A trancista Natália Soares é responsável pela perucaria da comissão de frente da Unidos de ViradouroCléber Mendes

Rio - A trancista Natália Soares é moradora do Morro do Bumba, em Niterói, lugar que ficou famoso por conta de uma tragédia, mas ela teve um rumo diferente em sua vida. A maquiadora é um dos profissionais que, no Carnaval e pré-carnaval, emprestam o seu talento para dar vida aos personagens criados pelo carnavalesco Tarcísio Zanon. Eles foram selecionados para a Viradouro quando integravam uma das turmas do curso de maquiagem artística ministrado por Christina Gall, mestra nas técnicas especiais para os desfiles na Marquês da Sapucaí. 
A ideia de movimentar o mercado brasileiro surgiu em 2018, quando a profissional chegou à escola. A Viradouro se tornou campeã trabalhando em parceria com os franceses. “Fiquei preocupada porque não encontrava no Brasil profissionais especializados que fizessem frente ao enredo proposto. Maquiagem de carnaval exige especialização no uso de próteses e materiais que garantem que os componentes da agremiação passem pela Avenida e cheguem à dispersão intactos, independente do suor, do calor ou da chuva", explica Gall.
Para "solucionar o problema", a maquiadora conseguiu uma parceria com o Senac RJ. Christina arregimenta os profissionais que acabam adotando as técnicas de caracterização aprendidas, que incluem também cabelos e cílios, como ganha-pão do seu dia a dia. "Eu ensino as técnicas que domino para os alunos e, em contrapartida, os uso como estagiários na minha equipe da escola de samba".
A solução deu tão certo que, atualmente, vários alunos continuam a bater ponto na vermelho e branco de Niterói, mas, depois da Quarta-feira de Cinzas e até o próximo carnaval, eles aplicam as técnicas que dominam para ganhar a vida. Muitos deles estão hoje preparando elenco em peças de teatro, shows musicais e onde mais puderem exercer a profissão. É o caso de Natália Soares, que descobriu o curso depois da decepção pela falta de dinheiro para pagar a faculdade.
"Foi um divisor de águas na minha carreira. O Carnaval e a Chris fazem a gente pensar fora da caixa. Em qual outro espetáculo, além da TV e do cinema, você iria ver uma sereia em um aquário, entre outros personagens, tão bem caracterizados? A maquiagem e as oportunidades que ela me trouxe mudaram totalmente o meu pensamento, pois eu achava que era uma coisa básica, que eu não teria futuro", explica Natália, que ganha a vida maquiando no salão da família e já participou, como trancista, de um projeto que virou exposição no Museu de Arte Contemporânea (MAC).
Renda vem 100% da maquiagem
Moradora de São Gonçalo, a maquiadora e instrutora Gláucia Pandoro, 31 anos, só conseguiu fazer o curso trabalhando na empresa de doces personalizados da vizinha e com a ajuda do noivo. Hoje ela vive 100% da maquiagem, conquistou a sua independência e dá aula em um projeto social. "Com o curso, a porta do Carnaval se abriu e eu consegui entrar para esse mundo. Sempre quis trabalhar com o Carnaval e na Unidos da Viradouro, que é a minha escola do coração", lembra Pandoro, que também é CEO da marca Pandoro Beauty.

A nova expertise da equipe tem permitido à Viradouro desfilar alas inteiras com a mesma qualidade que a Comissão de Frente. “Este ano, vamos colorir a Sapucaí com personagens de folguedos populares como Folia de Reis e a Festa do Divino. E como efeito especial adianto um segredo: a Viradouro este ano desfila com os componentes de uma ala inteira usando lentes de contato. E a comissão de frente vai ser focada na maquiagem. Isso só é possível graças à equipe de profissionais formados para atender o carnaval”, garante Christina.
No Carnaval 2023, entre alunos, ex-alunos e instrutores, um total de 168 pessoas irão atuar no desfile da Viradouro, na segunda-feira, 20 de fevereiro. A escola vai contar a vida e a obra de Rosa Courana, ou Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, considerada a primeira mulher negra a escrever um livro no país. O grupo ficará responsável pelo make-up de aproximadamente 900 integrantes, quase metade da escola. Essa "prática carnavalesca" funciona como laboratório para os alunos, permitindo a vivência profissional em um dos maiores eventos do planeta.
"O nosso trabalho é diferenciado, mais elaborado, com um acabamento cuidadoso. O figurino conversa com a maquiagem. Quem vê não sabe onde acaba a maquiagem e começa o figurino. Eu faço esse trabalho há quatro anos e ja conseguimos balançar o mercado. Espero que isso vire uma tendência na festa mais popular do planeta, e a maquiagem vire quesito, com direito a julgamento, igual fazem no Oscar. O nosso trabalho não deixa a desejar a Hollywood", disse Christina, que tem 25 anos de profissão e deve abrir uma turma no Rio de Janeiro em maio.
Cursos rendem frutos para o Carnaval
Outras escolas também têm investido na caracterização para brilharem na Marquês de Sapucai. Jorge Abreu, que atua na Vila Isabel, Império Serrano, Unidos de Bangu, Porto da Pedra e União de Maricá, trabalha com maquiagem há 20 anos e tem alguns prêmios no currículo. Ele conta com uma equipe de 30 profissionais, boa parte dela vinda dos cursos que ministra sempre que a agenda permite. Depois de selecionados, os alunos são preparados para que todos saibam o que fazer no dia do desfile.

"Para o Carnaval eu já tenho um elenco muito competente que me acompanha nessa jornada, mas sempre abro espaço para a moçada nova que está chegando. É importante dar esse suporte e apresentar a realidade da maquiagem artística e de efeitos no Brasil", disse Jorge, que foi um dos responsáveis das maquiagens das cerimônias olímpicas de 2016 e da Copa do Mundo em 2014, chefiando uma equipe de mais de 250 maquiadores.

E o trabalho dele para movimentar a maquiagem artística no Brasil já tem produzido resultados. Convidado para palestrar em várias empresas parceiras, ele costuma selecionar aqueles que se destacam. "Eu dei aula de caracterização para uma turma e trouxe alguns alunos para a equipe. Hoje, dois deles assumiram a Acadêmicos do Engenho da Rainha como carnavalescos: a Pauline Abreu e o Alexandre Gonçalves. Me sinto super orgulhoso", afirmou, Jorge.

Pauline é grata pelas oportunidades que teve com o professor, com quem continua trabalhando sempre que pode. "Ele acrescentou muito na nossa vida. Nós agregamos a maquiagem artística na nossa vida, coisa que eu não fazia. Eu tenho curso de cabelereira e maquiadora, mas eu não fazia maquiagem artística. Tudo o que aprendemos com ele nós usamos no nosso ofício. Tanto que trazemos para a escola que trabalhamos", disse.
Reportagem de Mauro Touguinhó