No ateliê do bloco Loucura Suburbana, do Instituto de Nise da Silveira, o mestre-sala Sidimar Marinho posa para a fotoCléber Mendes

Rio - Com o movimento de reforma psiquiátrica, o Instituto Municipal Nise da Silveira, no Engenho de Dentro, é hoje uma instituição de portas abertas. No local, moradores do bairro, usuários da rede de saúde mental e funcionários trabalham juntos para o 21º desfile do Bloco Loucura Suburbana, que será na quinta-feira, às 17h. Mais uma vez, a população vai entrar, vestir as fantasias e sair portão afora, no cortejo que marca o fim da internação manicomial no espaço. 

"O objetivo sempre foi o de acabar com os hospícios, que são estruturas que não ajudam as pessoas a melhorarem, pois as privam do convívio com a sociedade. Esses ex-pacientes hoje vivem em casas alugadas pela prefeitura, com cuidadores. A gente caminhou em direção à liberdade e à igualdade, e o bloco conseguiu ajudar nessa missão", diz Ariadne de Moura Mendes, psicóloga e coordenadora do Loucura Suburbana.

Na última sexta-feira, dois usuários da rede de saúde mental atuavam nos preparativos do desfile. Sidimar Marinho experimentava o traje de mestre-sala, enquanto Wellington Gomes da Silva saía às ruas para distribuir os panfletos do bloco. No verso, a letra do samba deste ano, que diz: 'Acordei de um pesadelo. Agora quero abraço o ano inteiro'.

"O samba hoje é o nosso melhor remédio. Já sofremos muito no tempo da internação. Agora temos convívio com a sociedade e isso é tudo para a gente. No bloco, é o momento de todos extravasarem juntos na rua, sem preconceito", diz Sidimar, cria da Imperatriz Leopoldinense, onde aprendeu a sambar com o casal de mestre-sala e porta-bandeira Chiquinho e Maria Helena. 

A maior parte das fantasias já está pronta no barracão, onde antes funcionava a capela em que os antigos internos eram velados. Quem coordena o espaço é Ana Carla Bastos, que mora no prédio em frente ao Nise e se juntou ao bloco para aprender um instrumento.

"Meu sonho era tocar alguma coisa. Já aprendi tamborim, caixa e surdo. Isso aqui virou minha segunda casa, porque é um lugar de muito acolhimento. Para mim, aqui não tem paciente, não tem psicólogo. Todo mundo é igual", diz Ana, que ainda trouxe o filho para o Loucura Suburbana - Matheus Felipe dá um força na venda das camisas do bloco:

"Eu quero cursar Economia e aqui na vendinha já estou aprendendo a lidar com a contabilidade, o quanto entra, o quanto sai, e com o controle de estoque. É como se fosse uma pequena empresa, e isso já está me ajudando antes de entrar na faculdade".

Wellington, além de ser divulgador do bloco na região, também atua na bateria do Loucura, 'A Insandecida'.

"Eu toco chocalho. Sinto uma alegria imensa quando o bloco sai e todos se misturam na rua", diz.

Assessor da coordenação do Nise, Richard Ruszynski acrescenta:

"Ele também participou da disputa de samba neste ano, e compôs uma letra que não foi a vencedora, mas ficou na minha cabeça. Como é, Wellington?", Richard dá a deixa para o colega cantar:

"Não adianta sofrer. Não adianta chorar. Se você perder a cuca. A Cuca pode te pegar", entoa Wellington, que explica: "Eu quis passar uma ideia de loucura sem cuca, ou seja, loucura sem problemas".

Para Abel Luiz, instrumentista da Insandecida e professor de música no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Clarice Lispector, o fim das internações e das moradias e enfermarias psiquiátricas no Nise mostram que a saúde mental é uma questão da toda a sociedade:

"Agora, pacientes ou não, todos vêm para o bloco de uma forma espontânea. A gente entende que a rede de saúde como um todo, as UPAs e Clínicas da Família, devem estar preparadas para atender casos de psiquiatria. Não precisa haver um espaço segregado. O nosso bloco é a celebração disso. E uma afirmação de que não pode haver retrocesso".
Estagiários com a mão na massa
O ateliê do Loucura Suburbana ainda conta com a força dos estagiários. Para Nathália Araújo, estudante de Enfermagem da Unirio, a participação no bloco amplia o conceito de cuidar: 
"Eu percebo que estou fazendo um trabalho que vai ajudar as pessoas a se sentirem bem. E isso não está nos livros", diz Nathália, enquanto ajudava na customização de uma fantasia.
Estudante de Artes Cênicas na UFRJ, Cleiton Almeida, que faz a habilitação em Cenografia, tem uma percepção semelhante: 
"O convívio aqui no ateliê agrega pessoas que têm diferentes modos de fazer. E, nesse convívio, a gente vai conversando e cada um cede um pouco para a gente chegar a um denominador comum. Para mim, é uma lição de relacionamento social". 
Já Maria Elisa, colega de turma de Cleiton, afirma que há também um aprendizado técnico:  "Particularmente, eu aprendi a trabalhar com tecidos com os quais nunca havia tido contato".