Tarcísio Zanon, da ViradouroRenan Areias
Perseguido, o personagem histórico conheceu por meio dos indígenas o poder das ervas ao se refugiar na floresta. O carnavalesco Tarcísio Zanon conta que estava em um churrasco de celebração pela vitória de 2024, quando a inspiração surgiu.
"Começou uma fumaça na mata. Não era fogo. Era uma fumaça mística mesmo. Na hora, o meu pai de santo me sinalizou que aquilo era um sinal, e eu estava sentindo isso mesmo. Me lembrei da minha pesquisa sobre Catimbó, que significa fumaça de mato. Assim surgiu o enredo de Malunguinho", revela.
Os versos do samba-enredo "Acenda tudo que for de acender/ Deixa a fumaça entrar" serão concretizados na Sapucaí. Afinal, Catimbó é o conjunto de atividades religiosas que utiliza os cachimbos como poder de conexão espiritual.
Esse elemento será apresentado de diferentes formas: em fantasia, fumaça colorida e através de iluminação cênica. "Vai ter muito verde, amarelo e laranja porque Malunguinho era incendiário. Ele tacava fogo nos canaviais para libertar o povo dele. Vamos abrir com o fogo para podermos ir para a mata, para o brotar e para o florescer", complementa Tarcísio.
Tanto as alegorias quanto as fantasias terão materiais orgânicos como cascalho, sementes e musgos, inclusive originários da mata pernambucana. A religiosidade abordada no enredo abrange as sete cidades encantadas da Jurema: Junçá, Vajucá, Manacá, Catucá, Angico e Aroeira, todas batizadas com nomes de plantas que estarão no desfile de Zanon.
Jurema sagrada
O Quilombo do Catucá, formado em regiões da mata pernambucana, também é conhecido como Quilombo do Malunguinho. Seus líderes eram conhecidos como malungos. O último deles foi o herói da Viradouro, que passou a ser cultuado como entidade sagrada.
"Esse chá é um remédio, é um psicoativo que leva os pajés a esse estágio de transe. Isso faz com que a gente tenha uma liberdade artística muito grande porque é um lugar encantado, é um lugar inimaginável. Vamos trazer esse conjunto de magias", adianta Tarcísio.
Na Viradouro, a tecnologia será usada a serviço das 'mirações', que são as visões alcançadas com o uso da Jurema. "A tecnologia vai estar associada a essa mística, essa miração toda que tem dentro desse culto originário", resume Zanon.
Com um assentamento de Malunguinho feito no barracão, o carnavalesco diz que todo o trabalho tem sido feito conforme as autorizações históricas e espirituais do encantado.
Personagem histórico
A Viradouro ressalta que além de apresentar a entidade espiritual, também pretende alçar à qualidade de herói o líder quilombola João Batista. "Ele talvez tenha sido o maior líder quilombola da história e se torna um encantado. Uma entidade que até hoje se comunica através das manifestações e do culto da Jurema. A gente pretende elevá-lo ao panteão dos grandes heróis nacionais, como aconteceu com Zumbi dos Palmares por meio do Carnaval", declara o carnavalesco.
Pernambuco na Avenida
Para desenvolver o enredo, a equipe técnica da Viradouro fez uma imersão de 15 dias em Pernambuco e consultou o pesquisador João Monteiro. Mais de cem pontos de Jurema foram catalogados pela escola de samba para auxiliar os compositores no samba-enredo e no próprio desenvolvimento do Carnaval. "É a música que conta, de fato, a história de Malunguinho, uma vez que o registro histórico que a gente tem dele é apenas um registro policial de sua morte", conta Tarcísio.
Comissão de frente promete se superar
Sem revelar o que o "casal segredo", formado pelos coreógrafos Priscilla Mota e Rodrigo Negri, prepara para a noite de 2 de março, o carnavalesco se disse confiante e feliz. Segundo Tarcísio, a escola vai conseguir superar a comissão de frente do ano passado, que extasiou o público ao fazer uma serpente rastejar pela Avenida, com o enredo "Arroboboi, Dangbé".
Para trazer esses efeitos especiais, a escola trabalha com um laboratório integrado por profissionais de diferentes áreas. "Claro que eu não posso falar nada, mas a gente está muito feliz com o nosso laboratório e por conseguir superar a última comissão de frente", afirma o carnavalesco. Na coreografia, profissionais de Pernambuco colaboraram na preparação dos bailarinos.
A Viradouro vai desfilar com seis alegorias, um tripé e um elemento alegórico da comissão de frente. Serão 23 alas e cerca de 2.500 componentes. A escola de Niterói será a terceira a desfilar no domingo de Carnaval, no dia 2 de março.
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