlio Vargas estava no poder após dar golpe de Estado em 1937. Nesta época, era quase regra que os desfiles das escolas de samba fossem temáticos e dialogassem com o contexto político em que se vivia.
“Foram os chamados carnavais da guerra”, explica Valéria Lima Guimarães, professora do departamento de Turismo da UFF e autora do livro “O PCB Cai no Samba”, sobre as relações entre os comunistas e as agremiações na década de 40.
Entre 1942 e 1945, principalmente, os enredos e marchinhas versaram sobre os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial, os pracinhas e a participação do Brasil no conflito.
Mas no ano seguinte, com o fim da guerra e do Estado Novo, foram realizados dois desfiles: o “oficial”, na avenida Presidente Vargas, terminou com a vitória da Portela e entrou para história como “Carnaval da Vitória”. O outro, realizado em novembro, foi organizado pelo PCB, para homenagear Luiz Carlos Prestes, maior liderança comunista.
“Esse desfile contou com 22 agremiações no Campo de Santana, e aproveitou para saudar também o aniversário da Proclamação da República”, conta Valéria. A Prazer da Serrinha, escola que no ano seguinte daria origem ao Império Serrano, foi a vitoriosa do Carnaval ‘comunista’.<TB>Segundo a professora, era comum que os comícios do PCB tivessem a participação de escolas de samba. “Além disso, vários candidatos do partido que aproximaram-se das agremiações acabaram eleitos em 1947”.
Hoje, segundo a professora, a aproximação entre políticos e escolas de samba não é mais tão evidente. “As aproximações estão no poder, com a escolha de sambistas para ocupar cargos na administração pública, como secretarias de cultura, por exemplo.”