Por gabriela.mattos
Rio - “Eu sou vaidosa, eu sou assim. Vaidade não tem preço, mas eu tenho seu apreço”. Os versos do samba enredo “Tributo à Vaidade”, de 1991, da Portela, parecem ter sido escritos para Aldalea Rosa Negra. Atual presidente do departamento feminino da agremiação da Zona Norte, ela é conhecida por seu cabelo vermelho, suas roupas, bijuterias e maquiagem. Foi a partir de sua gestão, em 1998, que as integrantes deste setor começaram a usar um figurino a cada evento na quadra e na rua. Se elas repetem o visual? “Nunca, aqui é Portela”, brinca.
A história de Aldalea é a primeira da série 'Personagens do Samba', do DIA Online. Há 60 anos na escola de Madureira, ela coleciona grandes lembranças com personalidades marcantes da Portela. Ela já desfilou ao lado do sambista Paulinho da Viola e da ex-porta-bandeira Dodô, e lembra com saudade da cantora Clara Nunes. “Era a minha amigona, foi muito triste quando ela partiu. Clara era do povo, era portelense mesmo”, afirma a diretora, que começou a frequentar a quadra em Madureira aos 10 anos, após insistir com seu irmão.
Aldalea Rosa Negra está na Portela há 60 anos e preside o departamento feminino da Azul e BrancaMaíra Coelho / Agência O Dia

“Eu falava: ‘Me leva, que sou Portela’. Chorei muito e jurei que não diria nada a ninguém, até que ele me levou. Quando cheguei lá, com vestido comprido, meia três quartos e trancinha no cabelo, eu me acabei e estou até hoje”, lembra dona Aldalea, que também já foi responsável pela ala das crianças.

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O seu carisma e comprometimento chamou a atenção do então presidente Carlinhos Maracanã. Em 1998, ele a convidou para presidir o departamento feminino, função que desempenha até hoje na agremiação. Nos ensaios técnicos, enquanto todos saem com a camisa da escola, Aldalea e as meninas — como as chama carinhosamente — usam um traje especial. É ela quem desenha as peças usadas nas festas da escola.

O corte de cabelo também é sua marca registrada e foi inspirado em um dos seus filhos. “Quando ele chegou em casa, eu não gostei, mas depois acabei fazendo igual”, conta dona Aldalea, que usa o mesmo corte há mais de 20 anos. Ela começou a pintar o cabelo de vermelho há apenas dois anos. “As pessoas me perguntam porque eu não uso azul como o da Portela, mas o pessoal já me conhece com esse cabelo”, diz. O outro motivo é por ser a cor de Iansã. “É o meu terceiro santo, minha casa tem muitas coisas vermelhas”, ressalta.

Presidente do departamento feminino da Portela%2C Aldalea Rosa Negra é conhecida por sua vaidade e bom humorMaíra Coelho / Agência O Dia

Além de ser muito vaidosa, dona Aldalea está confiante pelo título. Ela já até encomendou a sua fantasia para o desfile das campeãs. No entanto, ela ressalta que o figurino do grande dia fica a cargo do carnavalesco Paulo Barros. “Arcamos com tudo, quem não tem dinheiro parcela no cartão. Usamos ‘coisa boa’, nunca fui para fora do país, mas nosso tecido é importado, comprado no Mercadão de Madureira”, conta.

Durante todos esses anos de Portela, o desfile que mais marcou a vida de dona Aldalea foi “Contos de Areia”, em 1984. “Foi o primeira vez que tive a honra de desfilar na diretoria do departamento feminino. Estávamos bem arrumadas e aparecemos na televisão. Foi um babado forte”, diverte-se.
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Outro momento marcante na Sapucaí foi em 2008, quando o público começou a gritar “Rosa Negra” na arquibancada. “Foi muito emocionante”, recorda-se.  Depois disso, ela incorporou o apelido ao nome e virou seu sobrenome. “Eu não pedi, me deram. Nome de artista, né?” brinca.
Em 2000, ela já havia recebido a faixa “Rosa Negra da Portela”, título criado por Josafá Gradim. O compositor também a homenageou em um samba. “Primeira e única, a Rosa Negra desabrochou com a fé e esperança com elegância”, canta Aldalea um trecho da música. O sambista dedicou outras cinco composições à ela e ao departamento feminino.
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A rotina de Aldalea é bem intensa. Moradora de Realengo, na Zona Oeste do Rio, ela acorda às 4h para fazer os serviços domésticos e às 6h30 vai para Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio, onde tem um terreiro e ali cumpre com as suas obrigações. Depois vai para a Portela, sua “segunda casa”. No departamento, ela recebe convidados na agremiação e visita quadras de outras escolas de samba. “Tudo com muito orgulho, responsabilidade e elegância que a nossa Portela merece”, enfatiza.

Dona Aldalea deixa de sorrir ao falar do ex-presidente Marcos Falcon, que foi morto em setembro do ano passado. Para ela, Falcon está fazendo falta na agremiação. “Ele era um amigo, um paizão para mim”. A diretora do departamento feminino destaca que o desfile da Portela vai ser uma homenagem ao ex-presidente. “Meu presidente que se foi, já deixou tudo encaminhado”, revelando confiança para este Carnaval.

Sobre rituais no dia do desfile, ela desconversa. “Não tenho nenhum. Antes de entrar na Avenida, eu faço meus pedidos para minha Portela”. Já em relação ao jejum de 47 anos sem títulos, dona Aldalea é categórica:  “A Portela incomoda”.

As reportagens da série 'Personagens do Samba' serão publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras.  Já na próxima sexta, confira a história de Julio Cezar Garcia da Silva, um dos chefes de barracão da Paraíso do Tuiuti.
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Com reportagem de Adriano Araujo, Gabriela Mattos e da estagiária Luana Benedito